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Labrador degolado implica danos e remessa ao MP para analisar maus tratos

Comarca de Porto Alegre

Foro Central

18ª Vara Cível – 2º juizado

 

Nº de Ordem:

 

Processo nº:

001/1.09.0273505-9

Natureza:

Ação indenizatória por danos morais e materiais

Parte Autora:

Alfredo de Mello Gomes da Rocha

Parte Ré:

Santiago Brasil da Veiga

Juiz Prolator:

Régis de Oliveira Montenegro Barbosa

Data:

31/03/2010

 

1 – RELATÓRIO

 

Vistos e examinados estes autos.

 

 

Alfredo de Mello Gomes da Rocha ajuizou ação indenizatória por danos morais e materiais em face de Santiago Brasil da Veiga, ambos qualificadas nos autos.

 

Relatou, em síntese, que no ano de 2004 adquiriu terras no Município de Sentinela do Sul/RS, sendo que se deslocava para tal localidade nos finais de semana. Aduziu que em 17/03/2008 o ora demandado ingressou com uma ação contra o ora autor, sustentando que o cão da raça labrador de sua propriedade, teria matado 12 ovelhas suas e ferido outras 6, sendo que a aludida ação restou julgada improcedente. Sustentou que posteriormente o demandado degolou com uma faca o cão do autor de nome Elvis, mesmo sem nenhuma evidência de que o cão teria sido o causador do dano. Sustentou que no mesmo dia o demandado degolou outra cadelinha de nome Pituxa na casa de uma vizinha, sob as mesmas alegações. Sustentou acreditar que o demandado cometeu tal ato em razão do fato de que o autor teria arrematado em leilão as terras em questão que eram de propriedade da avó do demandado. Relatou diversos atos de truculência praticados pelo demandado, inclusive, contra outros cães. Alegou que mesmo após a morte do seu cão os ataques às ovelhas do demandado continuaram. Requereu a condenação do demandado a indenizar os danos morais que entende ter amargado. Acostou documentos

 

Citado, o réu contestou, aduzindo que efetivamente deu cabo à vida de um labrador, uma vez que teve mortas 12 ovelhas de raça, sendo que outras seis restaram feridas. Alegou que embora não tenha sido provado o nexo de causalidade entre os ataques e o resultado morte das ovelhas na demanda anteriormente proposta, certo é que o cão de propriedade do autor estava dentro de sua residência quando do ataque. Sustentou que o cão de propriedade do autor estava abandonado em sua residência e praticou tal ato visando alimentar-se. Alegou que o cão agiu em conjunto com o cachorro de outra vizinha, a qual teria admitido a necessidade de sua morte, autorizando o réu a dar-lhe cabo. Requereu a concessão da gratuidade judiciária. Pugnou pela improcedência do pedido.

 

Sobreveio réplica.

 

Restaram as partes intimadas quanto à produção de novas provas, ocasião em que o autor manifestou interesse na oitiva de testemunhas acaso o réu igualmente pretendesse, contudo, este quedou-se silente.

 

O réu restou expressamente intimado a acostar aos autos seus comprovantes de rendimentos para propiciar a análise do pedido de gratuidade, entretanto, não logrou atender a tal determinação.

Nada mais sendo requerido, vieram os autos conclusos para sentença.

 

É O RELATO.

PASSO A DECIDIR

                                 2 – Motivação

 

Cuida-se de pedido de reparação por danos morais, por intermédio do qual o autor aduz que seu cão da raça labrador teria sido degolado pelo demandado, sob a alegação infundada de que o animal teria provocado a morte de diversos ovinos.

 

O pleito merece prosperar.

 

Inicialmente ressalto ser incontroversa a circunstância de ter o demandado "dado cabo" à vida do cão da raça labrador do autor, sob alegação de que este teria provocado a morte de doze ovelhas de sua propriedade, tendo ainda, ferido outras seis.

 

Entretanto, inexiste qualquer adminículo de prova no sentido de respaldar tal alegação, mormente em se considerando que mesmo que o animal tivesse, de fato, atacado os ovinos, tal atitude proveniente de um ser irracional, que age de forma instintiva, não justificaria a atrocidade perpetrada pelo demandado, detentor de racionalidade, característica esta inerente à condição humana e que, aliás, detém o escopo de distinguir o ser humano do semovente.

 

Causa espécie a naturalidade com que em sua peça defensiva o demandado retrata o ato de sacrifício do cão de propriedade do autor, invocando o jargão popular "cachorro comedor de ovelhas só matando", como forma de justificar seu agir truculento, aliás, igualmente perpetrado contra o cão de outra vizinha, que, contrariamente ao que fora sustentado por ele, não teria anuído com tal extermínio, visto ter desmentido as alegações do réu por meio de testemunho prestado na demanda anteriormente ajuizada e utilizada como prova emprestada nestes autos, conforme se constata à fl. 27 dos autos.

Oportuno ressaltar que os fatos narrados no presente feito, inevitavelmente, reporta-nos aos primórdios da civilização, em que vigorava a "lei de talião" (lex talionis), que invocava a máxima "olho por olho, dente por dente", cujos indícios são encontradiços já no Código de Hamurabi, no longinquo ano de 1780 a.C, onde o princípio da reciprocidade preconizava que a punição do infrator deveria ser idêntica ao crime praticado, face à ausência de um ente estatal apto a exigir o equilíbrio e o respeito mútuo nas relações sociais.

 

Ocorre que com o desenvolvimento das civilizações, notadamente com a criação do Estado Moderno, novas formas de punição a atos lesivos foram criadas, sobretudo mediante o surgimento de um sistema jurídico de modo a permitir que o lesado busque medidas previamente legalizadas à reparação do seu prejuízo, sem, contudo, violar os direitos fundamentais de outrem.

 

Em outras palavras, o demandado, ao invés de socorrer-se do Estado, lançando mão justamente destas medidas legalizadas, que, aliás, são inúmeras, sejam de cunho protetivo, no intuito de evitar a ocorrência de novos danos, tais como interdito proibitório, obrigação de fazer com imposição de astreinte, ou mesmo indenizatórias, acaso já praticado o ato cuja autoria fosse flagrantemente conhecida, optou por agir por conta própria, fazendo uso da autotutela, ignorando por absoluto o Estado como ente, regulador das relações sociais e único autorizado a impor sanção àqueles que transgridem as regras ínsitas à vida em comum.

Com tal agir tornou-se merecedor de justa resposta, na proporção do ato de incivilidade que praticou.

 

À vista de tais ilações, evidente a violação dos atributos da personalidade do autor, tutelados no art. 5º da Magna Carta, o que se traduz pela dor e sentimento de impotência em razão do extermínio, de forma brutal, do seu animal de estimação e que convivia há mais de uma década no seio de sua família, de forma harmônica, sem qualquer histórico de agressividade.

 

Assim, ante os argumentos esposados, em se reconhecendo a caracterização do dano moral e a obrigação decorrente de indenizar (an debeatur), resta, pois, fixar o valor da indenização (quantum debeatur)

 

Diante da ausência de critério previamente prescrito acerca da fixação de indenização desta natureza, até porque a dor e o sofrimento humano são insuscetíveis de avaliação, tendo-se presente que os fatores percutem de forma diversa na natureza anímica de cada indivíduo, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a indenização deve ao mesmo tempo atentar para o caráter profilático e reparatório do instituto, evitando-se, sempre, a ocorrência de locupletamento indevido.

 

Ao crepúsculo, atentando a fatores como o potencial econômico das partes, o grau de culpa do ofensor, bem assim a repercussão social do dano, tenho que a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) se afigura como suficiente a reparar a ofensa aos direitos de personalidade do autor, insculpidos no art. 5º da Carta Magna, uma vez imprescindível o reconhecimento tanto do cunho profilático como pedagógico da medida, de modo que ao mesmo tempo que pune o agressor, visa impeli-lo de praticar a conduta de forma reiterada.

 

Ressalto que embora o autor tenha intitulado sua pretensão de reparação por danos morais e materiais, deixou de produzir qualquer prova acerca da ocorrência dos últimos, se modo que resta obliterada sua análise.

3- Dispositivo

 

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na presente ação indenizatória por danos morais e materiais ajuizada por Alfredo de Mello Gomes da Rocha, em desfavor de Santiago Brasil da Veiga, aos efeitos de condenar o demandado a indenizar os danos morais indevidamente impingidos ao autor, em razão da morte do seu cão de estimação, na ordem de R$ 20.000,00, (vinte mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo índice do IGP-M a contar da presente data, nos termos da Súmula nº 362 do STJ, acrescido de juros legais de 1% ao mês a contar da citação.

Face à sucumbência, condeno o demandado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da demandante, os quais fixo em 20% sobre o montante da condenação, devidamente atualizado, devendo tal verba ser corrigida pelo IGP-M até a data do efetivo pagamento, na exegese do art. 20, §4º, do CPC. Deixo de conceder o beneplácito da gratuidade judiciária ao demandado, ante a ausência de comprovação da efetiva necessidade.

 

Extraia-se cópia integral do presente feito e remeta-se ao Ministério Público, nos termos do art. 40, do CPP, para fins de apuração da prática do crime de maus tratos aos animais.

 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se com baixa.


Porto Alegre, 31​ de março de 2010.

 

  Régis de Oliveira Montenegro Barbosa,

  Juiz de Direito.

 

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