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Aparados da Serra TRAVESSIA Morro da Igreja-Cânion Laranjeiras guiada pelo arquiteto OsVALDO

Conheci o arquiteto OsValdo Luiz Balbinot valdo.balbinot@gmail.com no início da adolescência. Morávamos a meia quadra do CMPA Colégio Militar de Porto Alegre. Meu amigo de infância sempre demonstrou espírito aventureiro. Incitava-nos a empreitadas como, à noite, nos aventurarmos pelo Parque da Redenção, passando de bike pelos locais mais escuros, que nem os policiais do posto da BM se aventuravam a ir, subindo e descendo as pequenas elevações, etc.
Há muitos anos, Valdo faz trilhas e outras travessias, como essa, relatada a seguir, com interessantes fotos, acredito merecer um registro neste blog, agregando a dica recebida do Mauro Defferrari, Arquiteto & Prof. FAUUFRGS, álbum de fotos da Travessia do CANYON DO MALACARA, SC-RS, 1977.
Fraterno abraço
Prof. Padilla

             De: "Getulio Rainer Vogetta" grvogetta@gmail.com  11 Jun 2012 14:18h

Grande Valdo!
Meu caro, que espetáculo!
Não há outra palavra para descrever o que vivemos, nestes últimos 4 dias, dentro dos domínios dos Aparados da Serra entre o Morro da Igreja e o Cânion Laranjeiras... Como já lhe adiantei ontem por SMS, acabamos dividindo o grupo em dois, já no primeiro dia de jornada. Um grupo pequeno, mais ligeiro, com 3 caminhantes mais rápidos e, por que não dizer, mais "afoitos" e que não estavam "enturmados" com nosso grupo principal despontou já no primeiro dia quando decidimos que iríamos fazer a subida do platô gramado, mesmo com a viração que se avizinhava.
O grupo principal, onde eu estava, deu por terminada a travessia no Laranjeiras, atingido na metade do terceiro dia de caminhada (sábado, 15h), pois vimos que não seríamos capazes de concluir o trajeto restante (até a Serra do Rio do Rastro) sem comprometer o aproveitamento do magnífico lugar. Decidimos acampar na Fazenda Sta. Cândida, para o que já possuíamos autorização prévia, já que esta constava como uma de nossas possíveis rotas de fuga. Dali seguimos explorando, de ataque (sem as mochilas cargueiras) as bordas daquele grandioso cânion de forma a não complicar o nosso longo retorno a Curitiba.
Dali, na borda do Laranjeiras, no final da tarde de sábado, acionamos por telefone nossa van para que nos resgatasse no domingo pela Fazenda Sta. Cândida e passamos essa informação ao grupo "da frente" por mensagens de SMS, que naquela hora do dia já havia passado praticamente reto no Laranjeiras e se encontrava do outro lado, seguindo acelerados rumo ao Funil. [certamente seguindo orientações dadas por "algum aventureiro"]
O sinal de celular dali (borda norte) estava bem ruim e inconstante (tanto da Vivo quanto Claro, a TIM ali nem pegava). Tentei algumas vezes te ligar de lá sem conseguir. No domingo, do outro lado (borda sul) conseguimos sinal um pouco melhor a partir de uma elevação e tentei te ligar novamente, também sem sucesso. Isso eram 10h da manhã. Foi quando te enviei a primeira mensagem SMS, que segundo o retorno da operadora não havia sido entregue (?). Logo mais, quando voltamos para o acampamento perto da sede da fazenda, o sinal ficou forte e tentei te ligar novamente, mas aqui fiquei com a bateria baixa e acabei não tentando mais, guardando o restinho de carga para possível necessidade de contato com a van que viria nos buscar e não conhecia o caminho até a fazenda, já que todos estávamos com as baterias dos telefones bem fracas. Depois, quando já estávamos na van, retornando de BJS a Urubici, te mandei outra mensagem, que tu respondeu em seguida, quando já estava escrevendo para te responder minha bateria foi pro espaço de vez e não consegui mais ligar o aparelho...
O tempo foi maravilhoso durante todos os dias de caminhada. No domingo o tempo começou a virar depois das 10h da manhã, umidade e nuvens escuras começaram a aparecer no horizonte, vindas de noroeste. Pegamos muita chuva no retorno de BJS a Urubici, depois de já termos almoçado na Churrascaria da Cascata (15h), e dali até Florianópolis e depois Curitiba. Muito trânsito na volta do feriadão. Cheguei em casa eram quase 2h da manhã abaixo de chuva grossa.
Adiante mais detalhes, num pequeno relato que ainda estou escrevendo para ti.

Antecedentes e Planejamento:
A ideia de fazer uma travessia pelos platôs da Serra Geral, seguindo as escarpas entre o Morro da Igreja e a Serra do Rio do Rastro, nos municípios catarinenses de Urubici e Bom Jardim da Serra, já povoava o meu imaginário há alguns anos, fruto do meu encantamento com as belezas daquela região, descortinadas em algumas viagens e incursões rápidas, seja rodando de jipe, caminhando ou cavalgando por aquelas bandas.
Tal intento foi reavivado ao "viajar" algumas vezes pelo Google Earth na região, pois com o meu "retorno" ao montanhismo e ao trekking em 2010 comecei a estudar as possibilidades de pernadas mais sérias na área, estimulado ainda mais pelas fotos de alguns trekkings na região, postadas por usuários do Site Panorâmio, que fornece as imagens georreferenciadas visualizadas no Google Earth.
Pouco tempo depois me deparei com uma discussão aqui no Mochileiros.com sobre o Parque Nacional de São Joaquim, onde se debatia justamente a existência "real" do Parque e a necessidade/obrigatoriedade de contratar guias para poder trilhar na área abrangida pelo PARNA (http://www.mochileiros.com/travessia-urubici-bom-jardim-da-serra-perguntas-e-respostas-t37502.html). Ali a discussão ganhou corpo e me levou, junto com outros usuários do Fórum, a travar contato com o Chefe daquela Unidade de Conservação administrada pelo ICMBio, o Sr. Michel Omena, com o qual estabelecemos um diálogo bastante profícuo no sentido de liberar o acesso de trekkers e montanhistas preparados na área do parque sem a necessidade de contratar guias turísticos, mediante o preenchimento de alguns requisitos. Também passamos a conhecer melhor os esforços empreendidos para tirar o parque "do papel" e conciliar os diversos interesses, muitas vezes conflitantes, sobre a área. Recebi dele por e-mail, em certa ocasião, farto material informativo sobre o histórico do Parque Nacional, desde sua criação, desafios e problemas enfrentados em diversos momentos, bem como as iniciativas adotadas, dentro da estrutura e regras existentes, para viabilizar a consolidação do PARNA e a conservação da área.
No seio das discussões naquele tópico (que se estenderam por meses), em jan/2012, falando sobre a elaboração do Plano de Manejo do PARNA e a situação da regulamentação das visitas, obtivemos do Mioto (que pouco antes conversara pessoalmente com o Chefe do Parque, em Urubici) a notícia de que em breve estaria sendo regulamentada a visitação e permanência por meio de uma Portaria, permitindo o acesso livre da necessidade de condutores (mediante o preenchimento de alguns requisitos) mesmo antes da conclusão do Plano de Manejo do PARNA. A notícia logo fez disparar o coração dos mochileiros que acompanhavam o tópico: a possibilidade de uma travessia (livre e autorizada) dentro do PARNA São Joaquim, proscrita desde 2009, era agora algo tangível! Graças à proatividade do Chefe do Parque, Sr. Michel Omena, provavelmente, ao menos em parte, sensibilizado pela nossa participação e pressão saudável nas discussões.
Foi só o Mioto postar esta informação e logo as mentes "irrequietas" começaram a imaginar e traçar planos para "a travessia", como datas possíveis, roteiros e logística. Desde o início o percurso-base estava definido na cabeça de todos = Morro da Igreja – Serra do Rio do Rastro, seguindo o máximo possível as bordas das escarpas da Serra Geral, uma das regiões mais belas de todo o Estado de Santa Catarina, seja pelos marcantes aspectos geográficos e geológicos envolvidos, seja pela rara beleza cênica presente. A data logo ficou definida para o feriado de Corpus Christi – entre os dias 07 e 10/06/2012, pelo entendimento de que seriam necessários 4 dias para a magnitude do projeto.
Desde a sinalização favorável até a data de realização da travessia transcorreram mais de 4 meses de conversas, estudo e planejamento para que tudo ocorresse de forma tranquila e segura. A região que seria atravessada em nosso trekking, apesar de não apresentar elevada variação altimétrica ou grandes dificuldades técnicas, trazia alguns percalços que não poderiam ser menosprezados, como grandes áreas de charcos, trechos de mata fechada, a constante possibilidade de nevoeiros densos capazes de impedir a navegação visual (a famosa "viração") além do mais temido deles: o frio, constantemente abaixo de zero nos meses de outono/inverno, pois se trata da região mais fria de todo Brasil e onde quase todos os anos temos a presença de neve!
Definidos o trajeto-base e a data, passamos a nos debruçar sobre as cartas topográficas e sobre as imagens de satélite da região em busca das peculiaridades do terreno para definir o traçado de uma rota viável diante da topografia dos morros, campos e platôs que povoavam nosso percurso. Foi um trabalho notável pela precisão (veja o desenrolar da história), em grande parte realizado pelo amigo Otávio Luiz, que desenhou a rota principal pelo Google Earth tendo em conta a topografia e vegetação, além de marcações importantes, como pontos de água e vegetação densa e do Mioto, que traçou caminhos alternativos e detalhamentos. A mim coube basicamente alguns retoques nos primeiros esboços, a revisão e algum detalhamento sobre os traçados do Otávio, marcação de pontos de referência no terreno, como cumes, fazendas e criação de possíveis rotas de fuga por estradas da região. Tudo isso tinha um único objetivo: produzir material de navegação abrangente e completo. Primeiro, para conhecer previamente o terreno, da melhor forma possível e, em segundo, levar nos nossos aparelhos de GPS tudo gravado para o caso de ser necessário navegar sem visual – situação muito comum na região por conta da viração, que rapidamente encobre vastas extensões de terreno e limita sobremaneira o alcance visual. Não poderíamos nos dar ao "luxo" de sequer correr o risco de nos perder. Estaríamos fazendo uma "reinauguração" de travessia dentro de um Parque Nacional, uma espécie de "piloto" e não queríamos de forma alguma comprometer o trabalho de convencimento até aqui arduamente realizado junto à Administração do PARNA.
Como eu havia lido vários relatos sobre travessias anteriores na área que pretendíamos cruzar e em várias delas haviam referências a dificuldades (algumas inesperadas), além das cartas e imagens de satélite, resolvi ainda estudar com mais cuidado as imagens de outros trekkers que andaram pela região. Neste processo me deparei várias vezes com imagens muito nítidas e esclarecedoras de aspectos importantes da vegetação e relevo local, que me chamaram a atenção. Entre esses fotógrafos que trilharam antes pela região destacavam-se nomes como: Valdo Balbinot, Ênio Frassetto e Ademir Sgrott ... Todos profundos conhecedores da região.
Diante disso resolvi buscar deles alguma informação que considerassem importante, algum aspecto que poderia ter passado desapercebido e mesmo a solução de algumas dúvidas que nos acometiam nas horas de análise das imagens de satélite da região e das cartas topográficas (como se sabe as IS nem sempre são de boa qualidade e via de regra as cartas estão desatualizadas). Como a internet aproxima as pessoas! Disparei alguns e-mails e, "voi-lá"!, logo tinha alguns "pareceres" sobre a região, desde a topografia, vegetação e condições do terreno até dicas sobre autorizações de passagem pelas fazendas na região do PARNA (nem todas ainda desapropriadas, como deveria ocorrer, pois o Parque ainda não está totalmente regular sob o aspecto fundiário). Destaco aqui a grande quantidade de fotos e informações repassadas pelo hoje amigo Valdo Balbinot, de Porto Alegre, que me enviou um verdadeiro dossiê sobre os Aparados da Serra e nos forneceu dicas valiosíssimas para o percurso. Ao amigo os nossos mais sinceros agradecimentos mais uma vez!
Com o roteiro pronto, munidos de mapas e informações mais do que suficientes sobre todos os pormenores do nosso percurso a ansiedade aumentava à medida em que a data se aproximava. Havia sobretudo o fantasma das condições metereológicas – sempre determinantes neste tipo de atividade, e sobre o qual não podíamos interferir... Mas haviam ainda alguns pontos não definidos que precisávamos enfrentar. Um era a logística, do qual em parte dependia também a definição final do grupo. Outro era a própria autorização "oficial" do Parque Nacional, sobre a qual ainda pairavam algumas dúvidas. Cada qual a seu tempo...
Enfrentamos primeiro a questão logística. Em nossa opinião, a melhor solução desde o início passou pela locação de uma van dadas as dificuldades práticas de utilizar o transporte regular de ônibus (horários péssimos + necessidade de baldeações). Descartamos também o uso de veículos de passeio, tanto pelo cansaço que causariam aos trekkers-motoristas (seriam afinal 480 Km de deslocamento para quem partia de Curitiba) quanto pela pequena capacidade de transporte e necessidade de posterior resgate dos mesmos. Com a definição da van, veio o segundo ponto, justamente um dos mais desgastantes, que era a definição final do grupo que faria a travessia. Desgastante pois quando se fala em "Serra Geral" e fazer uma travessia pelo PARNA São Joaquim, quem é do Sul sabe que se trata de um momento raro, especial mesmo, pelas belezas daquelas paragens... E é aí que o bicho pega, pois o número de interessados cresce absurdamente! Facilmente lotaríamos uns 3 ônibus de pessoas dispostas a encarar o frio extremo da região para ter esta oportunidade, mas como isso não é possível, vamos administrando os pedidos de diversos amigos que nos procuram sabendo "por alguém" que projetávamos um trekking desta magnitude para o feriadão.
Com um limite de 15 pessoas estabelecido (lotação máxima da van) e alguns nomes "hors concours" em razão da sua participação, desde o início, na discussão sobre o PARNA São Joaquim, praticamente não sobravam "vagas". Foi nesta fase que tivemos que dizer muitos "não" e, perdoem os companheiros que ficaram de fora, não se tratou em nenhum momento de excluir ninguém, vocês sabem disso. Desde o início este projeto nasceu para ser limitado em número de integrantes, especialmente em vista da necessidade de autorização do PARNA, das regras de mínimo impacto em ambientes naturais e da própria segurança do grupo, além das dificuldades logísticas.
Com um grupo "grande" e a logística definida faltava o último dos fatores importantes do projeto que de alguma forma dependiam de nossa atuação: a autorização formal do Parque Nacional de São Joaquim.
"Como assim?!" Podem perguntar alguns, por dois motivos/posições:
1)- Já não estava concedida a autorização? Como vocês montam toda a estrutura para a travessia sem saber se terão a autorização? e
2)- Para quê autorização? Façam na "raça", "por baixo dos panos" ora!!!
Primeiramente, o caso é que já tínhamos fortes indicativos de que a autorização seria concedida, a única dúvida no final era sobre o tamanho do grupo, algo maior do que o normalmente recomendado para este tipo de programa, especialmente em um Parque Nacional, o que acabou não sendo problema. Na semana anterior, com as previsões climáticas desenhando um cenário de muito frio e até possibilidade de neve na região de Urubici e arredores para o feriado, ficamos apreensivos sobre a possibilidade da administração do parque criar algum embaraço ou até mesmo desautorizar a travessia. Era um risco palpável e até justificável pelo agravamento das condições metereológicas. Houve até notícia de graxaim encontrado congelado "em pé" na região... Imagine!
Em segundo lugar, fazíamos questão, desde o início, de solicitar e obter a autorização formal do PARNA São Joaquim como forma de "pressionar" legitimamente a administração do parque sobre os interesses dos trekkers e montanhistas na área, assim como para valorizar a atuação e presença dos profissionais que o administram, criando antecedentes para manter as "porteiras abertas", como se diz na gíria aqui do Sul. Nosso interesse sempre foi e continua sendo pelo diálogo com as autoridades ambientais, ainda que discordemos de alguns pontos e soluções de gestão adotadas. Respeitamos para sermos respeitados – essa é a nossa regra. Não é pela afronta ou desrespeito que conquistaremos algum direito, mas pela discussão e participação efetiva nos fóruns institucionais adequados às discussões que originam os planos de manejo, que é em regra a "lei" de cada unidade de conservação.
E a autorização? Saiu, claro! Mas apenas poucos dias antes da data marcada para o início da expedição recebemos o e-mail do Sr. Michel Omena que chancelava a nossa autorização (ufa!). Tudo pronto enfim. 
* * * *

Primeiro dia (quinta):
Em síntese, chegamos cedo em Urubici, cerca de 5h30min, frio daqueles, tiramos mais uma soneca na van estacionados em frente ao ICMBio, aguardando chegar o vigia que traria nossa autorização, já que o da madrugada não sabia de nada. 7h, já de posse do nosso "salvo conduto", encontramos os 2 gaúchos que estavam acampados na casa de um guia da região e tomamos um delicioso café na padaria Beckhauser. Dali subimos pro Morro da Igreja, cuja estrada de acesso agora é inteiramente asfaltada [ele quis dizer a estrada de Urubici até a serra do Corvo Branco]. Lá no MI um movimento danado, cheio de carros de passeio congestionando a estradinha estreita, já que a manhã fria e límpida (não havia uma única nuvem sequer no céu) descortinava plenamente todas as paisagens que a vista alcança lá de cima. Muita gente lá no mirante em frente à base, mas ainda assim conseguimos ver um graxaim correndo no campo. Gelo acumulava-se nas pequenas poças nas beiradas da pista e nas lajes de pedra perto do mirante, gelo com cerca de 2 cm de espessura!!! Muito vento e frio intenso. Eram cerca de 8h30min quando chegamos no mirante, tiramos algumas fotos e manobramos a van (contamos com a ajuda do pessoal do Cindacta que gentilmente abriu para nós os portões da base para manobrarmos, pois a estradinha ali estava impossível)... Um tenente com o qual conversei, todo encapotado, ficou abismado quando soube que iríamos atravessar os campos do outro lado e dormir de barraca naquele frio... Rsrsrs.
Saímos da muvuca do mirante em frente à base, descemos a estradinha e estacionamos em frente ao portão que dá acesso ao morro da antena, início de nossa jornada. Enquanto descarregávamos nossas mochilas do reboque puxado pela van vários carros de turistas pararam para nos perguntar o que iríamos fazer... Todos se assustavam quando contávamos! Rsrs.
Descarregadas as mochilas, calçadas as botas e acertados os últimos detalhes com o motorista da van, jogamos as pesadas mochilas nas costas e iniciamos a caminhada morro acima, já eram quase 10h da manhã. Onde havia alguma sombra nas beiradas da pequena estradinha, gelo em abundância.
Subimos o morrinho da antena, tiramos algumas fotos lá de cima e logo descemos a crista, transpondo a cerca. Rapidamente cortamos pela mata e atingimos em pouco mais de 40min o fundo do vale, atravessando um pequeno charco e logo depois o Pelotas. Para nosso azar, logo que subíamos a elevação que antecede o platô gramado, a viração começa a aparecer do nada e fecha todo o visual pro lado do MI e Pedra Furada. Atingimos o platô com tudo fechado, visual só para o vale e parte dos penhascos/platôs mais ao sul. Ficamos alguns minutos ali, matando tempo e respirando para repor o fôlego gasto na subida... A viração só aumentava, mas estranhamente só ficou sobre o platô e um outro morro logo depois dela, na linha da borda.

Retornamos para o morrote anterior, onde deixamos as cargueiras e paramos pro almoço. Com a viração aumentando e parte do pessoal já meio cansado das subidas ao platô e aos 2 morrotes próximos, começaram os primeiros desentendimentos com os "3 da frente" - como passarei a chamar o trio que desde o início não estava muito conformado de ter que acompanhar (na verdade esperar) o ritmo do pessoal "mais lento" - o pelotão principal e mais entrosado - e que desde o início tinha feito um "pacto" POR CURTIR o visual, tirar fotos e fazer o trajeto da maneira mais prazeirosa. Como não estávamos a fim de ter qualquer desentendimento, "liberamos" os 3, que além de experientes estavam também bem preparados materialmente, logo não nos trariam qualquer preocupação. Lá se foram, antes mesmo que terminássemos o almoço. Eu havia insistido para que levassem um dos rádios mas em vão (levamos 6 aparelhos Motorola Talk About 1,5W, bem eficientes e que foram bem úteis em toda a travessia).
Em nossa parada de 50min no tal morrote à frente do Platô Gramado, a viração começou a recuar e rapidamente tivemos alguns momentos de visual para partes do MI e adjacências, mas a Pedra Furada, mais abaixo, continuou encoberta. Chegamos a arriscar um pequeno ataque a outro Morro mais alto ao sul do platô para tentar visualizar melhor o outro lado mas também sem sucesso. Com a viração se avizinhando das bordas, resolvemos que o melhor seria tocarmos o resto da tarde pelo vale, e foi o que fizemos, seguindo uma linha de curso mais alta, acompanhando sempre que possível as curvas de nível das elevações antes da borda. Fomos até as cercanias da Fazenda das Cercas de Pedra (abandonada e em ruínas) e dali começamos a subir o pequeno vale lateral formado pelo riacho que se junta mais abaixo com o Pelotas, seguindo por sua margem esquerda (de quem sobe).
Como já ia adiantado o dia, cerca de 16h30min, resolvemos buscar um local para acampamento e encontramos um abrigo interessante numa antiga mangueira de pedra, num pequeno platô, cercada por árvores e toda gramada. Armamos nossas barracas ali, buscando nos proteger do vento sudoeste (de onde eram previstas as rajadas mais fortes). Logo que o sol baixou do horizonte, cerca de 17h30min, o frio já era intenso e nos obrigava a andar totalmente encobertos pelas vestimentas de frio. Assim que escureceu totalmente os cristais de gelo já começaram a se formar sobre as barracas e tudo o que estivesse exposto ao tempo, apesar da ausência quase absoluta de vento. Cozinhamos a nossa janta comunitária, instalada sobre uma pequena laje de pedra ao lado do muro onde montamos os fogareiros e preparamos alguns tiragostos para amainar a fome enquanto preparávamos uma deliciosa polenta campeira e tomávamos um mate e logo depois alguns goles de graspa e cachaça que levamos para "esquentar".
Mesmo com o frio que aumentava a cada minuto, comemos e ficamos "proseando" por mais de uma hora em volta dos fogareiros. Lembrei do que tu disse das fogueiras e, ali, realmente seria um local muito interessante para montarmos uma, o que pela preguiça geral que se abateu no pessoal depois de comer e dado o estado muito úmido da lenha que encontramos nas imediações, acabou não ocorrendo.
Nos encasulamos em nossos sacos de dormir e, uma vez aquecidos, dormimos feito bebês. Não sentimos nada do frio de -11/-10ºC que nossos dois termômetros registraram fora das barracas às 7h30min (exceção de um companheiro, gaúcho, que numa barraca daquelas bem teladas e com saco de dormir mais "fino" acabou acordando algumas vezes à noite com um pouco de frio, mas nada preocupante). Fora das barracas, tudo branco, parecia que havia nevado. As barracas cobertas de gelo, todas branquinhas, assim como a grama e os campos próximos. As garrafas de água deixadas fora das barracas amanheceram completamente congeladas. Botas e meias, úmidas de suor do dia anterior deixadas no avanço das barracas amanheceram endurecidas. Duas poças grandes de água no campo, próximas da mangueira, pareciam feitas de vidro e congelaram completamente, a ponto de se ter dificuldade de quebrar o gelo. O ar matinal, gélido, fazia doer até os ossos... Acima de nós um céu azul profundo, limpo, limpíssimo. Nem sequer sinal de nuvens ou viração até onde a vista alcançava. De um lado o sol, tímido, elevando-se lentamente sobre a encosta à nossa frente. De outro lado, acima do vale, um disco branco contrastava o azul dominante: a lua, ainda alta no céu.
Alguns resolveram voltar para a barraca e esticar um pouco o sono, outros, eu entre esses, tirávamos fotos e procurávamos nos mexer para espantar o frio, agilizando um café quentinho nos fogareiros, nos quais crepitavam panelas cheias de água postas a ferver para o preparo da refeição matinal e lavagem das panelas usadas na noite anterior. Logo, com as conversas, todos se reúnem em volta dos fogareiros onde se preparam as iguarias que servirão de desjejum reforçado, como ovos mexidos, pão sírio com queijo provolone defumado e salame entre outros. Terminada a refeição, passa a reinar a faina acelerada de ajeitar toda a tralha de acampamento e "montar" novamente as mochilas para o segundo dia de caminhada... Mas essa é uma outra história...


* * *
[Precioso registro para guardar nos arquivos de todos que conhecem ou percorreram aquele trecho do PNSJ]


Segundo dia (sexta):

 O sol já estava alto e todos apressados em ajeitar novamente as mochilas após a primeira noite acampados. O "tempo ruge" dizia o Otávio, e todos compenetrados em socar roupas e equipamentos nas pesadas mochilas, que a despeito de toda a comilança da noite anterior pareciam ainda mais volumosas e pesadas que antes. Uma olhada rápida pela área de acampamento e facilmente o confundiríamos com uma área de favela, tamanha era a bagunça. Todos haviam aproveitado os muros da mangueira de pedra e os galhos das árvores próximas para pendurar calçados e roupas úmidas ou enregeladas pela geada forte que se abateu sobre o acampamento durante a madrugada, aguardando que por alguns minutos o sol matinal as descongelasse ou secasse.
As botas, em especial, endurecidas e geladas, eram deixadas por último para serem calçadas na vã esperança de que estivessem menos desconfortáveis após pouco mais de uma hora no sol, radiante mas ainda fraco para a tarefa do degelo.
Logo, um a um apresentam-se prontos para partir. Surge a idéia de uma foto antes de abandonar o primeiro acampamento. Feitas as tomadas, partimos. Já eram 10h da manhã, estávamos bem atrasados em relação ao que planejamos inicialmente (começar a caminhar por volta das 9h).
O plano era continuar subindo a lateral esquerda do vale do caudaloso rio que aflui o Pelotas mais abaixo, para em um ponto mais alto atravessá-lo, já que na altura do acampamento e mais abaixo o dito vale apresentava-se bem profundo, o que nos obrigaria fatalmente a uma forte descida e logo adiante a outra árdua subida, sem falar na necessidade de cruzar pela água. Vislumbrávamos bem no alto (a Leste) uma passagem mais fácil, compatível com nossa intenção de voltar a aproximar-nos das bordas. Assim fizemos. Passado o primeiro charco, logo depois do acampamento, alguns abasteceram de água potável de outro riachinho menor e seguimos na direção sudeste, parte acompanhando as curvas de nível, parte cortando frontalmente algumas subidas mas sempre acompanhando o pequeno vale e um trecho de encosta de platô, repleta de pedras, à nossa direita. Mais acima, pouco menos de 1 km do ponto de acampamento fizemos a transposição do rio num trecho de mata ciliar e de pedras, onde o rio ficava mais estreito e o vale menos profundo para a transposição, onde novamente alguns coletaram água e se refrescaram, já que o calor do sol mais o esforço da caminhada com as cargueiras já começavam a se fazer sentir.
Atravessado o vão do rio e seu pequeno vale (naquele trecho mais alto), continuamos subindo, agora galgando as encostas de um outro morro maior, acompanhando as curvas de nível em direção a uma nova linha de morrotes à frente e à direita. Logo ao contornar um dos morros avistamos à nossa direita trechos de mata isolada e uma pequena mas bela cascatinha ao longe, na encosta de um dos morrotes, formando logo à frente um pequeno filete de água que se juntava depois com o riacho do vale abaixo, que acompanhávamos. À nossa frente agora aparecia a longa linha reta de uma cerca de arame farpado que apontava para o céu e parecia não ter mais fim, numa sucessão de elevações, de subidas suaves mas longas. Atingido o alto da primeira elevação cruzamos um pequeno curso d'água que mais abaixo, à esquerda do nosso curso se soma ao riacho do vale. Outra elevação maior surge logo atrás após um pequeno selado. Nova subida e o sol, antes tão tímido lá no acampamento, começa a cobrar seu preço – todos suam. Algumas centenas de metros acima atingimos uma dobra no terreno e, logo acima, uma cachoeira e os limites de um platô com um extenso campo que se estendia a leste e a nordeste. Logo depois de passar pela cachoeira o terreno à nossa frente ficou repleto de brejos por todos os lados. Tentamos desviar alguns dos charcos mas caíamos em outros, tanto de um lado como de outro da cerca, cuja linha de palanques resolvemos acompanhar novamente por se apresentar mais firme do que o restante do terreno à sua volta. Buscávamos a direção leste, acompanhando agora a lateral de um morrote que nos levaria à borda, rente à cerca que seguia firme e nos elevando acima do nível do campo, o que nos aliviou de certa forma porque nos dava algum terreno firme para caminhar, além da visão mais privilegiada, do alto. Mais alguns lances de subida e eis que nos aproximamos cada vez mais da borda e vão surgindo, deslumbrantes, novas visões da travessia: ao Norte as pontas da Serra Furada e, logo ali, a nossos pés, as escarpas da Serra Geral. Não há dúvida que paramos para largar as cargueiras e andar pela borda fotografando as belezas da área.
Passados os momentos de euforia e contemplação, voltamos à realidade da caminhada e começamos a subir frontalmente a elevação que vínhamos contornando junto à cerca, agora seguindo próximos da borda em direção sul, rumo à outra cerca e a uma linha extensa de mata fechada que nos separava de outro platô, mais acima, onde imponentes paredões de rocha nos anunciavam visões ainda mais majestosas do que as que víamos há pouco. Chegando na borda da mata dois dos companheiros mais adiantados já largaram as mochilas e se embrenharam na matinha em busca de uma rota de passagem "mais fácil", retornando pouco depois, já que o "vara-mato" era curto, coisa de 40-50m, e a mata não tão fechada.
Estabelecida a rota, o grupo todo atravessou a mata em subida, saindo na encosta do platô subsequente, subida relativamente leve e curta, logo atingindo a sua magnífica borda, que logo foi percorrida até chegarmos numa pequena "ponta" rochosa, onde resolvemos almoçar (pretexto para uma pausa mais longa de contemplação e descanso). Dali a vista de 360º contemplava, além do Morro da Igreja (antes encoberto pelo terreno) e Serra Furada, os paredões imediatamente anteriores, a imensidão dos campos "interiores" e boa parte dos platôs e elevações que se sucediam em direção ao Sul, permitindo mesmo vislumbrar partes da entrada do Cânion Laranjeiras, mais longe.
Dali confirmamos também visualmente a nossa rota para a tarde daquele dia, que seguindo nossa expectativa (antes já demarcada no GPS e cartas) deveria nos levar por uma descida longa, nos afastando um pouco da borda da serra ao contornar alguns morros com áreas de mata, subindo outros e atravessando algumas áreas de mata fechada pelo caminho.
Uma vez alimentados e bem descansados, muitas fotos depois, ajeitam-se as mochilas novamente e pernas prá-que-te-quero! Já são mais de 14:15h e lá estamos novamente caminhando, agora descendo do platô por um descampado rumo sul, procurando acompanhar o máximo possível as curvas de nível para não empreender esforços desnecessários com subidas e descidas, procurando nos manter o mais próximo possível das bordas. Devem-se destacar aqui também as belezas dos campos logo abaixo: diversas áreas de mata nativa repletas de araucárias e em alguns trechos também de afloramentos rochosos. Contornamos diversos morrotes e várias áreas de mata e em dado momento, após quase 2 horas de pernada nos deparamos com um vara-mato aparentemente mais complicado, mas logo vimos que era tranqüilo pois descobrimos uma estrada que o atravessava. Ao final dela saímos num enorme descampado plano com vários trechos de charco mas passamos na maioria ilesos (pés secos), que vencido nos levou de encontro a uma descida de vale e um outro trecho aparentemente complicado de vara-mato, que logo depois prometia fortes emoções com subidas para terminar o dia. Começamos a descer o vale à nossa frente. Era o caminho mais lógico, visto que pelo morro à esquerda a mata parecia intransponível. Breve parada para elocubrações. Um companheiro mais descansado resolve descer com rádio em direção à mata no fundo do vale para verificar o caminho. Os demais bebem água e descansam. Eu, Otávio e Cover nos debruçamos sobre a carta e o mapa no GPS para estudar as alternativas de caminho. Não tem jeito, pensamos. O melhor roteiro é por aqui mesmo, concluímos... Logo isso se confirma pelo rádio. Zeca, o desbravador informa que o mato pode ser contornado lá embaixo e logo depois há um riacho. Tocamos a descer a encosta. Chegando na mata, vislumbramos claramente um ponto de erosão onde a água de chuvas torrenciais no passado escavou o terreno em obediência à Lei da Gravidade, buscando o fundo do vale e seu o riacho, depois da mata. Varamos uma cerca de arame já meio caída que dava continuidade a uma cerca de pedra, seguindo a erosão, contornamos uma ponta de mata, sob sombras, que lá de cima não nos era visível, chegando a uma ampla área de banhado...
Ali, nas sombras "eternas", vários pontos de gelo da forte geada matutina ainda eram visíveis. Mantos de gelo e poças congeladas em plenas 16:15h da tarde... Irrompemos com cuidado pelo trecho de banhado chegando no riachinho. Poucos aqui não haviam molhado ainda os pés, justamente agora no final de tarde. Eu era um destes felizardos ou sortudos com os pés ainda secos. Abastecemos de água e o cruzamos, subindo a encosta do outro lado, acompanhando o zig-zag de uma trilha de gado que galgava as curvas de nível em meio às pedras espalhadas no capim, já de olho em possíveis locais para nos abrigar na próxima noite que se aproximava. Havia pouco tempo de luz do sol, o vento frio de fim de tarde já nos castigava, obrigando a vestir os abrigos corta-vento. Subimos uma, duas encostas, de uns 4, 5 morros que se mostravam à nossa frente, e aos lados. Do alto de uma delas vislumbramos um campo mais para o "interior" com algumas cabeças de gado reunidas. Dali vimos ainda um platô elevado num morro mais adiante que nos parecia um bom local para acampamento. Ali fomos, mais uma subida, não muito puxada, mas longa... As forças do dia já escasseavam. Para ajudar uma viração começa a fechar a vista ao nosso redor. Finalmente atingimos o platô, já quase sem visibilidade à nossa volta. Nem pensamos muito e já fomos sacando as barracas das mochilas e buscando os melhores pontos no campo plano, cheio de pedras e de bosta de vaca. Pensávamos sempre em abrigar as entradas das barracas do vento sudoeste, de onde poderiam vir, segundo as previsões metereológicas, as rajadas de vento mais fortes. A noite caiu rápido e o frio cobrava seu preço. Vento quase não havia, por sorte, o que aumentaria a sensação térmica de frio. Mesmo assim todos se encapotaram enregelados e rapidamente aprontamos nossa cozinha, numa pequena laje de pedra onde empilhamos algumas pedras para servir de banquinhos.
Barracas montadas e vestidos com as roupas mais grossas para o frio noturno, logo teve início o festival de gastronomia que sempre acompanha nossos acampamentos. Soraia prometia desde a noite anterior um "escondidinho de carne seca" e todos se aglutinavam em torno dos fogareiros procurando ajudar como possível a concretizar o cardápio. Uns ferviam água, outros serviam tiragostos (calabresa frita com queijo provolone), todos beliscam e vários tomam mate (a pequena cuia do gaúcho Marcelo Juká rodou muito nessas noites) e as panelas de purê de batata semipronto começavam a ficar no ponto. Logo a carne seca desfiada da Vapza vai ao fogo para refogar com os temperos para ser misturada ao purê de batata... O cheiro deixa todo mundo de água na boca! Logo uma fila de pratinhos se forma e, "voi-lá", começamos a servir a iguaria. Todos comem e se lambem. Realmente estava muito boa a receita, digna dos melhores restaurantes. Depois dizem que a gente passa mal nestes acampamentos! Rsrs!
Só que o "escondidinho", sozinho, mesmo servido depois de alguns petiscos não é suficiente para saciar os 11 famintos. Todos voltam pros fogareiros em busca de algo mais para complementar o rango. Jogo rápido, preparo no meu fogareiro um macarrão liofilizado com molho bolonhesa, que se não está tão apetitoso como o "escondidinho"pelo menos "forra o bucho".
Vários minutos depois da janta, muita prosa, uns goles de cachaça e graspa para esquentar e mais algumas porções de calabresa frita para complementar a janta e o pessoal começou a ficar com sono (e frio!) e resolvemos ir para as barracas. Nessa noite fui para a barraca na primeira leva pois estava "moído" pelo cansaço. Tomei meu "banho de gato" com lenços umedecidos para reduzir um pouco o cheiro de suor naquele frio de "renguear graxaim", me troquei e me enfiei no saco de dormir. Mesmo com o frio absurdo logo estava aquecido com os contorcionismos necessários para me ajeitar no Deuter Orbit -5ºC tamanho grande (L). Já havia comprado o tamanho maior (para pessoas com até 2m, segundo a tabela do fabricante) e mesmo assim sofria com o tamanho apertado do SD. Porcaria! Pensei, pelo menos ajuda a esquentar... Rsrs! Deve ser parte da tática do fabricante para esquentar o usuário, de raiva! Pensei, sarrista comigo mesmo. Ouvia ainda as vozes do povo na "cozinha" contando "causos" e rindo. Logo, com o calor do abrigo o sono me apanha e literalmente "empacoto". Minutos depois (que pareceram horas), o meu companheiro de barraca, Otávio, se recolhe e acaba me acordando, o que faz parte da convivência numa barraca para 2 pessoas não muito espaçosa como a que dividíamos. Trocadas algumas palavras, novos contorcionismos para me ajeitar numa posição confortável novamente e lá vamos nós para os braços de morfeu. O dia seguinte prometia muita coisa...
* * *

Terceiro dia (sábado):
Na penumbra do amanhecer, ainda sem os raios solares, do ponto alto em que estávamos não tínhamos visão clara dos campos abaixo de nós, mas ao nosso redor tudo estava congelado. Nova geada havia castigado os campos e nossas barracas amanheceram cobertas com uma fina camada de gelo, menor do que a acumulada no acampamento anterior, mas acompanhado de um frio "daqueles". Medimos a temperatura e obtivemos média de -8ºC para 2 termômetros diferentes. Logo, com todos de pé, o acampamento agita-se. Alguns indo ao "banheiro", outros fotografando as luzes no horizonte, outros esquentando água para o café. Ao norte, as silhuetas do Morro da Igreja e da Serra Furada são quase perfeitamente visíveis. O sol começa a despontar com seu disco dourado e flamejante no horizonte e começamos a perceber a extensão da geada nos campos mais abaixo: tudo branco, até onde a vista alcançava. Logo todos correm para fotografar os primeiros momentos do sol e as suas luzes no horizonte. Momentos mágicos em que todos se empolgam e se emocionam com a beleza proporcionada pelo espetáculo do astro-rei.
Muitas fotos e algumas "macaquices" depois, estamos fazendo o desjejum, cada um à sua maneira: uns fritam ovos com bacon, outros comem frutas, alguns biscoitos, outros sanduíches com pão de forma. Eu esquento na frigideira um disco de pão sírio recoberto de fatias de salame e queijo provolone defumado com ervas, que assim que começa a derreter vila um pequeno rolo e é devorado rapidamente com uma canecada de cappuccino instantâneo reforçado com leite em pó e canela, uma delícia! Logo um segundo "sanduíche-charuto" desses vai para o fogo e também é devorado. Nestas atividades longas de caminhada nada mais importante do que um bom café da manhã e uma boa janta, garantias de ânimo e força para as atividades do dia e calor e conforto para a noite.
Desjejum devidamente deglutido, as atenções passam a se voltar para as barracas molhadas com o degelo e todas as tralhas que precisam ser organizadas nas mochilas. Nova agitação. Tudo vai sendo desmontado, secado e dobrado ou enrolado para caber nas enormes mochilas, que vão "devorando" todo o material. Rápida pausa para estudar o terreno adiante de nós e as cartas topográficas e GPS e traçamos visualmente a rota para os próximos quilômetros de terreno visível, coincidindo com a previamente traçada no Google Earth e gravada no GPS. Nossa navegação até aqui vinha sendo praticamente perfeita. Elevações, vales, vara-matos e rios, tudo vinha coincidindo com nossas marcações prévias e em grande parte isso foi fruto da colaboração do amigo Valdo Balbinot. Só o atraso devido ao baixo rendimento da pernada é que vinha nos preocupando. No primeiro dia ficamos quase 4 km aquém do que tencionávamos caminhar, o que em parte recuperamos no segundo dia, mas ainda estávamos com 6 km de atraso acumulado em relação ao que prevíamos inicialmente. Em parte isso foi fruto do cansaço que exigiu paradas mais longas de descanso (especialmente no primeiro dia, muitos não dormiram direito na van e isso prejudicou um pouco o rendimento, eu um deles). No segundo dia a culpa foi do atraso no levantamento do camping (iniciamos a jornada deste dia já eram 10h) e depois o desfrute mais alongado das belezas nas bordas das escarpas da serra.
Iniciamos a caminhada cerca de 9h, morro abaixo, para logo depois subir um conjunto de elevações e galgar uma crista de morros, de onde avistávamos muitas cabeças de gado e as instalações de uma fazenda a oeste. Ali chegamos novamente na borda dos Aparados e fizemos algumas fotos da área, seguindo a linha da escarpa por um trecho curto, visto que em frente teríamos que desviar uma elevação abrupta, com um imponente paredão de pedra. A subida pela linha da borda era pouco proveitosa, pois havia muitas pedras e uma subida bem íngreme. Resolvemos contornar seguindo a curva de nível, aliás nosso planejamento prévio nos mapas e imagens já nos indicava isso. Da elevação imediatamente anterior já tínhamos vista quase completa para o Cânion Laranjeiras, antevendo o que logo logo alcançaríamos... Contornado o obstáculo, do outro lado a visão era ainda mais bonita para o Laranjeiras. Dali vislumbramos também as dificuldades que o dia nos reservava: vários trechos de vara-mato antes do Laranjeiras, alguns deles parecendo bem densos.
Continuamos a contornar o morro coalhado de pedras e descemos um pouco para seguir uma trilha batida, provavelmente de gado, buscando nos poupar da altimetria e das pedras, andando por terreno pouco mais plano. Nessa hora, cerca de 10:15, o sol já nos castigava com o calor e a água já era escassa, visto que andamos praticamente todo o início da manhã pelo "alto" e sem cruzar qualquer ponto de água, apenas com nossos restos do dia anterior. Como avistamos uma sanga para oeste, com boa aparência, a cerca de 700 metros de onde andávamos, e à frente não nos parecia possível a curto prazo encontrar água na vastidão de campos limpos a serem percorridos (as marcações do GPS indicavam água apenas a cerca de 4 Km em frente), resolvemos tomar os nossos últimos goles e enviar alguns "voluntários" para buscar água para o grupo. Lá se foram Thomas, Zeca e Serginho com várias garrafas pet coletar água próximo ao pinheiral. Enquanto isso o restante do pelotão descansava. Devidamente abastecidos do precioso líquido nos pusemos em marcha novamente, agora cruzando a vastidão de campos ondulados, num leve aclive que nos levaria novamente para as bordas, pois pelo nosso rumo interceptaríamos um pequeno cânion no caminho. Logo, ao atingi-lo, sem poder continuar diretamente para o sul em razão da enorme fenda, desviamos rumo sudoeste, acompanhando a borda, agora descendo em direção a uma extensa cerca de pedra, no fundo de um suave mas longo vale, praticamente todo crivado de pedras, que mais pareciam plantadas no campo, como parte de uma lavoura. Ali, sinais claros da criação de gado: cochos ao longe, cercas de arame e algumas cabeças de gado pastando pelas proximidades, além de muito, muito esterco. Cruzamos um pequeno terreiro bem batido e no fundo do vale um pequeno riacho e um charco. Atravessamos também uma porteira de arame farpado e começamos a subir uma elevação mais pronunciada, que nos levaria a uma linha de pedras no alto da crista. Dali nova visão esplendorosa do Laranjeiras, agora integral, e suas imediações. Como daquele ponto a visão era ampla e bonita, resolvemos fazer uma breve pausa para descanso e fotos. Procuramos com o binóculo algum sinal do "trio ligeiro", mas nada. Até aquele momento nenhum contato visual ou por telefone com eles. Pelos nossos cálculos eles deveriam estar umas 7 ou 8 horas à nossa frente. Foi o que pensamos.
Como estávamos também atrasados com relação ao nosso cronograma planejado e antevendo que no ritmo que estávamos mantendo não conseguiríamos concluir a travessia até o Rio do Rastro sem comprometer um mínimo de "qualidade" na exploração de nossa passagem pelo Laranjeiras – um dos pontos altos da expedição, confabulamos rapidamente e decidimos por concluir a travessia pela Fazenda Santa Cândida, ponto onde facilmente a nossa van poderia nos recolher. Daquela crista de pedras, onde fizemos um lanche e parada para descanso, ao mesmo tempo em que analisávamos o terreno à frente, aproveitei a existência de sinal e fiz contato via celular com o nosso motorista, que ficou hospedado em Criciúma para evitar os altos preços das pousadas em Urubici e Bom Jardim da Serra devido ao feriadão. Informei-o sobre nossos planos e sobre a necessidade de nos resgatar na fazenda, ele anotou os dados e imediatamente em seguida enviei um torpedo para os telefones dos rapazes do "trio ligeiro" sem qualquer resposta imediata deles.
Concluída a pausa, derivamos para o leste (esquerda) e descemos um campinho para atravessar um trecho de mata nativa, aparentemente bem extenso. Nosso objetivo primário aqui era desviar ao mesmo tempo o que nos parecia ser um longo trecho de mata e os intrincados e intransponíveis recortes ao longo da borda. O Zeca foi à frente investigar a passagem com um rádio e logo chegou do outro, orientando em seguida o grupo, que seguiu seus passos. Saímos num outro descampado, quase plano, rumo a outro trecho de mata mais adiante e à direita, desviando de uma fenda fechada de vegetação próxima à borda. Ali, descendo um pouco, encontramos no início da vegetação um pequeno riacho com boa água para o reabastecimento e, como já era hora de almoçar, decidimos fazer ali nossa pausa de alimentação e descanso. Logo, alimentados e reabastecidos de água, varamos também por aquele mato, rapidamente saindo em outro descampado, já avistado anteriormente do alto, nosso objetivo imediato naquela porção de terreno.
Dali seguiríamos agora por um aclive suave para a esquerda, contornando a vegetação mais fechada à direita e depois contornando no alto um morrote, agora pela direita, o que nos levou para o alto de uma elevação e novamente em direção a um outro trecho de mata, que de longe parecia fechada, mas à medida que nos aproximávamos revelou-se ser um mato ralo. Naquele trecho começamos a seguir em direção ao que nos parecia ao longe ser um resquício de estrada que terminava (ou começava?) no campo à nossa frente, com traços de água, como se fosse um pequeno riacho meio seco e muitas marcas de gado. Ali, quase no início da estradinha encontramos um cachorro branco, viçoso mas guaipeca, que nos anunciava a proximidade da Fazenda Santa Cândida, a única que existia nas redondezas e cujas instalações sabíamos estar logo atrás do grande morro coberto de vegetação cerrada que se erguia depois da borda norte do Laranjeiras. Imediatamente (acho que foi o Serginho) surgiu um nome para o simpático cachorro: "Polar". Começamos a seguir pela tal "estrada" que subia pela nossa direita em leve curva se embrenhando na vegetação do morro à frente, ora estreitando-se ora alargando-se enquanto subíamos a elevação em meio às "ilhas" de vegetação mais fechada à nossa volta. Logo nos vimos num platô meio encoberto por vegetação e algumas araucárias isoladas e à nossa frente a estradinha parecia se perder em uma vegetação que parecia se fechar cada vez mais, com vários trechos de terreno fofo e barro, sempre marcado por pegadas de gado. Começamos a seguir novamente o rastro da estradinha e, em certo momento nos deparamos com uma bifurcação à esquerda. Em frente, leve curva à direita a estradinha parecia seguir para o meio do mato e depois (talvez?) para um extenso campo que em alguns relances vislumbrávamos dos trechos mais altos, mas que pelo mapa e GPS se afastava das bordas cada vez mais para o "interior". À esquerda o caminho parecia mais promissor, descendo também um trecho de mata mais fechada, mas numa direção que nos indicava nos lançar nas cercanias da borda do Cânion Laranjeiras, logo à nossa frente e à esquerda pelas indicações do GPS e da carta. Foi por ali que decidimos seguir. No início a picada era bem marcada e mesmo com a vegetação cerrada dava para caminhar sem enroscar as mochilas, mas logo que a descida tornou-se mais íngreme o mato também foi se fechando sobre nós, tornando necessário em alguns trechos usar o facão. Cerca de 15 minutos abrindo mato no peito e no facão, a mata se torna menos cerrada e aparecem uns xaxins imensos, logo atingimos o longo campo que cerca pelo oeste a borda do Cânion Laranjeiras, onde um charco bem na saída da mata nos aguardava. O Polar, mais esperto e conhecedor da região, saiu do mato num ponto bem próximo à borda e depois cortou caminho pelo campo, saindo bem longe de nós e contornando o maldito banhado.
Aqui o espetáculo proporcionado pelas vistas do magnífico cânion era agora completo e, à medida que íamos nos aproximando cada vez mais de suas bordas (que passamos a seguir, contornando as fendas), mais detalhes eram revelados aos nossos olhos. Já se passavam das 15:00 e ainda teríamos que encontrar um ponto de pernoite em breve, mas diante da magnitude daquela atração ninguém mais estava preocupado com isso, todos curtiam o momento e tiravam fotos, enquanto lentamente caminhávamos pelas primeiras bordas observando e registrando tudo, embasbacados. Quando nos aproximávamos do "famoso" mini pinheiral à borda do cânion (aquele fotogênico) eis que ouvimos um barulho forte de helicóptero mas nada enxergávamos. De repente do fundo do cânion surge o aparelho e se ergue sobre o vértice do cânion por alguns instantes, sobrevoando o campo para logo em seguida fazer meia volta e retornar. Provavelmente um vôo panorâmico fretado por algum abastado turista "aéreo". Cada um conhece a natureza como quer (ou como pode) – enquanto um bando de "malucos" de mochilas nas costas caminhava naquelas "lonjuras" um endinheirado sobrevoa de helicóptero o mesmo trecho. Coisas da vida moderna.
[comparativo entre as araucárias isoladas do Laranjeiras, hoje em menor número do que em anos passados.  Cortadas?]

Ali, próximo às araucárias, um de nossos companheiros, o Luís, quase sobrevoa também o cânion... Com a cargueira nas costas e com a câmera na mão, meio distraído, dá alguns passos em direção à borda e, sem perceber, pisa em um buraco fundo (um buraco de mourão de cerca, provavelmente), a pouco mais de 1 m do precipício. Dupla sorte naquele momento: primeiro por ter caído enfiando a perna quase inteira no buraco, o que evitou, de certa forma, que caísse para a frente (e consequentemente no abismo), pois o peso da mochila fatalmente o iria impelir naquela direção caso tivesse apenas tropeçado. Segundo pois mesmo tendo enfiado a perna quase toda no buraco, nada machucou... Poderia ter quebrado a perna. Um belo susto que só eu e outro companheiro, por andarmos atrás dele testemunhamos. Já imaginou o tamanho da cagada se o cara me cai lá de cima!

Após contornar toda a borda norte das fendas secundárias e da principal, próximo ao vértice tomamos o rumo de uma cerca de arame farpado em direção à floresta que se ergue pela encosta do morro dominante, contornando-o e nos afastando do cânion. Ali um grande charco nos obrigou a caminhar com atenção e buscar uma porção de terreno mais alto, galgando parte da encosta mais "limpa" do morro, contornando a vegetação pelo leste. Logo passamos por outra cerca e subimos um descampado rumo a uma pequena crista. Subidinha cansativa naquela altura do dia em que as energias já não estavam sobrando. Pelas nossas marcações no GPS, não muito distante dali (cerca de 350-400m) deveria haver uma estradinha (o caminho que liga a fazenda às bordas norte, leste e sul do Laranjeiras). Nossa ideia inicial era seguir aquela estradinha (a única passagem) para acampar num ponto mais a leste, perto das bordas do cânion. Só que o tal morro, além de ser coalhado de charcos possuía uma mata muito densa em toda a sua volta, praticamente impenetrável sem usar o facão. Vimos que teríamos muito trabalho para abrir o mato no peito e no facão até encontrar a estrada e não dispúnhamos de tempo para isso. Logo escureceria pois já passava das 16:30. Desta feita mudamos nosso plano inicial de passar longe da sede da fazenda naquele dia e resolvemos encarar a pernada até as casas, procurando buscar um ponto de acampamento lá próximo, negociando com os moradores. Lá fomos nós, em 3 grupos menores.
Atingimos um morrinho mais elevado em relação aos campos e vimos as casas da Fazenda, que sabíamos se tratar da Santa Cândida. Na chaminé uma fumaça denunciava gente em casa. Nosso pelotão mais avançado – Cover, Luís e Marcelo já desciam o campo repleto de charcos e pouco distavam do lago da fazenda. Mais atrás eu com o segundo grupo e, mais longe ainda vinha o "fecha trilha", com o pessoal que ficara para trás descansando.
Poucos minutos de caminhada e os cães da fazenda já nos denunciavam. Nossa vanguarda já estava na mangueira em frente a uma das casas onde havia um rebanho de carneiros. Chamam o pessoal da casa e aparece um casal na porta (os caseiros), primeiro meio desconfiados, logo se soltam e conversam. Contamos resumidamente o que fazíamos ali. Nisso o pessoal vai chegando, chegando. A certa altura a tia (esqueci o nome), conversando com a Soraia sobre a possibilidade de um banho quente (as meninas vinham sonhando com isso desde que decidimos concluir nossa expedição pela fazenda) exclama: "Nossa! Olha fulano, tem mais uns quantos descendo ali". Era o restante dos 2 grupos retardatários com mais 6 ou 7 pessoas que vinha atravessando o campinho em frente ao lago e à casa... Rsrsrs. Acho que ela pensou que estavam sendo invadidos.
Rápida conversa e pedimos pro caseiro nos deixar acampar ali por perto. Ele nos mostra um descampado a uns 300-350 m da sede (!), ao lado da estrada e emenda rápido um "eu levo vocês lá", calçando as botas brancas de borracha e montando um cavalo que já estava encilhado no galpão ao lado da casa. A nossa companheira Soraia, espertinha, já negociara o seu banho com a esposa do caseiro e ficou por ali mesmo. Os demais seguiram o tiozinho e, chegando no descampado, começaram a faina de arrumar o local de acampamento. No caminho o caseiro nos informa que havia falado com o "trio ligeiro" cedo naquela manhã, cerca de 8:30, horário que eles cruzaram o mesmo campo de charcos que nós para atingir a sede. Segundo ele os 3 haviam seguido rápido em direção ao sul e mal trocaram palavras com ele, apenas informaram que outro grupo seguia atrás eles. Naquele momento confirmamos nossas previsões de que o trio estava a cerca de 1 dia à nossa frente. Liberamos o cidadão que "gentilmente" nos guiara e nos entregamos aos afazeres do acampamento. Um ventinho gelado nos castiga um pouco e o sol vai se pondo.
Alguns, mais esfomeados, já começam a esquentar algo para comer. Uns tomam mate. Outros, dentro das barracas, fazem suas higienes corporais com lenços umedecidos. Uns goles de cachaça e graspa para esquentar. Logo a segunda menina da fila vai para o banho e, passados alguns momentos, a terceira também. Banho só seria possível para as meninas, havia sentenciado a senhora, esposa do caseiro, assustada com o tamanho do grupo, talvez temendo pela sua segurança...
Eu, de barraca montada e higiene completa, como já estava com fome e queria também me esquentar tratei logo de preparar um macarrão liofilizado com molho bolonhesa, incrementada com pedaços de calabresa picada e queijo ralado. Refeição rápida, tanto para fazer quanto para comer. Logo, além da minha pratada de macarrão já beliscava as calabresas fritas que alguém mais servia. A tônica nessa última noite era usar todo o nosso estoque de comida, já que não precisaríamos mais dele. Foi uma fartura só: calabresa frita, salame, queijos (pelo menos uns dois tipos) e até azeitona (sobra da noite anterior). Lá pelas tantas saiu também, para completar o rango, um "rodízio" de macarronada, com uns três tipos de macarrão diferentes e molhos variados. Notamos ali o quanto exageramos na carga de comida. Até o Otávio, adepto ferrenho (e chato até) do "ultralight" – "leve e rápido", estava com sobra de comida... Acho que todos esperavam comer mais com o frio para repor as calorias – e via de regra todos levaram comidas calóricas. Comemos bem, e ainda sobrou comida, talvez para mais uma janta. Bom, pensamos por fim, melhor sobrar do que faltar...
No tempo em que conversávamos e cozinhávamos para nos esquentar, Otávio, Thomas e Sérgio, que foram até a sede da fazenda acompanhar as meninas na ida e volta dos banhos quentes, aproveitando as viagens para abastecer de água, nos revelam que o tiozinho (talvez com alguma dor na consciência) preparara um fogo de chão dentro do galpão ao lado da casa e nos convidou para nos servirmos do fogo ali, caso desejássemos. Como já havíamos nos instalado com todos os apetrechos e já cozinhávamos a algum tempo onde estávamos, acabamos declinando do convite, até porque entendemos que iríamos incomodar o casal com a nossa algazarra ao lado do rancho, visto que o pessoal no campo dorme cedo.
Ficamos sentados no campo até cerca de 23h em volta dos fogareiros, beliscando e conversando, já com saudades do que vivíamos naqueles 3 dias. Um a um o grupo ia diminuindo à medida que os companheiros iam ao "banheiro" e depois dormir, até que o silencia reina absoluto. Todos dormem. No dia seguinte a missão de explorar as bordas do Cânion Laranjeiras instiga o grupo.
* * *

Quarto dia (domingo):
Refeitos pela noite de sono, acordamos cedo. Neste dia não temos a geada pela manhã apesar do frio - em parte resultado da sensação térmica, visto que havia um vento mais forte do que nos outros dias. No céu já haviam sinais, ao norte, de mudanças climáticas pois o volume de nuvens era visivelmente maior do que nos dias anteriores e sentíamos uma maior umidade no ar. Nosso objetivo neste dia era sair leves do acampamento para explorar o que fosse possível das bordas do Cânion Laranjeiras (as barracas ficariam montadas com toda a nossa tralha).
Tomamos um desjejum reforçado, procurando gastar tudo que sobrara em nossas mochilas e, com o nosso objetivo em mente, saímos cerca de 8:30h da sede da Fazenda Santa Cândida seguindo a estradinha que a liga às redondezas do Cânion, cortando pelo morro em frente, não antes de conversar com o simpático casal que cuida da fazenda e pagar a taxa de R$ 5,00 por pessoa cobrada para visitação do cânion. Num percurso de cerca de 40 min já estávamos saindo no descampado (na verdade um baita de um charco) que separa a mata espessa da encosta do morro das bordas do Cânion. Lá fomos, procurando o máximo possível resguardar nossos pés da água do banhadão, que por vezes chegava fácil aos 50 cm de profundidade.
Muitos pulos e atoladas depois, cerca de 15 min, e a maioria com os pés molhados, atingimos a borda norte do Cânion pelo lado da fazenda, próximo do vértice principal, e começamos a percorrê-la, nos deleitando com o espetáculo que se descortinava à nossa frente com as gigantescas paredes esbranquiçadas do Laranjeiras desafiando as nossas câmeras. Poses e fotos nos pequenos mirantes de rocha nas bordas e seguimos até a grande cachoeira principal (existe oura menor perto do vértice), não sem antes ter que desviar o rio que a alimenta, tendo que andar quase 1 Km para dar a volta e observá-la pelo lado leste, de onde se tem o melhor ângulo. Nesta altura já estávamos separados em 2 grupos. Depois da grande volta e de várias fotos, seguimos para a borda leste e sul, atravessando outro longo trecho de charcos e campo, sob o olhar de uma boiada com cara de poucos amigos mas que se mantinha distante. Seguíamos o rumo de uma passagem vislumbrada de longe numa elevação entre duas matas bastante fechadas, que pelos dados do GPS permitiam a comunicação com os campos do outro lado.
Lá chegando o visual era tão ou mais encantador do que o das paredes do lado norte: com o céu quase sem nuvens, tínhamos vista quase desimpedida em direção à planície baixa catarinense e às suas cidades e vilas, além das serras secundárias e seus entrecortes, que se estendem dos platôs do Laranjeiras em direção aos terrenos baixos. Como havia pouco tempo disponível a permanência ali foi curta (já passava das 12:00 e nosso transporte logo chegaria à fazenda). Olhando em direção noroeste já se percebia a deterioração das condições climáticas que certamente nos atingiria em breve e tratamos de retornar em passo acelerado, pois além da caminhada de retorno pelos charcos e pelo barro da estrada até a fazenda ainda precisávamos desmontar acampamento e carregar todo o equipamento nas mochilas.
De volta ao acampamento foi o que fizemos, em ritmo acelerado sempre acompanhados pelo receio de que o nosso motorista poderia ter problemas para encontrar a fazenda. Lá pelas tantas, com a maioria das mochilas já montadas ou quase, eis que aparece na estradinha a van branquinha do Cléio, nosso motorista particular... Grande visão! Naquela hora, cerca de 13:30, o céu já estava encoberto de nuvens e o vento só aumentava, com claros sinais de chuva e esse era um dos motivos da preocupação, pois com a chuva, naquelas estradinhas de terra, a van poderia ter dificuldades para transitar.
Como o acampamento estava situado a uns 200m da sede e, por consequência, da estrada, montadas as mochilas tínhamos que percorrer aquele pedaço, atravessando o pequeno banhado, para embarcar na van. Um a um fomos partindo do ponto de camping e, chegando no veículo trocamos de roupa e passamos a ficar "mais à vontade" com calçados e pés secos e roupas limpas, pois deixamos na van roupas e calçados limpos para o retorno. Agora era só enfrentar a estradinha de 13 km até o "centro" de Bom Jardim da Serra e rumo ao nosso almoço, programado para ser na Churrascaria Cascata, aos pés da Cascata da Barrinha, ao lado do Portal Turístico da cidade. E os 3 "apressadinhos"? Enquanto estávamos na estradinha de terra indo a Bom Jardim da Serra recebemos um SMS deles informando que acabavam de chegar no mirante da Serra do Rio do Rastro. Decidimos imediatamente que os deixaríamos lá esperando pela van enquanto almoçássemos... Uma espécie de castigo por terem se distanciado do grupo. Azar!
Rapidamente vencemos de van a estradinha até Bom Jardim e chegamos na churrascaria por volta das 14:45. Entramos na fila para entrar (que estava grande) e, passados uns 15 minutos já estávamos em outra, agora no buffet, nos servindo das variedades do cardápio da casa. Almoçamos bem tranquilos, conversamos e rimos um bocado, ja relembrando alguns dos momentos vividos na travessia e, com aquela sensação de missão cumprida e já tristes por estar voltando subimos na van para ir resgatar o "trio ligeiro" no Mirante da Serra do Rio do Rastro. Quando ali chegamos um chuvisco já havia nos apanhado. Entramos no pátio de estacionamento do mirante e já avistamos as 3 figuras de mochilão nas costas, assustados com medo de terem sido deixados para trás, mas já recompostos da caminhada e de roupa trocada. Pequena parada para embarcar os três, alguns correram para os muros à beira da borda em busca de algumas derradeiras imagens serra abaixo, mas a chuva já engrossava e acabamos abreviando a parada para pegar a estrada, agora retornando a Urubici, onde deixaríamos os 2 gaúchos para resgatarem seu veículo (estacionado no pátio do ICMBio) abastecer a van e pegar o rumo de Florianópolis para liberar os catarinas.
Chuva, chuvisco, chuvarada. O chuviscão logo se transformou numa bomba d'água e chovia torrencialmente. Sorte que estávamos no asfalto. Eram cerca de 17:00 e baixava uma neblina, forte em alguns trechos da serrinha entre bom Jardim e Urubici. Nosso motorista, atento, seguia em velocidade reduzida pois com a chuva e a neblina, em pista simples e com bastante movimento nos dois sentidos não dava para brincar. Chegamos em Urubici já em completa escuridão, cerca de 18:15. Parada na sede do ICMBio para nos despedir dos gaúchos abaixo de chuva, que já tinha amainado mas continuava forte. Aquele clima de fim de festa já contagiava a todos. Nova parada no posto Ipiranga, no centrinho, comprar água, refri e algumas guloseimas para o caminho enquanto nosso motorista abastecia a van para o retorno. Logo já estávamos seguindo viagem pela SC-430 e, em seguida pela BR-282.
Foi uma longa descida. Muito movimento, com pista simples, resulta em filas intermináveis de veículos nos retornos de feriados, especialmente na BR-282 rumo a Floripa. Em Santo Amaro da Imperatriz entregamos o Fernando, um dos integrantes do "trio ligeiro", no mesmo ponto da estrada em que o pegamos na ida, dias antes. No trevo de acesso a Palhoça e à BR-101 o movimento intenso nos fez amargar quase 1 hora de espera praticamente parados. Uma vez vencido o acesso à BR-101, em poucos minutos largamos também o outro catarina do "trio ligeiro" num posto na entrada de São José. Agora seria tocar até Curitiba. Já eram mais de 22:30 quando deixamos as cercanias da capital catarinense. Muita chuva na estrada. Resolvemos fazer uma parada rápida num posto para um lanche mais reforçado. Pouco mais de meia hora, todos reabastecidos, é preciso voltar para a estrada. A maioria agora dorme, todos bastante cansados. 
Somos acordados pelo Cléio, nosso motorista, na entrada de Curitiba. Nosso ponto de descida seria na Rodoferroviária no centro da cidade, de onde todos poderiam tomar táxis para casa com segurança naquela hora. Já passava de 1:00 da matina. Ao estacionar no ponto combinado, rapidamente todos se despedem e tratam de carregar suas mochilas e bolsas em busca de um táxi, na fila, a poucos metros de distância. Eu, Cover e Soraia dividimos um carro pois moramos bem próximos. Deixo os dois no condomínio em que moram. Outra rápida despedida e ajuda para retirar as mochilas do pequeno porta malas do táxi e, poucos minutos depois sou eu quem finalmente chega em casa. Finda a epopéia! Bate aquela tristeza misturada com cansaço pelo fim da viagem. No box do chuveiro o banho quente já não me reconforta tanto quanto o desejo de voltar a caminhar nas majestosas pradarias e platôs da Serra Geral! ...
Em breve voltarei!
GETULIO RAINER VOGETTA – Curitiba (PR), 09/07/2012
Vídeo oficial da nossa expedição: http://www.youtube.com/watch?v=i7S21YvS1fg



Integrantes da Expedição
Getulio Rainer Vogetta – PR
Otávio Luiz Teixeira de Freitas – PR
Thomas Ostermayer – PR
Ingrid Kurzawa Zwiener Ostermayer – PR
Giancarlo Castanharo – PR
Soraia Giordani – PR
Sergio Augusto de Lima – PR
Cirlene Carvalho – PR
Luiz Eduardo Delfrate – PR
José Carlos Reinert – PR
Rodrigo Mioto dos Santos – SC (*)
Fernando Faria da Silva – SC (*)
José Marcelo Buchaim Jucá – RS
Tiago de Pellegrini Korb – RS (*)
(*) Integrou o "Trio ligeiro". Esses cabras se distanciaram do grupo principal já no primeiro dia e concluíram a travessia até o mirante da Serra do Rio do Rastro por volta das 14:20h de domingo, dia 10/06/2012 tendo caminhado cerca de 65 Km segundo os dados de seus GPS. Não assimilaram nosso pacto de andar juntos e aproveitando o caminho. Infelizmente. Poderá perceber em minhas palavras alguma mágoa pois esperávamos mais "companheirismo", já que são pessoas (talvez com exceção do Fernando) com as quais mantemos contato frequente e que usufruíram de toda uma infraestrutura que criamos para a travessia, além de termos conversado muito sobre os aspectos companheirismo e compromisso previamente à travessia. Fazer o quê? A vida tem dessas coisas. Azar deles.
OBS.: O grupo "principal" percorreu nos 3 dias e meio de jornada cerca de 45,8 Km totais, incluindo a exploração das bordas do Cânion Laranjeiras, realizada no domingo, dia 10/06/2012. Certamente poderíamos ter tocado reto e concluído também o trajeto até o Mirante da Serra do Rio do Rastro como fez o "trio", mas a nossa opção, nosso compromisso desde o início foi por "curtir" o melhor possível a travessia. E este objetivo foi plenamente alcançado!

Valdo, em nome do Getúlio e de todos que participaram desta grande aventura agradecemos pela sua valiosa ajuda, ela foi vital para nosso sucesso. Lembramos de você várias vezes, principalmente no primeiro dia, quando desviamos uma grande subida e tocamos pelo vale do Pelotas, para subir mais a frente, conforme sua dica. Só quem já esteve por lá sabe realmente o quanto é bela aquela região.
Mais uma vez obrigado, e que Deus te abençoe.
Otávio

Grande Valdo!
Meu caro, como disse o Otávio, lembramos de você várias vezes durante a travessia... Eu havia levado aquele material que tu me mandou, com dicas e fotos comentadas, show de bola... "Viajamos" antes, com tuas fotos, durante a caminhada e agora, depois, com o vídeo do Otávio! Grande abraço e novamente o nosso muito obrigado pelo apoio!
Getúlio

Mauro Defferrari, Arquiteto & Prof. FAUUFRGS, recomenda olhar também o álbum de fotos da Travessia do CANYON DO MALACARA, SC-RS, 1977.




Um comentário:

  1. Olá Prof. Padilla!
    Agradeço o "espaço" para a divulgação da nossa expedição. Abraço!

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