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Budō e as competições


As competições e o Budō

         Por Fernando Malheiros Filho


Para os puristas, as competições corrompem, e não sem razão atingem a esta conclusão. De fato, não se poderá dar esportividade às artes marciais sem concessões. Primeiro de tudo, será necessário retirar-lhes a letalidade, fundamento sobre o qual foram criadas e desenvolvidas. Depois, o competidor deverá abandonar o projeto transcendente do caminho (Dō), para buscar o objetivo imediato: a vitória dentro das regras que foram ‒ bem ou mal ‒ instituídas.


Parece evidente que essas objeções são razoáveis e que tamanhas modificações no modelo original desnaturem a essência da prática, transformando-a em algo muito diferente do que foi ao princípio, por vezes verdadeiro antípoda, ou versão estereotipada.


A questão, contudo, é mais complexa, e ganha contornos sociológicos a partir de suas representações no exercício da esportividade e, mais recentemente, no olimpismo.


A transição foi demorada, mesmo das artes de guerra, particularmente no Japão, quando convertidas em métodos de autoconhecimento. Séculos ‒ por vezes milênios ‒ separaram o exercício marcial ou de autodefesa, da conversão deste em instrumento educativo com o surgimento de escolas. No Japão, esse fenômeno vai ganhar corpo a partir do que se convencionou chamar de período Tokugawa, com o fim da era das Guerras Samuraicas e o início de longo lapso de tempo de paz forçada pelas circunstâncias e pelas imposições do Shogun, entre os séculos XVI e XIX de nossa era (0 período Tokugawa termina com a Restauração Meiji, em 1868).


Ali já se verificou a primeira metamorfose, a transição entre a Arte da Guerra primitiva e a sua versão mais sofisticada, que incorporou a noção de caminho (Dō) herdada do zen-budismo. Nas escolas, especialmente de Kendō, a arte de conduzir e usar a espada ganhou características simbólicas antes inexistentes, salvo a identidade entre a lâmina e seu portador, proximidade de que os novos tempos se valeram para criar método educacional.


Essa experiência propiciou o aparecimento de outras artes marciais, especialmente sem uso de armas, no Japão, com o surgimento do Judō, do Karatē-Dō e do Aikidō, junto a essas todas as demais de outras nacionalidades, como o tailandês Muay thai, o coreano Tae-kwon-do, o Sambo russo, o Boxe ocidental, além de verdadeira enormidade de modalidades praticadas em toda a extensão planetária.


É muito recente a iniciativa de converter essas práticas em modalidades esportivas, com o estabelecimento de regras dentro das quais os competidores devem se comportar. Limites previamente convencionados, normalmente em nome da proteção da integridade física dos praticantes e competidores, mas também para a melhor aceitação por instituições supranacionais que regulam o esporte mundial, natural exigência de um mundo que se pensa civilizado.


Dessa metamorfose toda é possível retirar algumas conclusões das quais não se pode escapar. As artes marciais complexas, e que por isso mesmo têm um regramento mais detalhado, até mesmo para sua admissão no circuito olímpico, normalmente atraem a atenção quase que apenas de seus praticantes. Não têm apelo popular, não reunindo em suas competições, senão aqueles que já são iniciados (além de familiares dos competidores), e que bem podem entender o andamento dos trabalhos por sua própria experiência na prática.


Enquanto isso, as artes de luta de regramento mais simples ‒ e também por isso mais violentas, com maior risco de dano nos competidores, quase sempre visíveis e com sangramentos ‒ têm enorme aceitação popular, resultando em negócio de alta lucratividade, com grande remuneração, quer para os organizadores como para os atletas, sem que, contudo, os apreciadores, pelo menos na sua imensa maioria, sejam praticantes. Exemplo inequívoco deste fenômeno é encontrado, mais para trás, no boxe ocidental, e, recentemente, nas competições de MMA.


Múltiplas são as explicações para esses fenômenos, aparentemente paradoxais, passando pela filosofia, psicanálise e psicologia de massas, mas o que realmente importa é que as artes marciais puras, divididas nas múltiplas modalidades, não conseguem se distanciar de sua origem educacional. Servem mesmo para aqueles que praticam, ainda que o façam exclusivamente para testarem suas habilidades em eventos competitivos.


Não há nessas linhas qualquer crítica ou menoscabo às competições de artes marciais em qualquer de suas modalidades, ainda que a expectativa civilizada possa impor alguma resistência àquelas que resultam em lesões graves em seus competidores, cujas consequências só o tempo permitirá averiguar.


É justa aspiração de qualquer modalidade de arte marcial em tornar-se competitiva, ou esportiva, principalmente com o intuito de fazer propaganda de sua existência e atrair praticantes ‒ razão inicial para a instituição das competições ao final da primeira metade do século que já passou ‒, mas também não haverá de ser pelo menos curioso perceber que o alcance das competições nas modalidades de artes marciais específicas jamais conseguiu atrair grande público – e, por consequência, avultadas somas de dinheiro – senão dos iniciados, denunciando sua verdadeira vocação.

Competições ajudam a disseminar conhecimento como neste Kata🥋 Bassai Dai comparado em 3 escolas de Karate: Shotokan, Shitoryu e Wadoryu:

 




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🥋 Karatē-Dō e Karatē esportivo:
 um falso dilema 
🥇 Fernando Malheiros Filho:
  https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vSuexDyzS2PcBp-syTRkztRB5OzQ8_VGgwPgab57f2t-Hkt-9wSQTnhxiFUAmJcMdjAk67G8PBApD_5/pub
 

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