SOBRE A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO EM FACE DO REFERENDO DA PROIBIÇÃO DE
COMERCIALIZAÇÃO DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES NO TERRITÓRIO NACIONAL
PREÂMBULO
“Se o homem honesto deve
abandonar tudo o que possui pela Paz, em prol daquele que colocará suas mãos
violentas sobre seus bens e sobre os que lhe são caros, eu quero que seja
considerado que tipo de paz haverá no mundo, que deve ser mantida apenas em
benefício dos ladrões, bandidos e opressores. Quem não estranharia o tratado de
paz, que os poderosos estabelecem com os humildes, quando o cordeiro, sem
resistência, oferece sua garganta ao lobo imperioso para que este a dilacere?” (LOCKE, John. Segundo
Tratado sobre Governo Civil. 1680.)
Este Parecer subscreve um consenso, hoje nacional, de que
os níveis de violência criminal no Brasil são intoleráveis e configuram um
clima geral de efetiva insegurança pública. A cidadania brasileira vem sendo
vitimada por homicídios, em patamares semelhantes, senão mais elevados aos das
mortes civis e baixas militares, em países que vivenciaram ou vivenciam, nessa
passagem de século, teatros de guerra, ou que foram ou são alvos de agressão
terrorista ou palcos de insurgência civil crônica. Tal condição da nossa
convivência social demanda atenção prioritária do Estado e exige resposta
saneadora da política pública.
Não discordamos, portanto,
como parte do processo de contenção da criminalidade, no Brasil e no mundo, da
necessidade do registro de propriedade e do controle governamental sobre a
comercialização e o porte de armas de fogo. Consideramos, também, que a redução
do estoque bruto de armas em circulação, através de iniciativas como a campanha
pelo desarmamento voluntário, que já recolheu 443 mil armas neste país[1],
poderá, grosso modo, reduzir o risco
de acidentes e de mau uso eventual. E reconhecemos o desarmamento geral e a paz
como valores e metas da convivência humana civilizada.[2]
Queremos
enfatizar, entretanto, que a população civil do Brasil vivencia, neste tempo,
uma condição de guerra em face da criminalidade, e em circunstâncias tais, que
os poderes da República Federativa do Brasil não conseguem garantir a
incolumidade e a sobrevivência dos seus nacionais, onde quer que se realizem os
combates, neste conflito.
“A cada 12 minutos, uma
pessoa é assassinada no Brasil. Por ano, são registrados 45 mil homicídios no
País. A afirmação foi feita pelo coordenador-residente da ONU no Brasil, Carlos
Lopes, em audiência pública ocorrida nesta terça-feira, na Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional. Ele confirmou os termos do artigo publicado no
jornal Folha de S. Paulo no dia
6/11/03 em que afirma que a prática de assassinatos e execuções sumárias tem
uma dimensão preocupante no País. "A probabilidade de um assassino ser
condenado e cumprir pena até o fim no Brasil é de apenas 1%", informou.
Carlos Lopes afirmou também que o Brasil tem cerca de 3% da população mundial e
registra 12% dos homicídios que acontecem no planeta. (...) O coordenador da
ONU também comparou o desempenho da polícia carioca com o da norte-americana.
Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, 70% dos casos de homicídios são
arquivados em razão da qualidade da investigação. Enquanto isso, nos Estados
Unidos, o mesmo percentual é efetivamente esclarecido.” (Agência Câmara, “Brasil é campeão mundial em homicídios: 45 mil/ano”. Reportagem:
Allan Pimentel. Edição: Ana Felícia, 2 de dezembro, 2003.)
Temos profunda convicção
que, desarmar um dos lados deste conflito aberto – no caso, os cidadãos
honestos –, sem que se assegure o efetivo controle da capacidade ofensiva da
criminalidade, exercitada com elevado e comprovado índice de letalidade e
impunidade na sociedade brasileira, só se concebe como um ato de poder
absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito e de
conseqüência potencialmente genocida.
Isso posto, a proibição da venda de armas e munições à
população civil não criminosa no Brasil, deve ser interpretada, nos exatos
termos da Convenção
para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, da Organização das Nações
Unidas, firmada em 1948, a qual proscreve qualquer
política que implique em “submissão
intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição
física, total ou parcial” (Resolução
260 A (III) da
Assembléia Geral das Nações Unidas, 9 de dezembro de 1948, Art. II, adotado
também pelo art. 6 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,
aprovado em 17 de julho de 1998, pela Comissão de Plenipotenciários das Nações
Unidas sobre o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional).
Incide, obviamente, nesta proscrição, o conteúdo normativo
do referendo previsto para realizar-se no dia 23 de outubro vindouro. Prevê, a
consulta referendária, que a população se manifeste aprovando ou não o art. 35
e seus parágrafos, do Estatuto do Desarmamento, o qual dispõe: verbis –
“Lei
10.826/2003. Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em
todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6 desta
Lei.
§
1º. Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante
referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.
§
2º. Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará
em vigor na data de publicação do seu resultado pelo Tribunal Superior
Eleitoral.”
É evidente, o impacto dessa
medida insana, na deterioração das condições de sobrevivência das pessoas
não-criminosas em nossa sociedade, individualmente consideradas ou em grupo,
nas famílias ou nas empresas, que estão sendo vitimadas pela violência, tanto
organizada quanto inorgânica, mas de qualquer forma disseminada. Ao
inviabilizar a legítima defesa da população civil, essa proibição legislativa a
deixa inerme frente aos elevados índices de criminalidade, que nos situam no
topo das estatísticas internacionais de homicídios.
Na conseqüência jurídica
previsível, tão logo consumada a pretendida proibição referendária, a obrigação
da segurança pública, até então subsidiariamente atribuída ao Estado
brasileiro, eis que “direito e responsabilidade de todos”, nos termos do art.
144, caput, da Constituição Federal,
passará a lhe incumbir em caráter exclusivo. Desde logo, portanto, as mortes
efetuadas, entre a população civil, pela criminalidade armada, além de passar a
contar-se no rol das vítimas internacionais de genocídio, serão imputadas à
responsabilidade civil e penal do Estado brasileiro. Igual responsabilidade
será imputável pelos danos morais ou patrimoniais que resultarem de agressão
criminosa. Haverá fundamento jurídico, para a respectiva indenização aos
familiares, e legitimação, a qualquer do povo, para suscitar a denunciação dos
responsáveis – seja pela aprovação, seja pela convocação, seja pela
autorização, seja pela realização do referendo em análise e do respectivo
conteúdo normativo – perante os Tribunais pátrios e as Cortes Internacionais de
Justiça.
São gravíssimas as
conseqüências, institucional e histórica, do que se pretende consumar pelo
referendo de 23 de outubro de 2005. Tão graves que, se dela tivessem a efetiva
consciência e clareza, a maioria dos parlamentares que aprovaram o art. 35 do
Estatuto do Desarmamento e a autorização do referendo, têm-se por certo,
haveriam recuado dessa decisão.
Como os nossos legisladores
não tiveram esse descortino, incumbe-lhes a reparação dos seus equívocos pela
recusa de apoio à sua consumação. Quanto aos legitimados sujeitos do direito de
argüição para a defesa da Constituição descumprida, cabe-lhes promover a respectiva
impugnação na esfera do controle concentrado de constitucionalidade. E, à mais
alta Magistratura da República, postula-se o dever indeclinável da Jurisdição
para a tempestiva salvaguarda dos direitos fundamentais e das instituições da
democracia.
PRELIMINARES DE FORMA
DO CABIMENTO DA ARGUIÇÃO DO §1º DO ART. 102 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA A PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE LESÃO A PRECEITO
FUNDAMENTAL, RESULTANTE DOS ATOS DO PODER PÚBLICO QUE DETERMINAM A REALIZAÇÃO
DE REFERENDO POPULAR EM 23 DE OUTUBRO DE 2005
Em seguida à conferência
de Hans Kelsen, proferida há mais de setenta anos, em que o jurista notável
propugnou pela criação de Tribunais Constitucionais, a fim de realizar a
jurisdição constitucional, tendo em vista que o ordenamento jurídico configura-se
“como uma pirâmide hierárquica de normas, garantindo-se a hierarquia normativa
pelo controle da conformidade de normas de grau inferior com as determinantes
normativas de grau superior”, seguiu-se, em 1929, o famoso debate que Kelsen
travou com Carl Schmitt, em que Kelsen sustentou que a guarda da Constituição
deveria ser deferida a um Tribunal Constitucional, que apreciaria as questões
jurídico-constitucionais, realizando a supremacia da Constituição.
É que esta é pressuposto de validade e de
eficácia de toda a ordem normativa instituída pelo Estado e “uma Constituição,
na qual não existia a garantia de anulabilidade dos atos inconstitucionais não
é plenamente obrigatória em sentido técnico. Carl Schmitt, a seu turno,
recusava a idéia da instituição de uma jurisdição constitucional, porque a
decisão que resolve a questão de constitucionalidade teria natureza política.
Não caberia, então, a um Tribunal “fazer política”, na defesa da constituição.
Essa caberia, sim, a um órgão político.
Essas duas posições
exprimem, leciona Cardoso da Costa, “duas concepções diferentes de
Constituição, ou do seu momento essencial e verdadeiramente radical (a uma
concepção `normativista` de Constituição, como era a de Kelsen, contrapunha-se
uma sua concepção `decisionista-unitária`, como era de Schmitt), e,
conseqüentemente, do que deva ser a sua `defesa` ou a sua `guarda`; como nela
se exprimem, também, entendimentos diversos acerca da natureza da `justiça` ou
da função jurisdicional”.
Do debate,
saiu vitorioso Hans Kelsen. Pode-se afirmar, aliás, que Kelsen iniciou e pôs
fim à polêmica. Sua conferência representou, felizmente, o alfa e o ômega da
questão.” (VELLOSO, Carlos Mário: A
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. In, Revista Diálogo Jurídico, Número
12 – março de 2002 – Salvador – Bahia – Brasil.)
I – DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL E SUA PERTINÊNCIA AO TRATAMENTO PROCESSUAL DO CASO
CONCRETO
Ao
versar sobre o instituto da argüição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF), no quadro da controvérsia constitucional vencida por Hans Kelsen, sobre
a necessidade e as funções de um Tribunal Constitucional, Sua Excelência o
Ministro Carlos Mário Velloso, consagrou a competência indeclinável do STF no
controle de constitucionalidade dos atos do Poder Público, até mesmo os de
natureza intrinsecamente política, e a função precípua, que passou a ser
exercida pela argüição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, no
sistema pátrio de defesa dos direitos fundamentais e da Constituição, forte na
redação da Carta de 1988 - CF: verbis
“Art. 102.
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: (...)
§1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental,
decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na
forma da lei.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
A
matéria processual foi regulada pela Lei 9.882/1999, fixando-se, o objeto e a
causa de pedir desta argüição, no que dispõe o seu art. 1º, caput (argüição autônoma) e o respectivo
parágrafo único, inciso I (argüição incidental): verbis –
“Art. 1º. A argüição prevista no § 1º do art. 102 da
Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá
por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público.
Parágrafo
único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I – quando for relevante o fundamento da controvérsia
constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,
incluídos os anteriores à Constituição;” (Lei nº 9.882 de 3 de dezembro de 1999).
Ficam assim tecnicamente
determinados:
a]
Como objeto de argüição autônoma, genericamente, os atos do Poder Público, e
como causa de pedir, a prevenção ou reparação de lesão a preceito fundamental,
deles resultante; e,
[b] Como objeto de argüição incidental, a
controvérsia constitucional (que se entende, primacialmente, afeta ao controle
difuso de constitucionalidade, mas também, como se verá adiante neste Parecer,
a ações que tramitam no sistema de controle concentrado), sendo causa de pedir
a relevância do respectivo fundamento.
No caso em realce, do referendo de 23
de outubro próximo, trata-se de argüição autônoma, razão pela qual este Parecer
haverá de concentrar-se no respectivo exame.
1.
Dos conceitos pertinentes ao objeto e causa de pedir
da argüição autônoma de descumprimento de preceito fundamental
Importa, em análise sobre os
pressupostos intrínsecos de admissibilidade da ADPF, com vista à discussão da
constitucionalidade do referendo de 23 de outubro de 2005, clarificarmos os
conceitos pertinentes ao seu objeto (‘ato do poder público’) e causa de pedir
(lesão de ‘preceito fundamental’).
1.1.
“Ato do
poder público”
Diferentemente da Lei 9.868/1999 que trata da ação
direta de inconstitucionalidade, onde há previsão que o seu objeto se restrinja
à impugnação de “lei ou ato normativo”,
a disciplina legal da argüição autônoma de ADPF incide genericamente sobre “ato do Poder Público”, quer seja ato
normativo, quer seja ato de concreção governativa, administrativa ou
jurisdicional.
É nosso Parecer, portanto, que a sua abrangência
concerne, especialmente, ao controle de constitucionalidade das decisões de
natureza política, emanadas dos poderes da República e, até mesmo daquelas que
decorrem do exercício direto do poder pela cidadania, como dispõe a CF no seu
art. 14, incisos I a III. Em específico, cabe ADPF no controle de
constitucionalidade dos atos da soberania, que se exerce em forma de referendo.
Esta é uma conclusão necessária, embora talvez
inusitada, que remete à radicalidade da democracia, no seu fundamento dual como
regime da soberania popular e do governo constitucional.
Na sua origem histórica, realça a contradição
possível e a necessidade de conciliação entre as concepções basilares da
democracia Jeffersoniana, embasada no princípio majoritário, e Madisoniana, de
corte garantista. Desde logo, são irredutíveis estes fundamentos. Sem a
garantia dos espaços de liberdade e vida das minorias e, no seu limite, dos
direitos individuais inalienáveis que dizem da dignidade da pessoa humana, a
regra decisória da maioria é ferramenta de poder totalitário. Sem o
reconhecimento, por outro lado, do poder cidadão de decidir por maioria – pela
extensão do sufrágio e a igualdade do eleitor – sobre a política e o governo da
República, qualquer referência a direitos não ultrapassa a condição do
privilégio e do tabu.
As democracias constitucionais contemporâneas
avançaram na solução deste paradoxo, pelo reconhecimento paradigmático da
alteridade destes conceitos – soberania e legitimidade – que se complementam e
expressam, no axioma fundamental, que o poder popular – diretamente ou por
representação – se exerce na forma da Constituição e da lei. Nesse sentido, o
que dispõe a CF nos seus artigos 1º, parágrafo único, e 14, caput: verbis –
“Art. 1º.
Parágrafo único. Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamento, nos termos desta
Constituição. (...)
Art. 14. A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei...”
A soberania impende, por conseguinte, nos regimes de
democracia constitucional, de legitimação. E esta legitimidade não decorre de
qualquer regra mecânica de decisão (a qual se constitui na mera instrumentação
do exercício da soberania), e muito menos do tosco e adversarial princípio
majoritário. Decorre sim, dos princípios constitucionais, que lhe são
irredutíveis e complementares, têm luz própria e fundamento distinto. Não é o
voto soberano da maioria que garante os direitos da minoria; mas é a garantia
constitucional aos direitos da minoria que legitima a deliberação da maioria.
Por isso que, nas democracias constitucionais, o
exercício pleno, em modo próprio, da soberania – e assim o referendo – é
principiologicamente suscetível ao controle de constitucionalidade. Não é a
consulta referendária, pois, que define a constitucionalidade da matéria
proposta à decisão popular, mas é a constitucionalidade intrínseca da matéria
proposta que define a legitimidade da própria consulta referendária.
Não poderia ser mais clara, neste sentido, a
legislação infraconstitucional, quando submete, no art. 1º, caput, da Lei 9.709/1998, a direta
legislação popular (assim abrangendo especificamente o plebiscito e o
referendo, eis que a iniciativa popular de legislação não se completa a si
mesmo como processo deliberativo) aos “termos
desta Lei, e das normas constitucionais pertinentes...”
Mais adiante, ao dispor sobre o objeto possível das
consultas plebiscitária e referendária, a Lei 9,709/1998, no seu art. 2º, caput, exige “matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. Tal
enunciado, sem a subsunção constitucional destes institutos, efetuada pelo art.
1º do mesmo diploma legal, poderia dar lugar à configuração do plebiscito e do
referendo como expressões próprias de poder constituinte. Nada mais equivocado.
Para ficar, apenas, na configuração própria do
referendo, que é o foco desta análise, não nos parece possível sob a égide da
democracia constitucional, em face da subsunção legal que lhe impõe a Carta de
1988, que este instituto venha a ser utilizado em tentativa de legitimação à violação
das cláusulas pétreas do nosso regime constitucional, qual seja, do que vai
disposto no art. 60, § 4º da Constituição Federal. Haveria nisso, uma regressão
histórica e uma redução conceitual inaceitáveis, instituindo-se o totalitarismo
da maioria, cuja experiência, em forma de barbárie, as ditaduras plebiscitárias
e genocidas do século XX nos legaram.
Inaceitável, na vigência do nosso regime
constitucional, a utilização do referendo para se pretender legitimar, por
exemplo, o ato normativo que objetivasse a exclusão da cidadania, o
aprisionamento em campos de concentração e, afinal, a morte dos brasileiros que
pertencessem a uma raça, a uma comunidade de crença ou a uma dada condição de
classe. Inviável, também, a sua utilização para se homologar quaisquer atos de
usurpação política, através dos quais se pretendesse, por exemplo, concentrar
todos os poderes da República em mãos de um só indivíduo, tido como salvador da
pátria em foros de qualquer sorte de promoção pessoal, corporativa ou simbólica.
Há que entender-se, portanto, a deliberação
referendária de “matéria de acentuada
relevância, de natureza constitucional...” inscrita no caput do art. 2º da Lei 9.709/1998, como circunscrita àquelas
dimensões normativas que compõem o texto Constitucional ou que, no seu limite,
são passíveis de vir a integrá-lo mediante Emenda pelo Poder Legislativo. Mesmo
assim, é necessário preservar-se, para a utilização do instituto em sua
eficácia máxima, a hierarquia própria ao processo Legislativo.
Note-se que o referendo, segundo o §2º, deste mesmo
artigo, “é convocado com posterioridade a ato
legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou
rejeição”. Matéria constitucional, por essa via de interpretação
sistemática e conforme, somente poderá ser proposta em referendo, na forma
própria deste ato normativo, ou seja, como ratificação ou rejeição de Emenda à
Constituição, efetivamente aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional. E
assim, igualmente, no nível hierárquico inferior.
Não tem,
por conseguinte, o instituto do referendo, o condão de sanear vícios de
constitucionalidade, enraizados na origem das decisões submetidas à direta
legislação popular.
São assim, rigorosamente
insuscetíveis de submeter-se à deliberação direta da cidadania, sob a forma de
referendo:
[a]
Allteração a dispositivos constitucionais, em sede da ratificação ou rejeição
de lei; ou
[b] Matéria legislativa, em sede de ratificação ou
rejeição de um mero ato administrativo.
Contrario
sensu, se correria o risco de dar
uma aparência de legitimidade a atos do Poder Público que dela carecem
totalmente. A história ensina, à saciedade, que, por essa via, a democracia
constitucional tem sido fraudada com desastrosa conseqüência, seja pela
manipulação do processo legislativo por parte do Poder Executivo, seja pela
subsunção do Pacto Constitucional aos ditames de quaisquer e eventuais
maiorias, no âmbito do Poder Legislativo, ad
hoc articuladas ou compradas (como infelizmente transparece em nossa
prática parlamentar) pelos desígnios dos poderosos do dia. O arbítrio e o
terror, que lhes seguem inexoravelmente, concernem a um passado proscrito na
escala civilizatória, que não interessa à consciência cidadão ou à consolidação
das instituições democráticas, resgatar ou reviver neste limiar de um novo
século.
Não é o
referendo, efetivamente, a via apropriada para dar-se constitucionalidade à lei
inconstitucional, ou legalidade ao ato administrativo ilegal. E, se assim o pretenderem, e, se afinal for
convocado para essa finalidade espúria, será um ato de soberania popular,
incidente sobre a configuração da esfera pública, portanto um ato da cidadania
no exercício direto do Poder Público, porém carente de legitimidade. E, como
tal, suscetível de proibição ou revogação pelo sistema concentrado de controle
de constitucionalidade, em forma da ADPF.
1.2.
“Lesão a
preceito fundamental”
Para os efeitos da admissão de ADPF, tem o STF a
competência reconhecida para definir a abrangência temática e o enquadramento
processual do que se entende por preceito fundamental.
Essa
tem sido uma preocupação jurisprudencial, desde logo assumida naquela Excelsa
Corte. É o caso da ADPF 1 OQ, em que foi relator o Ministro JOSÉ NÉRI DA
SILVEIRA: verbis –
“Guarda da Constituição e seu intérprete último, ao Supremo Tribunal
Federal compete o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema
constitucional brasileiro, como preceito fundamental, cujo desresepeito
pode ensejar a argüição
regulada na Lei n° 9.882, de 3-12-1999.“
(STF, EMENTÁRIO N º 2131-1, ADPF 1-7 (OQ) RJ. VOTO MIN. JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA,
FLS. 10).
Com
efeito, o enunciado do Art. 101, § 1º da CF, ao definir o campo de incidência
da ADPF, não utilizou terminologia constitucionalmente fixada. Poderia ter-se
referido a violação de ‘princípios fundamentais’ e não o fez; poderia ter
mencionado lesão a ‘direitos e garantias fundamentais’ e não o fez. Utilizou-se
de vocábulo novo – ‘preceito’ – ainda não inscrito na classificação temática
dos institutos constitucionais. E, assim o fazendo, de um lado, remeteu ao
Legislador infraconstitucional a respectiva denotação legal, e, de outro,
conferiu ao Pretório Excelso a competência discricionária para, em última
instância, decidir sobre a constitucionalidade da sua regulamentação normativa
e para, afinal, fixar prudencialmente os parâmetros da respectiva aplicação.
1.2.1. Admissibilidade de ADPF pela natureza substantiva da
questão incidente
Ainda, no seu Voto na ADPF 1-7 (OQ) RJ,
antes mencionado, o Ministro JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA, avançou os alicerces dessa
jurisprudência, ao incorporar, à dignidade do Julgado, doutrina do Ministro
OSCAR DIAS CORRÊA e do ilustrado CELSO RIBEIRO BASTOS: verbis -
“Nesse
sentido, anota o Ministro Oscar Dias Corrêa, in ‘A Constituição de 1988,
contribuição crítica’, 1, ed. Forense Universitária 1991, p. 157: ‘Cabe exclusiva e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de
preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto constitucional é
êle o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos
fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no
sentido mais amplo. Está na sua discrição indicá-los.” Noutro passo,observa: “Parece-nos, porém, que, desde logo, podem
ser indicados, porque, pelo próprio texto, não objeto de emenda, deliberação e,
menos ainda, abolição: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto,
universal e periódico; a separação de poderes, os direitos e garantias
individuais. Desta forma, tudo
que diga respeito a essas questões vitais para o regime pode ser tido como
preceitos fundamentais. Além
disso, admita-se: os princípios do Estado Democrático, vale dizer:
soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho,
livre iniciativa, pluralismo político; os direitos fundamentais individuais e
coletivos; os direitos sociais; os direitos políticos, a prevalência das normas
relativas à organização político-administrativa; a distribuição de competências
entre a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios; entre
Legislativo, Executivo e Judiciário; a discriminação de rendas; as garantias da
ordem econômica e financeira, nos princípios básicos; enfim, todos os preceitos que, assegurando a estabilidade e a
continuidade da ordem jurídica, devam ser cumpridos’ (op. cit. p.
157).” (...)
Nessa mesma linha, a
lição de Celso Ribeiro Bastos que ainda, acrescenta, em sua enumeração, ‘a proteção à criança, à
velhice, aos menos afortunados” (in Comentários à Constituição do Brasil
(1988), 4° vol., Tomo III, p. 235).” (STF, EMENTÁRIO N º
2131-1, ADPF 1-7 (OQ) RJ. VOTO MIN. JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA, FLS. 10/11)
Vê-se
bem, que o Ministro JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA, teve o cuidado de descortinar, na
colação dessas citações, a amplitude temática que a melhor doutrina confere ao “preceito fundamental”, que menciona a
CF no seu Art. 101, § 1º. Incluem-se nesse espectro temático todos aqueles
dispositivos que - numa abordagem minimalista – a Constituição expressa e
literalmente considera como normas ‘fundamentais’. Nesse sentido, são objeto de
ADPF as violações aos “princípios fundamentais” do
Estado Democrático de Direito (CF Art. 1º, I a V, e Parágrafo único), aos “direitos
e garantias fundamentais” (todo o Título II, mas especialmente, por
sua fundamentação histórica e suas dimensões universalistas, aos “direitos
e deveres individuais e coletivos” (CF Art. 5º e seus incisos) e, por decorrência
lógico-sistemática, às ditas “clausulas pétreas” (CF Art.
60, § 4º).
Igual
entendimento é esboçado pelo Eminente Ministro GILMAR MENDES, que acrescenta a
este núcleo duro do nosso ordenamento constitucional os chamados “princípios
sensíveis”, cuja violação enseja a intervenção da União nos Estados
e Distrito Federal.
“Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional. Assim, ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5o, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4o, da CF, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico. Por outro lado, a própria Constituição explicita os chamados “princípios sensíveis”, cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estados-membros (art. 34, VII). (STF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (Med. Liminar) 33 – 5. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento da Liminar: Plenário, 29.10.2003. Publicação da Liminar: Acórdão, DJ 06.08.2004.)
Postulamos, ainda, a
admissibilidade da ADPF, em face da violação dos princípios constitutivos da
nacionalidade, e que, por isso mesmo, normatizam as relações internacionais da
República Federativa do Brasil, como explicitados na CF Art. 4º, I a X.
Uma abordagem
ampliativa, haveria ainda de incluir no rol das lesões suscetíveis de
tratamento via ADPF o malferimento das normas que, por sua natureza estrutural
ou relevância prática, são integrativas do que, a juízo do Excelso Pretório, se
venha a considerar o núcleo sígnico da Constituição. Incluem-se aqui, todos os
demais preceitos citados na colação doutrinária do Ministro José Néri da
Silveira, em aresto supra-colacionado.
1.2.2. Admissibilidade de ADPF pela natureza adjetiva da
questão incidente
Ainda numa abordagem ampliativa do que
se possa entender por ‘preceito fundamental’, realça a extensão possível do
poder discricionário do Excelso Pretório, para a subsunção constitucional dos atos
do Poder Público que, pela sua transcendental relevância jurídica, ou pela
magnitude dos seus efeitos materiais ou simbólicos – digam estes sobre a
execução da política ou a preservação da moralidade pública – resultem em
contradição flagrante e inarredável dos ‘objetivos fundamentais’ da República
Federativa do Brasil e lesão enorme aos pressupostos funcionais da
credibilidade, racionalidade e governabilidade, que estão implicados no
ambiente de segurança jurídica, a ser assegurado com vista à sua realização.
Neste sentido o Voto do Eminente
Ministro Cezar Peluso, realça o argumento da relevância material da causa a
erodir o pressuposto da subsidiariedade como condição tout court para a
admissibilidade de ADPF: verbis –
“Nesse caso, os gastos do Estado com o pagamento de professores seriam acrescidos do montante mensal de R$ 150.000.000,00 (cento e cinqüenta milhões de reais).
O resultado seria uma folha de pagamento apenas com professores da ordem de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), mais até que a arrecadação do Estado com o ICMS (que hoje é da monta de R$ 350.000.000,00 - trezentos e cinqüenta milhões de reais).
Paralelamente, tramita no Estado de Pernambuco a execução por quantia certa da decisão que concedeu o direito à isonomia aos 1.894 professores.
O valor somente dessa execução é da ordem de R$ 416.747.972,87 (quatrocentos e dezesseis milhões, setecentos e quarenta e sete mil, novecentos e setenta e dois reais e oitenta e sete centavos).
Esses valores impressionantes demonstram o impacto que está sendo causado por esse tipo de demanda no Estado, a colocar em risco o próprio funcionamento orçamentário e financeiro de Pernambuco.
A própria situação de gravidade financeira suplanta uma eventual necessidade de divagações teóricas acerca do conteúdo normativo da expressão “preceito fundamental”. (DECISÃO: ADPF (Med. Liminar) 79-, Rel. Ministro Cezar Peluso – grifei e sublinhei)
Mais adiante, no mesmo aresto, faz-se referência à excepcional relevância imaterial e simbólica da lesão em curso, como igualmente autorizativa ao conhecimento de ADPF pelo Excelso Pretório: verbis –
“Da mesma forma, a ADPF vem sendo manejada também para abordar questões jurídicas fundamentais e de importância federal ou estadual transcendente.
Foi o que aconteceu no julgamento de questão de ordem na ADPF 54, relativa a seu cabimento para suscitar o debate em torno do problema do aborto do feto anencefálico (relator Ministro Marco Aurélio, DJ 4.5.2005).
A mesma posição do Tribunal começou a ser confirmada no início do julgamento da ADPF 46, relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, pela qual se discute a constitucionalidade do monopólio dos serviços postais pelos Correios.“ (DECISÃO: ADPF (Med. Liminar) 79-, Rel. Ministro Cezar Peluso – grifei e sublinhei)
1.2.3. Da pertinência temática da ADPF em controle de
constitucionalidade do referendo de 23 de outubro de 2005
Pouco ou nada afeta as conclusões deste Parecer a
querela doutrinária e jurisprudencial sobre os limites da hermenêutica
constitucional na aplicação dos parâmetros acima gizados – que referem às
condições substantivas e adjetivas de admissibilidade rationae materiae em ADPF.
Com efeito, o que preocupa aos intérpretes na
aplicação deste instituto, é a zona cinzenta da incidência possível da ADPF,
quando se transita de uma interpretação restritiva ao numerus clausus dos preceitos fundamentais expressos da
Constituição (a nosso ver, minimamente o que dispõem os arts. 1º e seus
incisos, 4º e seus incisos, 5º e seus incisos, 60, §4º), para uma interpretação
ampliativa, integradora de normas constitucionais que tangenciam este núcleo
duro de princípios, direitos e prerrogativas.
Parece-nos, de todo adequada, a
solução doutrinariamente enunciada por CASTRO NUNES e adotada pelo douto
Ministro GILMAR MENDES que, a este respeito, fixou posição, na esteira do
entendimento pacífico da Excelsa Corte sobre a hermenêutica dos chamados “princípios sensíveis” da Carta de 1988,
enunciados no seu art. 34, VII: verbis –
“Ao se deparar com alegação de afronta ao princípio da divisão de Poderes de Constituição estadual em face dos chamados “princípios sensíveis” (representação interventiva), assentou o notável Castro Nunes lição que, certamente, se aplica à interpretação das cláusulas pétreas: “(...). Os casos de intervenção prefigurados nessa enumeração se enunciam por declarações de princípios, comportando o que possa comportar cada um desses princípios como dados doutrinários, que são conhecidos na exposição do direito público. E por isso mesmo ficou reservado o seu exame, do ponto de vista do conteúdo e da extensão e da sua correlação com outras disposições constitucionais, ao controle judicial a cargo do Supremo Tribunal Federal. Quero dizer com estas palavras que a enumeração é limitativa como enumeração. (...). A enumeração é taxativa, é limitativa, é restritiva, e não pode ser ampliada a outros casos pelo Supremo Tribunal. Mas cada um desses princípios é dado doutrinário que tem de ser examinado no seu conteúdo e delimitado na sua extensão. Daí decorre que a interpretação é restritiva apenas no sentido de limitada aos princípios enumerados; não o exame de cada um, que não está nem poderá estar limitado, comportando necessariamente a exploração do conteúdo e fixação das características pelas quais se defina cada qual deles, nisso consistindo a delimitação do que possa ser consentido ou proibido aos Estados” (Repr. n. 94, Rel. Min. Castro Nunes, Archivo Judiciário 85/31 (34-35), 1947). Essa orientação, consagrada por esta Corte para os chamados “princípios sensíveis”, há de se aplicar à concretização das cláusulas pétreas e, também, dos chamados “preceitos fundamentais”. É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípio basilares dos preceitos fundamentais em um determinado sistema. Tal como ensina J. J. Gomes Canotilho em relação à limitação do poder de revisão, a identificação do preceito fundamental não pode divorciar-se das conexões de sentido captadas do texto constitucional, fazendo-se mister que os limites materiais operem como verdadeiros 'limites textuais implícitos' (Direito Constitucional, Coimbra, 1992, p. 1.136). Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes, da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige, preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de interdependência. Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio.” (STF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (Med. Liminar) 33 – 5. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento da Liminar: Plenário, 29.10.2003. Publicação da Liminar: Acórdão, DJ 06.08.2004.)
Do exposto resulta absolutamente pertinente a
propositura de ADPF sobre os atos do Poder Público que autorizaram e que
executam o referendo de 23 de outubro de 2005. Sob quaisquer enfoques –
substantivo ou adjetivo, textual ou interpretativo – o malferimento de
dispositivos constitucionais, a conseqüência antijurídica e os efeitos
disruptivos sobre a institucionalidade vigente, que se deduzem da realização do
referendo de 23 de outubro, constituem lesão gravíssima de preceitos
fundamentais do nosso ordenamento, como Estado Democrático de Direito.
Qualquer
seja o resultado da consulta referendária, verifica-se que a sua convocação e
implementação:
a.
É formalmente inepta
para os fins a que se destina, eis que configura lesão ao preceito fundamental
da garantia do devido processo do direito (CF art. 1º, Parágafo único, e 5º, LIV), eis que
submete a ratificação ou rejeição, em forma de consulta referendária sobre
artigo de legislação infraconstitucional, matéria de natureza eminentemente
constitucional;
b.
Incide materialmente em
lesão ao conteúdo mínimo reconhecido dos preceitos fundamentais da Constituição
Federal, por violação direta e imediata dos direitos individuais e coletivos,
textualmente enunciados seu art. 5º,
caput (menção expressa à inviolabilidade da vida, liberdade, igualdade,
segurança e propriedade) sendo que o primeiro destes – na prerrogativa
essencial da sua legítima defesa – resta nulificado e todos os demais direta ou
indiretamente malferidos, pela proibição que se pretende aprovar ou rejeitar;
c.
Configura matéria de
excepcional relevância, pelas suas repercussões vitais, morais, políticas e,
afinal, mas aqui em realce, financeiras; eis que se constitui
verdadeira aberratio iuris – absoluta
carência de proporção e razoabilidade no investimento necessário que se estima
em mais 600 milhões de reais, para a realização de uma consulta referendária
antecipada ao pleito de 2005, quando a mesma poderia ocorrer a custo marginal,
no processo eleitoral vindouro.
Fazer
coincidir o momento das consultas referendárias com o das eleições periódicas,
é medida de puro bom senso. É o que fazem todas as democracias constitucionais
em que as práticas referendárias são adotadas, nas nações ricas do chamado
primeiro mundo, que, não obstante, recusam dar-se ao luxo do desperdício dos
recursos públicos. Tanto mais essa prática seria pertinentem, tratando-se, o
Brasil, de uma nação em desenvolvimento, que ainda não resolveu o problema da
miséria e da fome, ou das condições sub-humanas do seu sistema prisonal, mormente
quando, não obstante, país continental, incorrendo em altíssimos custos na
realização de um pleito nacional, o faz realizar-se a cada dois anos. Não há sequer fumaça de bom direito a sustentar esse
elevado dispêndio.
Nenhuma
justificação razoável de política pública justifica o açodamento, na realização
do referendo em realce, intercalada entre dois pleitos. Até porque, como se
verá mais adiante, na análise do mérito, serão gastos 600 milhões de reais para
proibir a comercialização de um número absolutamente inexpressivo de armas em
face do estoque delas existente no Brasil.[3]
2. Do controle concentrado de constitucionalidade sobre o
plebiscito de 23 de outubro via ADPF
É decorrência direta do princípio reconhecido da
supremacia do direito – e da sua concreção, no sistema românico-germânico a que
se filia o nosso ordenamento, nos dispositivos da Constituição vigente – o
descabimento, pela via pública de deliberação, da edição de normas ou da
realização de atos que contrariem ou ameacem contrariar a supremacia da
Constituição Federal.
2.1.
Do sistema processual da
defesa da Constituição
Na defesa da Constituição, em face de violações
promovidas, seja pela ação ou omissão dos poderes representativos e
jurisdicionais, seja pela própria cidadania mediante o exercício de direta
legislação popular (nos termos da CF Art. 14, I e II), não foi descurado o
Legislador de 1988. Com efeito,
municiou-nos, no arsenal da Jurisdição Constitucional, de um sistema
abrangente, complexo, integrado e complementar de procedimentos, especializado
na forma dos processos de hábeas corpus,
hábeas data, mandado de segurança individual e coletivo, mandado de injunção,
ação popular, ação civil pública, ações declaratórias de inconstitucionalidade
e de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, recurso
extraordinário perante o STF, ação direta de inconstitucionalidade e ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal e estadual,
ação de reclamação perante o STF, ação de responsabilidade (ou impeachment) e
das argüições autônoma e incidental de
descumprimento de preceito fundamental.
Uma abordagem mais incisiva da
sistemática vigente de defesa constitucional sugere a localização, no topo da
respectiva hierarquia processual, da ADPF, seja porque incide sobre violações
máximas da institucionalidade vigente, seja porque demanda conhecimento sumário
e solução antecipatória face à gravidade e irreparabilidade de lesões que
afetam o próprio cerne da constitucionalidade vigente. É no seu manejo que este
Parecer visualiza o caminho jurídico para a suspensão liminar e, afinal,
revogação do referendo em curso e dos atos normativos lhe estão implicados.
Para estes efeitos, por outro lado, é importante sinalizar a natureza
diferenciada dos pressupostos e ritos que contemplam a procedimentalização de
ADPF, como:
a. Argüição
avocatória de descumprimento de
preceito fundamental – CF, art. 102, §2º e Lei 9.882/1999, art. 1º, inciso I,
tendo por efeito avocar-se, o STF, em sistema de controle concentrado, a
decisão de conflitos de constitucionalidade, que envolvem controvérsia constitucional relevante a respeito de lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal
b. Argüição
autônoma de descumprimento de
preceito fundamental, tendo por
objeto ato normativo – CF, art. 102, §2º e Lei 9.882/1999, art. 1º, caput – a qual incide, inclusive, sobre controvérsia constitucional
já suscitada em sede de ADIN(s), sempre que, pela gravidade e iminência da sua
lesividade, deva processar-se e decidir-se com maior urgência, e até por decisão
liminar monocrática, justo por tratar-se de procedimento, cuja natureza é
literalmente preventiva ou reparatória dos efeitos concretos da
inconstitucionalidade;
c. Argüição
autônoma de descumprimento de
preceito fundamental, tendo por
objeto ato de concreção governativa, administrativa ou jurisdicional –
CF, art. 102, §2º e Lei 9.882/1999, art. 1º, caput - aplicável
subsidiariamente, no controle concentrado de constitucionalidade, no exame de
atos do Poder Público, insuscetíveis de prevenção ou reparação mediante as
ações próprias de responsabilização, mediante impeachment ou reclamação.
Amolda-se com propriedade a ADPF, a cumprir função
antecipatória da tutela jurisdicional nas violações máximas da
institucionalidade democrática. Aqui, o tempero reconhecido, ao requisito
admissional da “subsidiariedade” (introduzido pelo art. 4º, §1º da Lei
9.882/1999), será sempre a ameaça ou a ocorrência de lesão relevante, grave,
iminente e concreta, a preceito fundamental da Constituição.
2.2.
Do enquadramento do referendo de 23/10/2005 na
sistemática da defesa da Constituição
Necessário agora, enfrentar a questão preliminar
posta neste Parecer, indicando-se, qual o procedimento mais adequado, neste
tempo, ao controle de constitucionalidade sobre os atos de autorização,
convocação e realização do referendo de 23 de outubro de 2005.
É bem sabido que descabe mandado de segurança contra
lei. Quer nos parecer descaiba, igualmente e pelos mesmos fundamentos, a
utilização deste remédio extremo, contra o exercício da direta legislação
popular. E, com mais razão ainda, porque, neste caso, não se trata de exercício
de ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, mas de um efetivo
ato de poder, em exercício da soberania popular.
Inexiste, de outra feita, e até seria impróprio
suscitá-la no presente estágio de evolução da questão, querela constitucional
impugnante da consulta referendária em foco, sob jurisdição ordinária ou no
sistema difuso de controle constitucionalidade. Descabe, por isso mesmo, no
exame de constitucionalidade da consulta referendária de 23/10/2005, a via
processual da argüição avocatória do descumprimento de preceito fundamental
(Lei 9.882/1990, art. 1º, inciso I).
Assim postos, os parâmetros do
enquadramento procedimental juridicamente possível inequivocamente apontam como
caminhos próprios e precípuos à defesa da Constituição, no presente caso, os
procedimentos de ADIN (CF art. 102, I, ‘a’) e ADPF (CF art. 102 § 1º, cominado
com a Lei 9.882/1990, art. 1º, caput),
sendo que:
d. Como impugnação das normas abstratas – tanto a norma
propositora, como a autorizadora e as reguladoras da consulta referendária –
essa possibilidade jurídica concerne ao procedimento próprio de ADIN; mas,
ainda, cumulativamente, pelo temperamento que se der ao princípio da subsidiariedade,
admite a postulação de ADPF.
e. Como impugnação concreta, do ato de poder que se
exercerá em referendo, objetivando a prevenção dos efeitos deletérios,
materiais e morais, inafastáveis na hipótese da sua realização, essa
possibilidade jurídica concerne à via própria, originária, autônoma e única, da
ADPF.
Nesse contexto, merecem análise mais detalhada os
pressupostos de admissibilidade da ADPF no sistema concentrado de
constitucionalidade do STF.
Quando o objeto desta ação diz sobre
atos estritamente normativos do Poder Público, a sua efetividade, como
procedimento autônomo, sugere cuidados ao respectivo operador, eis que suscita
uma ambigüidade estrutural capaz de promover entendimentos prudenciais
contraditórios.
Inicialmente, realça o fato que a causa de pedir na
ADPF, será sempre comum à causa de pedir em ADIN. Com efeito, sempre que houver
uma lesão a preceito fundamental, haverá também uma lesão a preceito da
Constituição, embora o inverso não seja verdadeiro. Isso que, grosso modo, e por efeito do que dispõe
o art. 4º, § 1º da Lei 9.882/1999, induziria à impossibilidade jurídica da
respectiva admissibilidade. Não obstante, como esta argüição não pode ser
‘inócua’, pois se deve presumir a efetividade da respectiva provisão legal,
haverá que esclarecer-se como se legitimaria a utilização da ADPF – em
paralelo, em complemento ou em detrimento de uma ADIN – com vistas à impugnação
de ato normativo do Poder Público malferindo preceito fundamental da
Constituição Federal. E essa é uma questão que, nos parece, só pode ser
resolvida em face do caso concreto, avaliando-se da aplicação e do temperamento
que serão dados à regra da subsidiariedade.
2.2.1. Do princípio de subsidiariedade no controle de
constitucionalidade via ADPF
Desde logo, é relevante fixar a irrelevância, na
aplicação da regra do art. 4º, § 1º da Lei 9.882/1999, de que os meios
alternativos eficazes para sanar a lesividade sejam meramente possíveis ou
tenham sido efetivamente ajuizados. Em tese, existindo uma esfera de
competência primária, haveria incidência da vedação constitucional da ADPF.
De plano é necessário dar-se, aqui, temperamento ao
princípio da subsidiariedade em admissão de ADPF. Sua aplicação literal
praticamente implicaria na absoluta ineficácia do instituto, até porque
desenhado para dar solução efetiva e rápida, a questões relevantes envolvendo
lesões máximas da Constituição Federal. Sempre haveria, no sistema difuso ou
concentrado de controle de constitucionalidade, procedimento alternativo para a
coibição ou reparação destas violações. Como não se admite regramento, mesmo em
sede constitucional, tendente a abolir a eficácia do instituto regulamentado,
tomada em sentido estrito, seria flagrante a inconstitucionalidade do que
dispõe o art. 4º, §1º da Lei 9.882/1999.
O acatamento deste critério de admissibilidade pelo
Pretório Excelso, não obstante, em que pese o pequeno acúmulo de julgados, numa
modalidade de ação que conta, desde a sua previsão constitucional, com cerca de
apenas 75 processos ajuizados, mediante interpretação flexível e aplicação
finalística, tem convalidado a incidência e delineado a sua utilidade.
No que refere aos fins que seriam
preenchidos pelo caráter subsidiário da argüição de preceito fundamental, no
sistema de controle de constitucionalidade, parecem já consolidados os
seguintes parâmetros de julgamento:
[a]
O princípio da subsidiariedade tende a ser aplicado num sentido muito literal
quando se tratar de ações que, embora focalizando violações de preceitos
fundamentais, pela singularidade dos respectivos atos e o alcance restrito das
suas repercussões, possam ser mais bem manejadas no controle difuso;
[b]
O princípio da subsidiariedade tende a não ser aplicado em face das ações
propostas ao controle difuso de constitucionalidade, as quais, pela reiteração
das respectivas violações e pelo caráter abrangente dos seus efeitos, incidam
numa das finalidades precípuas da nova modalidade de controle que é,
exatamente, a de prover um caminho hábil para a solução incidental, consistente
e definitiva, para a reiteração, a diversidade de entendimento, e a dilação
temporal das controvérsias constitucionais que se multiplicam na jurisdição
ordinária, afetando, senão por outras razões, pela relevância do seu impacto e
a insegurança da respectiva solução, a credibilidade do ordenamento
constitucional;
[c]
O princípio da subsidiariedade tende a ser aplicado quando se tratar de ações
genericamente suscetíveis de solução pelo sistema concentrado do STF, em
especial, na forma de ADIN;
[d]
Não obstante e, sob pena de inviabilizar-se, grosso modo, o manejo autônomo deste instrumento processual, eis
que, pelo princípio hermenêutico da sua presunção de constitucionalidade, ainda
que virtualmente, todos os atos do poder público são dotados de conteúdo
normativo e, por conseguinte, teoricamente suscetíveis de controle em abstrato,
via ADIN, aqui também, e até principalmente, o princípio da subsidiariedade
deve submeter-se aos temperamentos, que a própria Lei 9.882/1999 se encarrega
de enunciar: da relevância da matéria constitucional e da urgência da
respectiva decisão.
[e] Finalmente, é de se mencionar que o exame dos
atos de direta concreção do Poder Público, como é o caso da
inconstitucionalidade intrínseca, do referendo de 23 de outubro, pelas suas
circunstâncias, objeto, tempo e lugar, é passível de controle no sistema
concentrado, pela via exclusiva (não incidente, portanto, a condição da
subsidiariedade) da ADPF.
2.2.2. Da admissibilidade de ADPF em face da discussão
constitucional sobre o referendo de 23/10/2005 em sede de ADINs, e da
respectiva fungibilidade
Tem-se, do antes exposto, que a
ADPF se constitui num procedimento apto a prover julgamento mais expedito,
senão sumário da defesa da Constituição, nos seus preceitos fundamentais, em
questões que revestem importância crucial, excepcional gravidade e solução
inadiável – atributos especialmente invocáveis, quando se arrasta discussão
constitucional, mesmo em forma de ADINs, sem solução descortinável no prazo
necessário para a prevenção ou reparação efetiva dos efeitos deletérios da
inconstitucionalidade argüida.
Neste tempo, já correm, na competência do sistema de
controle concentrado do STF, quatro ADINs, de nºs 2187, 3137, 3198, e 3263,
impugnando vários dispositivos legais do Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826/2003.
Corre, igualmente, no STF, a ADIN de nº 3535, impugnando: [a] em específico, o
art. 35 da Lei 10.826/2003; [b] por arrasto, o Decreto Legislativo nº 780/2005
do Congresso Nacional que autorizou; e [c] por aditamento, as resoluções do TSE
que regularam a realização do referendo de 23 de outubro de 2005.
Todas
essas cinco ADINs foram distribuídas e encontram-se eventualmente conclusas em
mãos do Relator, o Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Velloso. Este,
entretanto, vem de ser empossado em 15/04/2005, como Presidente do TSE,
tornando-se, desta feita e como signatário que é, das regras que disciplinam o
processo referendário sub judice e
administrador da sua realização, impedido de qualquer participação no
julgamento da matéria constitucional. Por integrarem a composição do mesmo TSE,
encontram-se igualmente impedidos de participar na decisão destas ADINs, os
Excelentíssimos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.
Todas
essas ADINs foram interpostas com pedido cautelar, em nenhum dos cinco casos
apreciado pelo Relator nos termos sumários do art. 10 da Lei 9.868/1999.
Foi-lhes dado o trâmite do art. 12 da mesma Lei que, na prática, representa a
fusão da questão cautelar no julgamento do mérito e, por conseqüência, a
conversão do julgamento abreviado da medida cautelar ao rito ordinário da ADIN.
Assim posta a discussão constitucional, não se
vislumbra por essa via procedimental a possibilidade de solução do litígio com
anterioridade à realização da consulta referendária. De um lado, resta impedido
o respectivo Relator de conduzir os processos a julgamento, pelo menos antes de
desincumbir-se da administração do referendo; de outro, o mesmo impedimento
atingindo três ministros que integram, em caráter efetivo, a composição do
pleno do TSE, constrangem ao seu limite o quorum legal previsto para o
julgamento de constitucionalidade (Lei 9.868/1999, art. 22). Basta, portanto, o
não comparecimento de um Ministro ao julgamento eventualmente aprazado, para
que se processe o efetivo bloqueio da votação.
Ocorre ademais que, afastado o julgamento antecipado
da medida cautelar, inexiste no rito
processual da ADIN, previsão legal para o deferimento liminar do pleito ou para
aprazar-se o respectivo julgamento em tempo hábil à prevenção dos efeitos deletérios
decorrentes da realização da consulta plebiscitária. Disso resulta
encontrar-se o Supremo Tribunal Federal, por conseqüência do encaminhamento até
aqui dado à discussão constitucional em realce, embretado no seu próprio curso
e assentado sobre o desperdício iminente e irrecuperável de R$ 600 milhões, a
conta do erário federal, que é o custo estimado de realização da consulta
referendária.
Nada mais eloqüente, pela sua relevância e urgência,
a sugerir in casu o temperamento
necessário do que dispõe a Lei 9.882/1999 no seu art. 4º, § 1º. Reconheça-se
aqui, parafraseando a lavra do ilustrado Ministro Cezar Peluso, que a própria
situação de gravidade financeira suplanta uma eventual necessidade de
divagações teóricas acerca do conteúdo normativo do princípio da
subsidiariedade na admissão de ADPF.
Mais incisivamente, a
jurisprudência da Excelsa Corte tem dado tempero ao critério da
subsidiariedade, em sede de um princípio mais substancial, que é o da
efetividade da respectiva prestação jurisdicional. Assim, ainda que a
controvérsia constitucional esteja instaurada no sistema de controle
concentrado do STF, se decorrer do modo como tramita e da fase do respectivo
processamento a inviabilização do resultado preventivo, preventivo da
respectiva lesividade, que está em realce na disciplina processual da ADPF,
caberá a respectiva admissão. É o que se depreende da lavra de Sua Excelência,
o Ministro Cezar Peluso:
“Da mesma forma, o princípio da subsidiariedade para o cabimento da ADPF não oferece obstáculo à presente ação. É que este SUPREMO vem entendendo que a subsidiariedade exigida pelo art. 4º, § 1º da L. 9.882/99 não pode ser interpretada com raciocínio linear e fechado. A subsidiariedade de que trata a legislação diz respeito a outro instrumento processual-constitucional que resolva a questão jurídica com a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude que a própria ADPF. Em se tratando de decisões judiciais, não seria possível o manejo de qualquer ação de nosso sistema de controle concentrado.” (DECISÃO: ADPF (Med. Liminar) 79-, Rel. Ministro Cezar Peluso)
No mesmo
sentido, o aresto de Sua Excelência o Ministro Celso de Mello:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (CF,
ART. 102, § 1º). AÇÃO ESPECIAL DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA
SUBSIDIARIEDADE (LEI Nº 9.882/99, ART. 4º, § 1º). EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO APTO
A NEUTRALIZAR A SITUAÇÃO DE LESIVIDADE QUE EMERGE DOS ATOS IMPUGNADOS.
INVIABILIDADE DA PRESENTE ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO. – O ajuizamento da ação
constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental rege-se
pelo princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), de tal modo
que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente
idôneo, apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do
ato impugnado. Precedentes: ADPF 3-CE, ADPF 12-DF e ADPF 13-SP. A mera possibilidade de utilização de
outros meios processuais, no entanto, não basta, só por si, para justificar a
invocação do princípio em questão, pois, para que esse postulado possa
legitimamente incidir, revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis
mostrem-se aptos a sanar, de modo eficaz e real, a situação de lesividade que
se busca neutralizar com o ajuizamento da ação constitucional de argüição de
descumprimento de preceito fundamental”. (ADPF n.º 17-AP60,
relator o Ministro Celso de Mello)
Nenhum obstáculo, por conseguinte, se poderia opor ao
ajuizamento de ADPF sobre a controvérsia constitucional instaurada em ADIN, em
cujo rito e estado do processo, não se vislumbra a possibilidade de se
produzirem os resultados efetivos que seriam exigíveis para o exame e a solução
tempestiva da matéria.
De outra feita, nenhum prejuízo poderia trazer aos
impetrantes, no foco da questão em realce neste Parecer, o eventual
entendimento, pela Corte Excelsa, que a matéria poderia ser mais bem resolvida,
e assim portanto tempestiva e efetivamente, em forma de ADIN. Bem ao contrário,
tal decisão implicaria na responsabilidade assumida, de dar-se andamento e
conseqüência à questão constitucional ajuizada, sob pena de cerceamento ao
princípio do acesso à Justiça. Nem o Supremo poderia, negando admissão à ADPF,
em razão da tramitação de ADIN, que versa sobre a mesma controvérsia
constitucional, recusar-se, em paralelo, a dar a esta o tratamento eficaz, que
se pretendera obter na via mais específica do controle constitucional
preventivo.
Parece-nos,
assim, que o manejo prudencial da ADPF pelo Pretório Excelso, nestas
circunstâncias, haveria de considerar, também, a natureza fungível destas duas vias do controle concentrado de
constitucionalidade.
A
argüição de lesão de preceito fundamental admite
a concessão de medida liminar,
nos termos do art. 5º e seus parágrafos da Lei 9.882/1999. De outro lado, e
significativamente, ao disciplinar o processamento da ação direta de
inconstitucionalidade, cuidou o legislador em admitir-lhe a concessão de medida
cautelar, com efeito erga omnes de
eficácia ex nunc. Mais do que isso, o legislador
reconhece formalmente, na forma do art. 12 da Lei 9.868/1999, ao relator da
ADIN, a prerrogativa de subsumi-la no rito da própria medida cautelar, o que
demarca bem claramente a importância, eventualmente, a predominância do
conteúdo cautelar nestas via de apreciação da controvérsia constitucional.
Com efeito, quando se trata de coibir e sancionar as
violações da constituição, dada a magnitude e a conseqüência dos seus efeitos
jurídicos, decorrem, geralmente, lesões imediatas e enormes. Seguindo a
distinção presente no Código de Processo Civil, e coerente com a natureza das
respectivas ações no controle de constitucionalidade, o legislador, quer nos
parecer, reservou à ADIN tratamento
possível de ação cautelar, enquanto dotou a ADPF das características próprias de um procedimento típico
de cognição sumária, de elevado potencial preventivo, antecipatório da
prestação jurisdicional, face à lesividade concreta dos atos de poder
submetidos ao seu controle.
É bem sabido que o Estatuto Processual, fonte
subsidiária da interpretação constitucional, já reconhece a fungibilidade dos
pedidos antecipatórios, vis a vis dos processos cautelares. Assim, dispõe o
CPC, art. 7º, § 3º. “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer
providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os
respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do
processo ajuizado.” Por lógica conseqüência e extensão, é nosso
parecer que, na ausência de regramento em contrário, pode o STF dar tratamento
e converter ao processamento de ADIN, se entender da existência dos respectivos
pressupostos e da melhor tramitação da matéria sob este rito, em pedido de
ADPF. Como enuncia a doutrina de CÂNDIDO DINAMARCO: “metodológicamente, a regra explícita da
fungibilidade tem o mérito de sugerir a visão unitária do grande gênero medidas urgentes, que é caminho aberto
para o enriquecimento da teoria das medidas antecipatórias...” [4]
Sob este prisma, partilhamos a convicção do eminente
professor de direito da USP, segundo a qual: “Não há
fungibilidade em mão única de direção.” [5] São em grande medida, os pressupostos processuais da
ADIN comuns com aqueles da ADPF; tendo esta, por suas características
específicas, abrangência cumulativa, mas de caráter mais restrito. Neste
sentido, até será possível tratar-se da constitucionalidade de um preceito
fundamental no sistema difuso em forma de ADIN; quando porém, a discussão
destes fundamentos tivesse relevância enorme e urgência máxima, caberia melhor
submete-lo, ainda que por via do instituto da fungibilidade, ao rito da
ADPF.
2.2.3. Da admissibilidade de argüição autônoma e exclusiva
de descumprimento de preceito fundamental, focando o referendo de 23 de outubro
de 2005, como ato de concreção do Poder Público
Interessa ao presente caso fixar a incidência de uma
última hipótese de admissibilidade de ADPF, particularmente talhada para
oferecer-lhe solução.
Sabe-se que o referendo mobilizará milhões de
brasileiros num ato, cuja realização lhes propõe e cuja formulação os predispõe
à violação direta de um preceito fundamental da institucionalidade democrática Isso acarreta, mesmo que inviabilizada a posteriori a pretensão deletéria,
prejuízo simbólico tão insidioso, quanto inestimável. Basta dizer que o
precedente abre espaço para vir a questionar-se em plebiscito ou referendo,
mais adiante, por exemplo, a proibição da propriedade privada, da liberdade de
expressão ou, para ser mais pontual e incisivo à sensibilidade do Juízo, a
legitimidade das prerrogativas funcionais da magistratura.
E se realizará a um custo multimilionário, cuja
previsão orçamentária é da casa dos R$ 240 milhões, mas cujos custos reais são
estimados em valor três vezes superior, atingindo a casa dos R$ 600 milhões.
Mas o que ainda é mais grave é que este custo resta totalmente supérfluo. Eis
que o mesmo referendo poderia se realizar a um custo residual ínfimo, se fosse
realizado em concomitância com as eleições nacionais, como ocorre em todas as
democracias avançadas – aliás, países ricos que, entretanto, não se dariam ao
luxo de jogar tão expressivo quantia do erário público na lata de lixo da
história.
Parece-nos, pois, neste tempo e condições, viável e
necessária, a interposição da argüição de descumprimento de preceito
fundamental, em processo autônomo, impugnante dos atos normativos que integram
a propositura, autorização e regulação do referendo de 23 de outubro. Tal
procedimento, ainda que corra conexo por seu objeto e incidente sobre a questão
constitucional irresolvida em sede das ADINs já distribuídas sobre essa matéria
constitucional, não poderá entretanto ser distribuído por dependência ao
respectivo relator, eis que será parte nesta impugnação o Egrégio Tribunal
Superior Eleitoral e, assim, presente, in
casu o impedimento do CPC, art. 134, inciso VI.
Sob estas condições, poderá o relator sorteado na
distribuição exercitar a prerrogativa heróica de, mediante decisão histórica de
transcendental significado, avocar-se a decisão liminar da matéria
constitucional, ainda que em decisão provisória e pontual, mas necessária para
a prevenção da lesão enorme, concedendo a suspensão do referendo, com
fundamento no que dispõe a Lei 9.882/1999, no seu art. 5º, §1º: “Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou
ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad
referendum do tribunal pleno.”
Na sua conseqüência mínima, essa
decisão promoveria uma economia de centenas de milhões de reais aos cofres
públicos e remeteria para outro contexto político parlamentar – já expurgado do
descrédito do processo legislativo que presidiu a votação do Estatuto do
Desarmamento – a tramitação de nova decisão sobre a eventual convocação do
referendo. Hipótese remota, esta, eis que, ao que tudo indica, se teria
assegurado por esta via o tempo necessário para o processamento do mérito,
sobre a matéria constitucional implicada na decisão referendária, de sorte a
prevenir-se a renovação da sua convocação pelo Legislativo nos mesmos e
inaceitáveis termos.
RAZÕES DE MÉRITO
A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO CONTRA A FRAUDE POLÍTICA, A
LESÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A IRRESPONSABILIDADE GESTIONÁRIA
“Cautela, senhores: não
se pode enganar muita gente por longo tempo com tamanha desfaçatez. Somos um
país pouco desenvolvido, com muita gente ainda desinformada e por isso
facilmente manobrada, mas somos um povo honrado. E os honrados podem se
manifestar e agir, na indignação da integridade – privilégio de poucos.” (LUFT, Lya: “A República
do rabo preso”. Veja, São Paulo, Editora Abril, edição 1917, ano 38, nº 32, 10
de agosto de 2005.)
II – DOS FATOS E DE COMO ELES SÃO
MANIPULADOS NAS ESTATÍSTICAS QUE
SUSTENTAM A PROIBIÇÃO REFERENDÁRIA
Não se tem conhecimento, na história vivida da
política brasileira, de mais escandalosa manipulação estatística e retórica, a
retirar dos fatos conclusões espúrias, como aquela que tenta embasar a campanha
nacional pela aprovação do Estatuto do Desarmamento.
3.
Os argumentos e os números da mortalidade por arma de
fogo
Os argumentos e os números, que ora são jogados ao
consumo acrítico da opinião pública, desrespeitam quaisquer cânones
científicos, e conseguem tirar conclusões absolutamente contraditórias dos
próprios fatos que apresentam.
Primeiro, porque neste país não existem estatísticas
minimamente confiáveis, e muito menos comparáveis, sobre a violência e a
criminalidade. O número de ocorrências registradas é residual, os registros são
falhos, a investigação é ínfima, e os seus resultados se perdem no tempo e no
emaranhado da processualística criminal. Segundo, porque o seu resgate pela
pesquisa é difícil, ocasional e, tanto quanto tenho conhecimento, não oferece
suporte à formação de políticas públicas específicas e consistentes, como é o
caso das que referem o controle de armas. Por isso mesmo, a política de
segurança pública no Brasil ainda é, e continuará sendo, pelo menos, até que
sua base informacional seja trabalhada, de forma responsável e transparente,
muito pouco ‘científica’. Terceiro, porque os estudos que ora estão sendo
produzidos, no afã de demonstrar os resultados positivos da política
desarmamentista capitaneada pelo Ministério da Justiça, são intelectualmente
inidôneos, além de metodologicamente toscos e insuscetíveis de apresentar
resultados confiáveis, na sustentação das suas próprias conclusões.
Isso não significa que não se possa formular e
adotar, neste País, uma política de segurança honesta, conseqüente e eficaz
para os fins a que se destina. Basta para isso que se trabalhe, sobre a
precariedade dos dados disponíveis, uma adequada e consistente mediação de
princípios transparentes a condutas desejadas. O que, entretanto, não pode
acontecer, é que se joguem números e informações inconsistentes, até porque
contraditórios entre si, na fundamentação de decisões temerárias,
inconseqüentes e funestas – pior ainda, em flagrante violação do direito mais
fundamental da pessoa, que é a legítima defesa da vida.
3.1.
Macro-estatísticas comparadas da mortalidade por arma
de fogo no Brasil e Estados Unidos.
Não cabe aqui, fazer um inventário da produção
pseudo-científica, que hoje compromete a credibilidade intelectual das
instituições acadêmicas, das ONGs e das instituições oficiais, que promovem a
campanha pelo desarmamento civil. Mas não é possível conduzir-se este debate,
em foros de seriedade, a um termo de conclusão, sem referir e cobrar resposta
desta militância para alguns dados circunstanciais.
Ao tempo em que se discutia no Congresso Nacional o
projeto do Estatuto do Desarmamento, estimativas bastante intuitivas, mas
genericamente aceitas, davam conta da existência de cerca de 20 milhões de
armas em mãos de civis no Brasil (com 180 milhões de habitantes) e 240 milhões
de armas nos Estados Unidos (para uma população de 270 milhões). Grosso modo,
isso significa um índice de 0,11
armas por habitante no Brasil e de 0,88 nos Estados Unidos – uma proporção,
portanto, de 1 para 8. De outro
lado, informações produzidas – e, portanto, supostamente aceitas – pelo próprio
lobby do desarmamento, no coração do poder, o Ministério da Justiça, situam a taxa de homicídios no Brasil,
como cerca de cinco vezes superior à dos Estados Unidos[6].
Especializando-se esta análise, no estudo da
população jovem vitimizada por armas de fogo, o ISER (Instituto de Estudos
Superiores de Religião), em pesquisa elaborada por Luke Dowdney, reconhece que
a diferença entre as respectivas taxas de mortalidade é de aproximadamente 1
morador de Nova York para 8 residentes no Estado do Rio de Janeiro (por cem mil
habitantes).
Tabela 1. TAXA DE MORTALIDADE POR ARMA DE FOGO
(MORTES
POR 100 MIL HABITANTES, EM 1999).
LOCAIS
|
IDADES
|
||
MENORES DE 18 ANOS
|
ENTRE 15 E 17 ANOS
|
SUBTOTAL
|
|
Rio de
Janeiro (Estado)
|
12,8
|
61,8
|
74,6
|
Califórnia (EUA)
|
2,4
|
11,9
|
14,3
|
Washington (EUA)
|
1,9
|
7,7
|
9,6
|
Nova York (EUA)
|
1,5
|
8
|
9,5
|
Proporção: RJ/NY
|
853,3%
|
772,5%
|
785,2%
|
Fonte: Zero Hora – 10/09/2002
Qualquer cidadão atento, ante as afirmativas do
lobby do desarmamento, haveria de se perguntar o óbvio: como explicar-se
que, no Brasil, que tem oito vezes menos armas que os Estados Unidos, a taxa de
homicídios seja cinco vezes superior, e as taxas de mortes entre jovens por
armas de fogo cheguem a ser cerca de oito vezes maiores. Numa tabela de
contingência esta correlação, de ‘–8’ e ‘+8’ , tem significância plena e sugere causalidade
absoluta. Isso que traduzido em
linguagem corrente significa, grosso modo,
100% de certeza estatística para a hipótese de uma associação causal, mas entre
o maior número de armas e o menor número de homicídios por arma de fogo.
Não desconhecemos das dificuldades metodológicas
envolvidas nesta relação linear e simplista. O Brasil é diferente dos Estados
Unidos, outros fatores podem estar influindo nesta relação, de sorte que a sua
força causal, na realidade, talvez não seja tão acentuada. De outro lado, esta
aparente regularidade numérica, poderia estar sinalizando uma relação espúria –
vindo a demonstrar-se, por exemplo, um epifenômeno da desigualdade
socioeconômica entre os dois países. Se considerarmos, o tamanho da renda média
nos Estados Unidos e no Brasil, confrontado às respectivas taxas de homicídio e
mortes por armas de fogo, poderíamos eventualmente encontrar correlações
estatísticas quase idênticas. O que
estaria, entretanto e tão simplesmente, demonstrando a irrelevância do número
de armas na vitimização da população civil.
Não imaginamos, entretanto, como se poderia validar
estatisticamente a hipótese contrária, que sustenta a campanha do desarmamento.
Guardadas as proporções, uma contraprova, com os mesmos índices de significação
e correlação estatística, implicaria que o número de mortes por arma de fogo,
entre os 15 e 18 anos, em Nova York se elevasse de 9,5 por cem mil, para cerca
de 590 – ou seja, que aproximadamente 111 mil jovens nova-iorquinos fossem
mortos anualmente por armas de fogo, ao invés dos atuais 1,8 mil. De qualquer
forma, o ônus desta contraprova incumbe aos formuladores da hipótese fática,
que a realidade falsifica.
Quando se transita desses dados de amplitude
regional, para uma análise mais detalhada dos índices nacionais, essa análise
se confirma e de forma ainda mais espetacular.
Recente estudo oficial do
Ministério da Saúde[7],
destinado oferecer suporte à política oficial do desarmamento compulsório,
permite a montagem de quadros estatísticos sobre a mortalidade por causas
externas – entre as quais a provocada por projéteis de arma de fogo (PAF) – no
Brasil, como seguem:
Tabela 2. Brasil 2002: Mortes por causas externas
MORTES POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS
NO BRASIL /2002
|
MORTES POR ARMA DE
FOGO (PAF)
|
MORTES POR OUTRAS
CAUSAS EXTERNAS
|
TOTAIS
|
Homicídios
|
34.279
|
22.516
|
56.795
|
Suicídios
|
1.371
|
6.355
|
7.726
|
Intencionalidade Desconhecida +
Acidentes
|
2.438**
|
59.591*
|
62.029
|
TOTAIS
|
38.088
|
88.462
|
126.550
|
*Acidentes de
Trânsito = 32.776; **Acidentes PAF = 305
(0,2% do total geral)
Fonte: Ministério
da Saúde, op. cit. nota 10
Tabela 3. Brasil 2002: Índice de mortes por 100.000 habitantes
MORTES
POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS NO BRASIL /2002
|
MORTES POR ARMA DE FOGO (PAF)
|
MORTES POR OUTRAS CAUSAS EXTERNAS
|
TOTAIS
|
|
Homicídios
|
19,97
|
13,12
|
33,08
|
|
Suicídios
|
0,80
|
3,70
|
4,50
|
|
Intencionalidade
Desconhecida + Acidentes
|
1,41
|
34,71
|
36,13
|
|
TOTAIS
|
22,19
|
51,53
|
73,72
|
Base: População do Brasil, 171.667.536 habitantes (PNAD
2002)
Informações disponíveis no site da National Safety Council
(NSC-Org) dos Estados Unidos, tornou possível a visualização das estatísticas
comparáveis – considerando-se o mesmo ano e as mesmas variáveis – da sociedade
americana, como seguem:
Tabela 4. Estados Unidos 2002: Mortes por causas externas
MORTES POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS
NOS USA /2002
|
MORTES POR ARMA DE
FOGO (PAF)
|
MORTES POR OUTRAS
CAUSAS EXTERNAS
|
TOTAIS
|
Homicídios = assalto + Int. Legal
|
12.129
|
5.893
|
18.022
|
Suicídios
|
17.108
|
14.547
|
31.655
|
Intencionalidade Desconhecida +
Acidentes
|
762**
|
114.192**
|
113.673
|
TOTAIS
|
29.999
|
134.632
|
164.112
|
* Acidentes de
trânsito = 48.366; **Acidentes PAF = 243
(0,1% do total geral)
Tabela 5. Estados Unidos 2002: Índice de mortes por 100.000 habitantes
MORTES
POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS NOS USA /2002
|
MORTES POR ARMA DE FOGO (PAF)
|
MORTES POR OUTRAS CAUSAS EXTERNAS
|
TOTAIS
|
|
Homicídios
= assalto + Int. Legal
|
4,21
|
2,05
|
6,26
|
|
Suicídios
|
5,94
|
5,05
|
10,99
|
|
Intencionalidade
Desconhecida + Acidentes
|
0,26
|
39,66
|
39,48
|
|
TOTAIS
|
10,42
|
46,76
|
56,99
|
Base: População dos
Estados Unidos, 287.941.220 habitantes [NSC-ORG, 2002]
Uma síntese comparativa destes dados transnacionais é
sobremodo ilustrativa. Subtraindo-se, os índices de mortalidade nos Estados
Unidos, daqueles que ocorrem no Brasil, o resultado permite visualizar, entre
os nacionais dos dois países vitimados por causalidades externas, como e quantos
brasileiros morrem a mais, ou a menos que os norte-americanos.
Tabela 6. Comparação dos indicadores do Brasil em relação aos EUA
MORTES
POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS NO BRASIL /2002
|
MORTES POR ARMA DE FOGO (PAF)
|
MORTES POR OUTRAS CAUSAS EXTERNAS
|
TOTAIS
|
|||
1:100.000
|
%
|
1:100.000
|
%
|
1:100.00
|
%
|
|
Homicídios
|
15,76
|
474,3%
|
11,07
|
640%
|
26,83
|
528%
|
Suicídios
|
-5,14
|
13,5%
|
-1,35
|
73%
|
-6,49
|
41%
|
Intencionalidade
Desconhecida + Acidentes
|
1,15
|
542,3%
|
-4,95
|
88%
|
-3,34
|
92%
|
TOTAIS
|
11,77
|
213,0%
|
4,77
|
110%
|
16,73
|
129%
|
Base: dados agregados
das Tabelas 2 a 5 deste Parecer.
Dessa
comparação sintética, lê-se que os brasileiros se suicidam menos e morrem menos
de causas acidentais e de intencionalidade desconhecida que os
norte-americanos. Por outro lado, genericamente, os brasileiros morrem mais de
causas externas, e estas mortes se devem aos índices mais elevados de
mortalidade por efeito de armas de fogo (213% em relação aos índices
americanos) e especialmente em razão dos homicídios por arma de fogo (473% em
relação aos índices americanos).
Sabendo-se,
de outro lado que, para cada arma leve existente no Brasil existem pelo menos
doze nos Estados Unidos, e, grosso modo, para cada lar brasileiro armado,
existem pelo menos três nos Estados Unidos, das duas uma: ou se descarta completamente
a influência do número de armas em poder da população civil como determinante
dos índices de criminalidade e mortalidade por arma de fogo; ou se reconhece a
determinação inversa, qual seja que estes índices diminuem pela disseminação
das armas.[8]
3.2.
A fraude do desarmamento compulsório em escala
internacional
O
discurso e a campanha desarmamentista no Brasil são recheados de de
contradições. Uma delas é que, para os mais desavisados, que não buscam a
confirmação das informações disseminadas por esta militância, nos sites
especializados da internet, são referenciadas dezenas de estudos que
supostamente corroborariam as suas pretensões. Ao se aprofundar a leitura
destes estudos e a análise desses dados, o resultado, não obstante, pode ser
muito diferente.
É o
caso do projeto da Brookings Institution, conhecido “think thank” de
Washington, arrolado no site www.desarmamento.org,
mantido pela Fundação Viva Rio, onde vamos encontrar, num debate metodológico
ainda inconcluso, as razões estatísticas que autorizam uma conclusão sobre as
razões pelas quais, ao longo dos últimos 20 anos a taxa de homicídios e crimes
violentos nos Estados Unidos é decrescente. David Mustard[9],
demonstra, pela curva estatística do antes e depois de um tempo zero, onde
foram adotadas leis permissivas ao porte discreto de armas por cidadãos
honestos, como essa modalidade de circulação armada afetou as taxas de roubo,
assalto, seqüestro e homicídio. Segue o quadro estatístico:
Uma
outra tática diversionista no discurso desarmamentista é a de recorrer ao
exemplo das nações que, nos anos 90 do século XX adotaram legislação fortemente
desarmamentista. Os casos mais
citados, como se foram exemplos bem sucedidos do desarmamento compulsório, são
os da Inglaterra, Austrália e Canadá.[10]
Pela sua relevância no debate nacional, é importante desmascarar a
desinformação, senão a fraude, que acompanha os esforços do governo brasileiro
para validar, a qualquer custo e por qualquer meio, o desarmamento compulsório
da cidadania brasileira.
Pesquisa comparada, publicada em Toronto em 2003, e
revisada em 2005, pelo Fraser Institute, qualifica como frustrados os
experimentos de controle de armas na Inglaterra, Austrália e Canadá, e publica
os dados que desmentem o pretenso sucesso e exemplaridade do desarmamento
nestes países. Vejamos inicialmente o que aconteceu no Canadá que adotou
rigorosa legislação de controle de armas em 1991 e em 1995, e lançou-se numa
custosa campanha de desarmamento da sua população civil, sustentada pelo
aparente sucesso do controle de armas. A falácia estatística dessa avaliação
foi agora demonstrada:
“O governo
canadense usou a queda das taxas de homicídio e a queda das taxas de crimes
violentos para sustentar a pretensão de que as leis restritivas das armas de
fogo estavam operando a redução da violência criminal. Infelizmente para esse argumento, a taxa de homicídios estava caindo
tão ou mais depressa nos Estados Unidos (figura 11), onde durante a mesma linha
de tempo, mais de 25 estados introduziram leis de armas de fogo menos
restritivas (NT: right-to-carry laws - leis de porte permitido). A taxa
de homicídio nos Estados Unidos caiu de 10.5 por 100.000 em 1991 para 6.1 por
100.000, enquanto a taxa canadense caiu de 2.7 por 100.000 para 1.8.
O contraste entre a taxa
de violência criminal nos Estados Unidos e a do Canadá é ainda mais dramático
(figura 12). Ao longo da década passada a taxa canadense de violência criminal
esteve basicamente estável, nos Estados Unidos no mesmo período de tempo, a
taxa de crimes violentos baixou de 600 para 100.000 para 500 por 100.000.” (MAUSER, Gary A: The
Failed Experiment. Gun Control and Public
Safety in Canada, Australia, England and Wales. PUBLIC POLICY SOURCES. A FRASER
INSTITUTE OCCASIONAL PAPER. Number 71 / November 2003, p.15.
Nossa tradução.)
É o que demonstram os quadros de Gary MAUSER[11],
a seguir:
A situação não foi
diferente na Inglaterra, onde por vinte anos se aprofundaram políticas de
controle, até de todas as armas leves em 1997.
As conclusões de MAUSER, sobre essa trajetória são contundentes: verbis –
“Infelizmente, essa regulação draconiana das armas de
fogo falhou totalmente. O público não está mais seguro e pode estar
menos seguro. As estatísticas policiais mostram que a Inglaterra e o País de
Gales estão vivenciando uma séria onda de crimes. Em contraste com o densamente
armado Estados Únicos, onde os homicídios tem caído ao longo de vinte anos, as taxas de homicídio na Inglaterra que
baniu as armas leves estão crescendo. Nos 1990s apenas, a taxa de homicídios
cresceu 50%, subindo de 10 por milhão em 1990 para 15 por milhão em 2000.
As estatísticas policiais mostram que o crime violento em geral cresceu desde os anos 1980 e, de fato,
desde 1996 está mais grave que nos Estados Unidos.” (MAUSER, Gary A: op. cit. p. 3. Nossa
tradução.)
Essa
avaliação é, a seguir, estatisticamente demonstrada[12]:
Também na Austrália, os
resultados da campanha desarmamentista são semelhantes, tanto no que refere ao
alto custo do investimento público, como no que refere à sua ineficácia na
solução do problema da criminalidade:
“Seguindo-se
a chocantes assassinatos em 1996, o governo australiano promoveu drásticas
mudanças na legislação das armas de fogo em 1997. Infelizmente essas regulações recentes não tornaram
as ruas da Austrália mais seguras. A taxa total de homicídios, depois de
manter-se basicamente constante de 1995 a 2001, começou agora a
crescer novamente. O declínio da taxa de
homicídios nos Estados Unidos permissivo às armas, contradiz a tendência que se
verificou na Austrália. (...)
Enquanto o crime violente
está decrescendo nos Estados Unidos, está crescendo na Austrália. Nos últimos seis anos, a taxa global de crime violento na
Austrália tem crescimento contínuo.
As taxas de roubo e roubo armado continuam a crescer. O roubo armado cresceu
166% em âmbito nacional.” (MAUSER,
Gary A: op. cit. p. 3/4. Nossa tradução.)
Seguem as
séries temporais que demonstram essa conclusão:[13]
Esses fracassos são ainda mais
retumbantes quando se levam em conta os respectivos custos. A fraude
desarmamentista no Canadá conseguiu a um custo bilionário, em dez anos
ultrapassar as taxas de homicídio registradas pelo vizinho, e bem armado,
Estados Unidos:
“O experimento canadense com a regulação de armas de fogo
está se demonstrando uma farsa. O esforço para registrar todas as armas, que
foi originalmente orçado em apenas $
2 milhões (NT: dólares canadenses),
está agora sendo estimado pelo
Auditor Geral num patamar de $ 1 bilhão. Os custos finais são
desconhecidos mas, se os custos de execução compulsória forem incluídos, o custo total chegará facilmente a $ 3
bilhões.” (MAUSER, Gary A:
op. cit. p. 3. Nossa tradução.)
Na Austrália, onde foram
confiscadas 640.381 armas, o desperdício custou centenas de milhões de dólares:
“O
confisco e a destruição de armas legais custou aos contribuintes australianos
pelo menos $ 500 milhões. Os custos dos serviços policiais burocráticos, inclusive a
implantação de um sistema sofisticado
de infra-estrutura para o registro de armas, chegou a $ 200 milhões desde 1997.
E para que? Não há nenhum impacto visível sobre o crime violento. Com esta
quantidade de dinheiro público, a polícia poderia ter comprado mais carros de
patrulha, reduzido o tempo dos seus deslocamentos, ou talvez adquirido melhor
equipamento. É de pensar quantas vidas teriam sido salvas!” (MAUSER, Gary A:
op. cit. p. 3/4. Nossa tradução.)
Os defensores do desarmamento
compulsório são freqüentemente confrontados com essas evidências. E, na mesma
freqüência, tratam de contorná-las mediante explicações ad hoc, as quais atentam, tão somente, contra a idoneidade do seu
discurso. Exemplo disso são as alegações imprecisas e enviesadas, com que
manipulam a experiência dos países que adotaram no século XX, políticas de
controle e proibição ao uso de armas:
[a] Seus exemplos excluem sempre a experiência dos
regimes que desarmaram populações civis, para submetê-las ao genocídio;
[b] Seus exemplos confundem propositadamente
políticas de “controle”, com a “proibição” total da propriedade e porte de
armas, como se fossem a mesma coisa, ou estágios de uma mesma e linear
orientação política; com isso utilizam, de forma desonesta, resultados
eventualmente alcançados pelo estabelecimento de meros controles burocráticos (sobre
cuja adoção em bases razoáveis ninguém parece discordar no Brasil), para
justificar a proibição geral do acesso aos meios de defesa (que violam o
direito natural dos povos e a Constituição brasileira e são objeto de total
repúdio por segmentos representativos da nossa sociedade);
[c] Seus exemplos desconsideram o passado e o
presente das sociedades que utilizam como paradigmas; isolam pequenos períodos
de tempo em que, por quaisquer motivos tenha ocorrido decréscimo em taxas de
criminalidade, e basicamente sonegam informações sobre o aumento da
criminalidade em sociedades que adotaram controles mais rígidos (a
desrecomendar o exemplo, como ocorreu no Canadá, Inglaterra e Austrália)[14].
3.3.
A contradição dos pressupostos do desarmamento
compulsório no Brasil, segundo as estatísticas produzidas pelos seus promotores
Já agora, quando se apresta o debate sobre o
referendo, estatísticas do mesmo ISER, em associação com a Fundação Viva Rio,
entidades envolvidas em militância ativa na campanha nacional pela proibição da
comercialização de armas no Brasil, com apoio de instituições oficiais e sob
sólido financiamento estrangeiro, liberam informações que tornam ainda mais
gritantes aqueles números e mais conseqüente a sua análise.
Pelo seu compromisso político em favor do
desarmamento, estas fontes de pesquisa e informação tornam-se insuspeitas em
nossa análise. E, de acordo com elas, não são mais 20 milhões de armas civis
que existem no Brasil. Somado, todo o nosso estoque de armas, inclusive
militares, chegaria ao número de 17.010.941. Dessas, apenas 50% seriam armas
legais. Vejamos, a seguir, com mais
detalhe, o que dizem os dados coletados e publicados pelos pesquisadores do
“Projeto de Controle de Armas de Fogo do Viva Rio/ISER”[15]:
Uma
primeira informação relevante[16]
nos informa que 50% das 17.010.941 armas supostamente existentes no Brasil
seriam legais. Posto que, é totalmente subjetiva e sem qualquer controle de
confiabilidade, a estimativa das armas ilegais e informais; e que é
provavelmente subestimado, até por razões de segurança nacional, o volume do
arsenal policial e militar; tem-se por provável que essa proporção seja
totalmente superestimada.[17]
Isso que, obviamente, confortaria os interesses comprometidos na política do
desarmamento. Não obstante, na condição
de ‘advogados do diabo’, aceitemos o número mágico: 8.518.084 armas legais no
Brasil.
Destas,
4.441.765, ou mais especificamente 26.11% do total de armas existentes,
supostamente, se encontram, segundo os pesquisadores do Viva Rio/ISER[18],
em mãos de indivíduos civis não criminosos – aqueles sobre cujo estatuto de
posse e propriedade se volta a política do desarmamento.
Vejamos, agora, qual a eficácia da realização do
plebiscito para a consecução deste objetivo, qual seja, desarmar, efetivamente,
a população civil não criminosa deste país? O dado mais relevante para a
resposta dessa pergunta, é saber, quantas armas são vendidas por ano no Brasil,
informação que os autores deste estudo disponibilizam com base em informações
fornecidas pelo Anuário Estatístico do Exército,[19]
a seguir visualizadas.
Verifica-se, neste quadro estatístico que, em 2003,
foram vendidas 14.318 armas no Brasil. Como a curva, após a aprovação do
Estatuto do Desarmamento tende a manter-se estável ou decrescer, esta é uma estimativa
possível do número de armas que serão vendidas no ano que se intercala entre a
consulta referendaria de 2005 e o processo eleitoral de 2006.
Nem todas essas armas, entretanto, fluíram para essa
categoria especial de cidadãos não criminosos, sobre a qual pesa a tentativa de
proibição discriminatória da comercialização de armas e munições, que é objeto
da consulta referendária. Com efeito, do estoque de 8.518.084 armas legais no
Brasil, à exceção das armas de uso restrito das forças armadas contabilizadas
no estudo em realce, 6.754.951 constituiria a parcela do mercado abastecida
pela venda anual de armas de fogo de uso permitido, figurada no gráfico da
ANEEX supra, de cujo montante os indivíduos civis não criminosos detêm 65,76%
do estoque. Pode-se assim, estimar, em 9.416 o número de armas que seriam
proibidas de serem comercializadas no período intercalar das duas votações,
referendária e eleitoral.
Isso significa que, tomando-se por base a estimativa
de custo do referendo em R$ 600 milhões, a União despenderá a significativa
quantia de R$ 65.602,44 (sessenta e cinco mil e seiscentos e dois reais e
quarenta e quatro centavos) para proibir a venda de cada arma que estará,
assim, retirando das mãos de civis não criminosos neste período. E com isso se
estará reduzindo em cerca de modestos 0,1% o estoque de armas legais[20],
ou em 0,05% o estoque total de armas no Brasil[21],
ao custo de se condenar a cidadania indefesa à mercê da bandidagem irreprimida
e impune.[22]
3.4.
A manipulação dos fatos no discurso oficial do
governo brasileiro
Outro
equívoco essencial, que denuncia a falta de pruridos na manipulação dos fatos
pelas autoridades, confessadamente interessadas na passagem da proibição
referendária, é a combinação de duas premissas falsas:
[1]
A direta inferência do sucesso da campanha nacional do desarmamento voluntário,
em sede de estatísticas oficiais que estariam mostrando queda no número de
mortes por armas de fogo no Brasil em 2004; e
[2] A confusão subliminar que passam, entre a
natureza dessa campanha – que se propõe recolher armas inúteis, das mãos de
pessoas que não se dispõem a fazer uso – e o que está efetivamente em jogo na
proibição referendária.
Como se verá, a seguir, nenhuma destas duas falácias
permitem justificar a inviabilização do direito à legítima defesa, por parte de
pessoas que se sentem objetivamente em situação de risco no estado atual da
sociedade brasileira, e se dispõem a fazer uso das armas legais, para a
preservação da sua própria vida e a dos seus familiares e, porque não, dos seus
bens, quando ameaçados pela criminalidade armada.
O clima de festa em que, os Ministros da Saúde e da
Justiça, divulgaram no dia 02/09/2005 o resultado positivo da campanha do
desarmamento voluntário, e as ilações diretas e indiretas que retiraram deste,
para os efeitos da campanha pelo desarmamento compulsório já em curso no
Brasil, são sintomáticos da desconexão de causas e efeitos e da ocultação das
intenções que alimentam a violação de direitos aqui denunciada.
Dados do Ministério da Saúde demonstram, nesta data,
que o número de mortes por arma de fogo teve a sua primeira queda, em 13 anos,
em 2004. Teria ocorrido uma redução de 3.234 mortes naquele ano. E isso foi
atribuído, pelas autoridades governamentais, em caráter decisivo à campanha do desarmamento voluntário[23],
e promovido de sorte a influenciar, pelo peso dos números, o resultado da
consulta referendária.[24]
Quando se examina com maior vagar
e espírito crítico a origem destas informações, nada autoriza essa conclusão.[25]
Com efeito, os dados do Ministério da
Saúde apontam que uma diminuição equivalente a 1.160 casos, ou 60% desta
redução na taxa de mortalidade, está concentrada no Estado de São Paulo. E a
primeira informação que se confronta às conclusões Ministeriais é que lá, a
redução nos homicídios dolosos vem decrescendo cumulativamente desde 1999.
Mesmo no ano de 2004, a tendência de redução na taxa de homicídios, já se
verifica desde os dois primeiros trimestres, quando a campanha pelo
desarmamento voluntário sequer houvera iniciado. É o que demonstram as
estatísticas oficiais da Secretaria da Segurança Pública – SP:[26]
“HOMICÍDIOS
Nos casos
de homicídio registrados no Estado, comparando o 2º trimestre de 2004 com igual
período em 2005, a queda é de -23%, com 536 ocorrências a menos. No período
de janeiro a junho de 2004, com o mesmo semestre deste ano a redução é de -15%,
com 686 ocorrências a menos.
O gráfico
abaixo mostra que do 2° trimestre de 2002 até o 2º trimestre de 2005, a queda nos homicídios é de -40%, com 1.212 casos a menos.”
Uma coisa é uma coisa, outra
coisa é outra coisa:
[b] Que as restrições impostas à circulação das armas
de fogo pelo Estatuto do Desarmamento possam igualmente, e até com alguma
significação estatística, estar influenciando esta a queda da mortalidade por
armas de fogo, é possível e provável. Que estes resultados sejam devidos às
restrições impostas à cidadania, e não meramente decorrentes do aumento da pena
e da inafiançabilidade do crime de porte de armas ilegais, ninguém pode afirmar
em cima das informações disponíveis.
Confundir esses fatos, para deles tirar
uma conclusão precipitada, é intelectualmente desonesto e só pode servir como
um factóide político, à justificação de uma intencionalidade obscura que
objetiva a qualquer preço – inclusive pela ocultação da verdade – a sujeição da
cidadania.
Com certeza, o Estado de São
Paulo é o que mais cedo e consistentemente vem adotando uma política articulada
de segurança pública. As análises oficiais da Secretaria de Segurança paulista
destoam da precária e claramente enviesada produção estatística que orienta a
formulação da política nacional de segurança. Em estudo que prima pela
compreensividade conceitual, consistência das informações, sofisticação
metodológica e rigorosa confiabilidade estatística, as conclusões desmentem o
ufanismo irresponsável da propaganda oficial do governo federal: verbis -
“Depois de um crescimento contínuo desde meados dos anos 90, os homicídios dolosos no Estado de São
Paulo começaram a declinar a partir de 1999. Nos últimos cinco anos a taxa de homicídios no Estado de São Paulo
caiu 37%, diminuindo de 35,7 em 1999 para 22,5:100 mil habitantes no
ano passado. Embora muitos não tenham se dado conta, a magnitude e a rapidez da
queda colocam São Paulo no mesmo patamar de conhecidos casos de sucesso da literatura criminal internacional,
como Nova Iorque, Cali ou Bogotá. Em
Nova Iorque os homicídios tiveram uma impressionante redução de 66% num período
de sete anos. Na cidade da Cali – para tomar um exemplo mais próximo –
as taxas de homicídios caíram um quarto em nove anos e em Bogotá caíram de 80
para 23:100 mil no mesmo período.” (... p.10)
O mais
provável é que políticas especificamente de segurança, atuando homogeneamente
em âmbito estadual, tenham sido as principais responsáveis pela drástica queda
dos homicídios em São Paulo em apenas cinco anos, enquanto os homicídios estão crescendo em Minas Gerais e
caindo ligeiramente no Rio de Janeiro no mesmo período.
Trata-se de um processo relativamente recente e
pouco documentado, de modo que é arriscado chegar a conclusões definitivas a
esta altura; nos EUA ainda hoje se
discutem as causas da redução generalizada da criminalidade no país na década
passada: crescimento econômico, tolerância zero, legalização do aborto,
crescimento da população prisional, mudanças demográficas, estabilização do
mercado de drogas, inúmeras hipóteses foram aventadas para tentar
explicar o fenômeno.
Em linhas gerais, o que se pode avançar sobre o
tema é que não se trata nem de fenômeno nacional nem de processo exclusivo de
São Paulo. As maiores reduções ocorreram nas cidades maiores e, dentro da
Capital, a queda foi generalizada em diversos tipos de bairros e tipos de
local.
Não houve necessariamente uma diminuição no grau
de violência da sociedade, mas antes uma diminuição no grau de letalidade desta
violência, provavelmente derivada da redução do estoque de armas de fogo em
circulação. Mudanças macro-sociais como a elevação da qualidade de vida no
Estado, a diminuição dos . uxos migratórios e a diminuição dos jovens de 10 a 19 anos na composição demográfica da população podem ter
desempenhado algum papel no processo.
No campo das políticas
públicas, para ficar apenas no âmbito da repressão, além da restrição às armas
e do aumento rápido das taxas de encarceramento, a implementação da Lei Seca em
diversos municípios da Região Metropolitana, a ênfase policial na captura e
aprisionamento de homicidas perigosos e no combate ao trá. co de entorpecentes,
desempenharam certamente algum papel para a obtenção deste resultado.” (KAHN Túlio e ZANETIC
André: Papel dos Municípios na
Segurança Pública Estudos Criminológicos 4, Julho 2005, p.24 - in www.seguranca.sp.gov.br/estatisticas/graficos200404/manual_estudos_
criminologicos_4.pdf)
Destes
fatos, interessa ao foco deste Parecer, clarificar que não existem, nem no
sistema estatístico da Secretaria de Segurança de São Paulo, que é o mais
avançado do Brasil, elementos de informação que permitam concluir que a redução
nas taxas de mortalidade por armas de fogo (em especial a de homicídios) foi
devida, e em que proporção: [i] às restrições draconianas do porte e da taxação
confiscatória sobre a renovação do registro de propriedade das armas legais
(que é uma violência aos direitos individuais); ou, [ii] à elevação da pena e
ao caráter inafiançável do porte das armas ilegais (que é absolutamente
legítima e ninguém, em sã consciência discorda).
Com efeito, as
informações que sustentam a política criminal posta em execução pelo governo
federal não permitem conclusão idônea, sobre que parcela dos resultados obtidos
se deve ao desarmamento compulsório, e sobre que parcela é devida ao
desarmamento voluntário. Não permitem concluir que parcela destes resultados é
devida às chamadas políticas de desarmamento e cultura da paz, ou a outros
fatores incidentes, como: a redução da ingestão alcoólica pela população
(constatada no Estado de São Paulo); a integração das comunidades religiosas no
combate ao alcoolismo e drogadiçãoo; o reforço da repressão policial; a criação
das guardas municipais; e, a conscientização e cobrança da cidadania sobre o
Poder Público da prioridade da política de segurança.[27]
É, também, importante esclarecer-se que a retirada de
443 mil armas de circulação na Campanha do Desarmamento Voluntário haveria de
ter algum impacto na redução dos acidentes com armas de fogo. Isso parece
óbvio. Mas, em termos absolutos, esse impacto foi mínimo, e não se representa
sequer na alteração do percentual das mortes acidentais no mencionado estudo do
Ministério da Saúde, que as situa na faixa de 1% nos três últimos anos.
Do exposto,
resulta muito provavelmente, que o mesmo efeito positivo até agora alcançado,
na redução do índice de mortalidade por arma de fogo no Brasil, e talvez até
com muito maior consistência e intensidade, seria alcançado mesmo sem a
parafernália diversionista da chamada “campanha do desarmamento” Especialmente,
se o Estatuto do Desarmamento tivesse sido efetiva e exclusivamente dirigido
contra quem de direito – ou seja, contra a bandidagem – e a política de
segurança pública se concentrasse na sua repressão.
3.5.
Nivelamento da cidadania e da criminalidade,
governança factóide e violação de direitos
Não foi esse,
entretanto, o comportamento que norteou a formulação da política de segurança
pública neste país, modo acentuado desde o início do atual governo. Sucedendo
período que primou pela omissão de uma política consistente no enfrentamento
dos seus desafios, o que atualmente se avança é a tentativa de se
institucionalizar uma política
delinqüente de segurança pública, que se pauta pelo nivelamento e pela
indiferenciação da cidadania e da criminalidade.
Na
melhor das hipóteses retornamos ao regime tutelar da cidadania, quando os
nossos governantes militares postulavam, autoritária e envergonhadamente, que
os brasileiros ainda não estavam preparados para a democracia. Na pior das hipóteses o que se trama agora,
travestido no paternalismo de quem não nos concede as prerrogativas da
responsabilidade civil e penal, é a desagregação totalitária e desavergonhada
das instituições democráticas, tendo por foco a violação clara e mortal da
Constituição.
É tudo isso que está posto e fraudulentamente
dissimulado na proibição da comercialização de armas e munições, à qual se
pretende dar um arremedo de legitimidade em forma de ratificação popular no
referendo de 23 de outubro próximo. Muito pior do que apenas uma solução inepta
para resolver o problema da segurança e reduzir homicídios – exemplo típico e
extremo de uma governança factóide
– o que está em jogo, é essencialmente a negação do primeiro direito inerente à
dignidade da pessoa humana: o da defesa da própria vida pelos meios eficazes e
proporcionais à respectiva agressão. Sem esta prerrogativa não existe
cidadania, e em detrimento da cidadania não se pode reconhecer soberania para a
direta legislação popular.
No específico, a campanha pelo
desarmamento civil no Brasil implica, minimamente, em:
[a]
Nivelamento por baixo, da pessoa honesta e dos criminosos, com vantagem para
estes que buscam suas armas no mercado paralelo;
[b]
Discriminação funcional e econômica no acesso ao direito da legítima defesa,
quando altos funcionários estatais e pessoas em condições financeiras de
contratar segurança privada terão assegurada a sua defesa pessoal, enquanto o
cidadão honesto pobre ou de classe média ficará à mercê da bandidagem;[28]
[c]
Incentivo à violência pela eliminação da incerteza e do risco do empreendimento
criminoso – num país em que apenas 1%[29]
dos homicidas são condenados e cumprem a respectiva pena, e onde pelo menos 70%
dos inquéritos são arquivados por deficiência da investigação – o desarme da
população a submete, escandalosamente, aos desígnios de uma criminalidade
impune... Contradita o axioma que “o crime não compensa”, comprometendo,
nos próprios fundamentos do direito penal o sucesso de qualquer programa de
segurança pública;
[d]
Sujeição da cidadania à violência política organizada – inviabilizando a
legítima defesa da posse, da residência ou do local de trabalho, em condições
de desigualdade numérica com os respectivos agressores... Inviabiliza a
resistência civil ao exercício arbitrário das próprias razões e facilita a
dominação da população pela truculência de grupos de extermínio e brigadas fascistas
de qualquer origem ou pretensão;
[e] Incentivo e, afinal, legitimação do contrabando
de armas e munições, em sede do justo e inalienável direito de resistência
civil, com a emulação do crime organizado que o viabiliza e administra.
Num país, em que a delinqüência não está nem aí, para
as filigranas do registro e do porte de armas; e onde a pobreza, até pelo seu
custo, já não tem acesso a uma arma registrada, o Estatuto representa,
efetivamente, o desarme da classe média urbana e rural –
princípio e termo da sua descidadanização. Coincidentemente, atinge mortalmente a categoria social,
que tem sido sociologicamente reconhecida, pelo menos desde Aristóteles, como o
fiel da democracia.
Contra o direito de “todos” a iguais oportunidades de
liberdade e vida, na concreção fática de cada momento vivido, não se pode
aceitar a manipulação utópica dos valores últimos, sejam esses a construção da
ordem pública ou a emulação da paz. E ainda muito menos, quando a desmascarada
dualidade moral dos seus pregadores, que faria corar alguns dos mais
empedernidos maquiavelistas da história do pensamento político[30],
não oferece garantia alguma de que, na verdade não seja a grande responsável
pelo estado de coisas que ora nos depara.
Bem se vê que às armas, em si, não pode ser atribuído
o respectivo mau uso; as estatísticas demonstram que a existência delas em mãos
de pessoas honestas, na realidade é inibidora da criminalidade. Disso decorre
que se deve procurar outras razões que permitam explicar os aumentos verificados
nos índices de criminalidade no nosso meio e mesmo na esfera internacional.
Existem razões teóricas suficientes para identificar, pelo menos uma destas
razões numa “cultura de guerra”, como aquela promovida pelos conceitos
fundamentalistas e adversariais que opõem fiéis e infiéis, e afinal nos
convocam a todos em nome destas consignas para o martírio ou a guerra. Pois é
isso, não obstante, que subjaze ao contraditório discurso do desarmamento
compulsório.
É o que se evidencia no discurso daqueles que pregam
a paz, mas se locupletam políticamente da mais adversarial dentre as visões de
mundo, fomentando o antagonismo e emulando o ódio dos “excluídos” como suposto
fermento de toda mudança social. E por igual se obvia, quando se postula o
desarmamento dos fazendeiros, mas se toma partido em favor da invasão das suas
propriedades pelo movimento armado – ainda que o seja com facões e enxadas,
foices e machados – dos “sem terra”.
Se estes fatos são articulados e se estes argumentos
são ponderáveis, o que não se pode admitir, em sede de uma condição ética
mínima de seriedade de propósitos e respeitabilidade intelectual, é que os
fundamentalistas do lobby anti-armas, em sede de tão frágeis e contraditórios
argumentos, nos impinjam a violação da Constituição e até dos princípios da lei
natural que lhe são anteriores.
3.6.
Ilegitimidade do processo legislativo que resultou na
aprovação do Estatuto do Desarmamento e na convocação do referendo de outubro
O pior não obstante, tragédia sobre a comédia do
nosso tempo, é que se aprestam a consumar, em regime de urgência, a aprovação
da excrescência referendária, e com o apoio de uma inadvertida ou comprometida
maioria congressual.
Hoje já se sabe como este apoio parlamentar foi
articulado e pago na aprovação dos projetos de interesse do governo federal
entre 2003 e 2004[31],
entre os quais o Estatuto do Desarmamento. Amanhã, quando fecharem as fábricas
de armas de defesa existentes no Brasil, e premidos pela catástrofe tivermos
que importar, oficial ou oficiosamente os artefatos da nossa defesa pessoal ou
da nossa resistência civil, se saberá talvez como e por que agiram, no mesmo
sentido, algumas entidades da sociedade civil milionariamente financiadas desde
o exterior que ora militam nessa pretensão de lesa-cidadania.[32]
Por este tempo,
resta apenas, ao autor e aos subscritores deste Parecer, registrar os fatos,
esclarecer as conseqüências e manifestar, em descarrego de consciência, a
própria contrariedade.
Em artigo publicado
no site nacional do Jornalista Diego Casagrande, exatamente no dia 23 de
outubro de 2003, este parecerista já denunciava as contradições legais e
inconstitucionalidades de diferentes dispositivos de projeto que, afinal, veio
a ser aprovado, na forma da Lei 10.826 em 22 de dezembro daquele ano. Na lavra
daquele artigo:
“O Estatuto do
Desarmamento obstaculiza à cidadania o exercício do direito constitucional da
legítima defesa da vida – ao ponto de instituir sua virtual negação – eis
que condiciona a obtenção do porte de
arma a uma decisão discricionária da autoridade policial, que avaliará
subjetivamente da necessidade do respectivo uso pela pessoa. Além de rebaixar,
o que é uma prerrogativa constitucional à condição de mera e particularizada
concessão do poder público, o Estatuto impõe discrimes injustificáveis na
respectiva autorização. Vivendo-se numa sociedade, onde a regra é ser
assaltado, mesmo em local civilizado e a qualquer hora do dia ou da noite,
condicionar-se a concessão do porte apenas a pessoas que correm ‘risco
profissional’, ou residem em ‘local afastado’, representa odiosa discriminação
do cidadão comum que, no exercício do seu direito de ir e vir, é assaltado no
seu próprio bairro, a caminho de casa, da escola, do trabalho, quando vai às
compras ou busca o próprio lazer.
Mais do que isso, a
penalização do porte de arma, legalmente adquirida e registrada, introduz
contradição insolúvel na sistemática do direito penal brasileiro. No meu
entender, trata-se de uma sanção genérica e rigorosamente inaplicável, por
exceção subjetiva de ilicitude. Em síntese, trata-se de uma lei natimorta.
A questão de mérito, bem
posicionada é a seguinte. Ao cidadão comum que, por quaisquer e circunstanciais
razões, possua justo receio de ser agredido ou assaltado numa condição normal e
corriqueira da vida, impõe-se uma de duas alternativas: enfrentar
temerariamente o risco, sem qualquer proteção efetiva; ou munir-se
responsavelmente dos meios capazes de lhe assegurar condições mínimas de defesa
pessoal. Em que pese o argumento pífio de que, contra a surpresa do assalto não
existe defesa possível, não há fundamento jurídico, ou sequer razoabilidade, em
negar-se à cidadania o direito de prevenir-se contra o ilícito, e municiar-se
dos meios eficazes à respectiva dissuasão ou revide. Aliás, o mesmo argumento,
do lobby anti-armas, se aplicado na escala social mais ampla da política
pública anti-terror – contra cuja irrupção, no cotidiano da vida civilizada,
também, se diz que não existe defesa possível – implicaria em negar-se, ao
próprio Estado, o respectivo direito/dever de polícia, e à política de
segurança pública qualquer iniciativa de prevenção contra o crime.
Assim, portanto, se
alguém, que não possui o porte exigido pelo Estatuto e a legislação de controle
de armas, circunstancialmente vir-se obrigado a transitar por local ermo ou,
por quaisquer razões de ordem meramente subjetiva, cultivar justo receio de ser
assaltado, e disso prevenir-se lançando mãos de um revolver, configuraria o
caso de uma condição jurídica paradoxal: [a] se fosse detido e flagrado numa batida
policial, poderia ser processado e condenado pelo porte ilegal de arma; mas,
[b] se, ao invés de encontrar a polícia, fosse efetivamente assaltado a mão
armada, e viesse a utilizar-se do revolver, para revidar a agressão, matando o
assaltante, seria, com certeza, absolvido por legítima defesa.
Principiologicamente, essas duas alternativas constituem uma clássica e
indecorosa petição de princípios. Não pode a lei penalizar um crime menor, o
qual, não obstante, concorre para um ilícito maior, que a própria lei absolve.
Se a lei me autoriza a usar de arma de fogo para revidar assalto ou agressão a
mão armada, até mesmo matando em legítima defesa, disso decorre que, se eu
tiver justo receio de ser assaltado, a lei, por lógica decorrência, me autoriza
a andar armado. Configura-se aqui, o caso de uma condição putativa de legítima
defesa, que é exceção de ilicitude para o porte de arma. O contrário
representaria a uma condenação antecipada das próprias vítimas ao jugo da
violência e da criminalidade.
Trata-se de fundamento
jurídico, que poderia socorrer ao próprio defensor e relator do Estatuto do
Desarmamento, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, na defesa do seu constituinte
José Rainha – com o devido desconto da presunção de inocência de um conhecido
líder de invasões de terra – o qual sentindo-se subjetivamente ameaçado, foi
preso e indiciado por porte ilegal de armas em região de conflito fundiário. De
qualquer forma, é também paradoxal e sintomático, que o mesmo deputado
Greenhalgh, que defende o porte de arma para os integrantes do MST, pretenda
negar, em forma de legislação abrangente, aos cidadãos pacatos e cumpridores da
lei, deste país sitiado pela insegurança pública, o direito à legítima defesa
da vida. Mais significativo, ainda, ao ponto de indiciar virtual conspiração
contra o Estado de Democrático de Direito, é esta combinação espúria de dois
pesos e duas medidas, que os integrantes do lobby anti-armas e defensores da
anti-política de segurança pública avalizada pelo Governo Lula propugnam:
direito penal mínimo para a criminalidade e direito penal máximo contra o
cidadão honesto, pacífico e trabalhador. Defendem o direito ao uso de drogas
(política da redução de danos), defendem o direito à invasão de propriedade,
promovem a cultura da luta de classes e a solução de conflitos sociais ao
arrepio do devido processo legal, dispõem-se a legitimar organizações
criminosas e terroristas atuantes em território nacional ou nas nossas
fronteiras, são coniventes, por omissão ou comissão, à violação de direitos humanos
praticadas por Estados delinqüentes, comprometendo nossa soberania em
inaceitáveis relações de ‘compadrazgo’, mas querem punir com prisão
inafiançável ao cidadão que, em meio à guerra civil da miséria que administram,
procura responsavelmente, preservar-se a sua vida e o arrimo de sua família.
Neste contexto, até pela
intenção que revela no seu próprio nome, o Estatuto do Desarmamento representa
a imposição de uma capitulação incondicional à população civil em face da
criminalidade espontânea e organizada que nos cerca. É, por isso mesmo, um
monstrengo legislativo... e de conseqüências mais lesivas à cidadania e com
certeza mais graves, na erosão da institucionalidade democrática, do que o foi
o famigerado AI-5.” (AYDOS,
Eduardo Dutra: O DESARME DA CLASSE MÉDIA. Artigo publicado no site
nacional do Jornalista Diego Casagrande www.diegocasagrande.com.br
em 23/10/2003.)
Na seqüência dos debates legislativos que antecederam
à aprovação do Estatuto, a nivelação total do crime e da legítima defesa, da
bandidagem e dos cidadãos não-criminosos, dos detentores de armas ilegais e dos
portadores de armas legais, impondo a ambos, indistintamente, a
inafiançabilidade do crime de porte de armas, foi abrandada. Não obstante essa
concessão marginal, o Estatuto aprovado consagrou o espírito do projeto
original e assim persiste válida toda a análise elaborada ao tempo da sua
gestação.
Sabe-se agora que os projetos de interesse do governo
federal foram turbinados pelos saques da corrupção parlamentar nas contas do
empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. A aprovação do Estatuto do
Desarmamento nas duas casas do Congresso não é exceção: coincide com o período
do seu maior fluxo de caixa.[33]
III – DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS
VIOLADOS PELA REALIZAÇÃO DA CONSULTA REFERENDÁRIA DE 23 DE OUTUBRO DE 2005.
Emula-se, neste Parecer, o dever
indeclinável da Jurisdição, eis que, nas circunstâncias acima delineadas,
conhecer dos fatos, é sopesar a irresponsabilidade gestionária e coibir o abuso
do próprio direito, na discricionariedade reconhecida ao exercício da
autoridade pública.
Não podem,
legisladores e administradores, atentar contra os princípios gerais da
economicidade, da finalidade e da moralidade, fazendo promulgar ou executar
políticas públicas de alta onerosidade e com resultados que antecipadamente se
demonstram pífios, ou adotando rumos de ação e comportamento funcional que
contradigam formal e materialmente os mais fundamentais preceitos da
Constituição Federal.
4.
Da violação dos princípios fundamentais da
Constituição Federal no referendo de 23 de outubro de 2005
A Carta Constitucional de 1988 enuncia no seu Título
I, Artigo 1º, I a III, e parágrafo único, pelo menos três princípios
fundamentais, os quais são diretamente malferidos pela realização do referendo
popular, como autorizado pelo Decreto Legislativo 780, promulgado pelo
Senador-Presidente do Senado Federal em 07 e julho de 2005, e convocado
mediante a Instrução 87/Resolução 2.230 do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral
para realizar-se em 23 de outubro do corrente ano. São estes, os princípios da
soberania, da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Indiretamente, há de consignar-se igualmente o
malferimento dos outros dois princípios fundamentais, dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, e do pluralismo político. Circunstâncias essas
que situam os atos do Poder Público envolvidos no referendo, objeto deste
Parecer, num patamar máximo de lesividade aos preceitos fundamentais da Constituição
pátria.
4.1.
Da violação do princípio da soberania
O princípio da soberania está enunciado
no Título I, Art. 1º, I e, no que refere ao objeto da presente ação, está
regulado pelo seu Parágrafo único, além do art. 14, caput, todos da Constituição Federal, como segue:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
I – a soberania (...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.
“Art. 14. A soberania
popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
igual valor para todos, e, nos termos
da lei, mediante: (...) II – referendo”.
A norma regulamentadora da Lei
9.709/1998, por sua vez e no que refere ao objeto da presente ação, explicita
as condições legais da efetividade deste princípio nos seguintes termos:
“Art 1º. A soberania popular é exercida por sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas
constitucionais pertinentes, mediante:
(...) II – referendo;
Art 2º. Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao
povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza
constitucional, legislativa ou administrativa.
(...) § 2º. O referendo é convocado com posterioridade a ato
legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou
rejeição.
Está bem claro
que o Estado Democrático de Direito no Brasil está fundado no princípio da
legalidade, cujo nível máximo é a supremacia da Constituição que, pelos seus
termos, define os limites da soberania e disciplina as condições da sua
legitimação. Disso resulta que o
referendo de 23 de outubro de 2005 se pretende realizar ao arrepio da Lei e das
normas constitucionais pertinentes.
Primeiro,
porque pretende, pela ratificação de legislação ordinária, derrogar
dispositivos da Constituição Federal.
Segundo, porque
viola diretamente preceitos fundamentais da Constituição Federal, os quais não
poderiam sequer ser modificados no âmbito da competência do Poder Legislativo,
porque insuscetíveis de Emenda (referência aos incisos I, XXII, XXIII, e à inteligência do inciso XVI, do
art. 5º da Constituição Federal, os quais foram elevados à condição de
“cláusulas pétreas”, por força do que dispõe o seu art. 60, § 4º, inciso
IV).
4.2.
Da violação do princípio
da cidadania.
O princípio da cidadania remete ao exercício da
parcela do poder popular, inerente a cada indivíduo nacional e está normatizado
no Título II, Capítulo IV da Constituição Federal, correspondendo ao
dispositivo do seu art. 14, cujo malferimento pela consulta referendária já foi
acima evidenciado. Não obstante, há que se evidenciar o modo como,
especificamente, este malferimento solapa os fundamentos jurídicos que
autorizam e legitimam o exercício desse poder.
São pressupostos da cidadania, os direitos e
garantias, cuja inviolabilidade a Constituição estende, também, aos
estrangeiros em território nacional. Assim, para ficar apenas nos fundamentos
enunciados pelo caput do art. 5º da
Constituição,[34] são
inerentes à cidadania o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade. Todos estes direitos fundamentais se encontram
comprometidos, na esteira da proibição, que se pretende ratificar mediante o
referendo de outubro.
Dentre estes, desponta como primacial, até pela ordem
do respectivo enunciado no texto constitucional, o direito à vida. É
irretorquível, que a inviabilização da legítima defesa pessoal, submetendo-se a
cidadania aos desígnios do azar e ao arbítrio da criminalidade, descontrolada e
impune em nossa sociedade, viola o seu direito à vida e por decorrência, direta
ou indiretamente, todos os demais enunciados no caput do art. 5º da Constituição.
4.3.
Da violação do princípio da dignidade da pessoa
humana
Tem-se por certo que a dignidade da
pessoa humana é um sobre-princípio, origem e justificação última de todo o
elenco dos direitos individuais. Da violação destes, por conseqüência, resulta
malferida a dignidade humana. Não obstante, há um campo de considerações sobre
atos e omissões que, pertencem à essência deste princípio e lhe devem ser
imputados enquanto tal. Refere-se à dimensão da escolha moral, sob o influxo da
lei natural que concerne a todos os homens.
É
neste exato sentido, que a nulificação do direito de defesa, intrínseco à
proibição manejada na consulta referendária, malfere o princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana.
Negue-se a um pai de
família o direito de optar pela reação possível, desigual e quase suicida, no
enfrentamento dos criminosos que o assaltam, que vilipendiam sua esposa e
filha, e lhe estarão retirando o direito de assumir a própria humanidade nesta
situação-limite. E lhe estarão recusando mais, o sentido da existência, como
reação necessária ao espezinhamento da própria condição humana; a opção
consciente pela esperança última, ainda que este caminho lhe seja fatal; a
possibilidade de dar-se dignidade à sua própria morte, como um gesto derradeiro
em defesa da vida!
Não se
submete, por outro lado, a validade do princípio da dignidade humana, a
quaisquer éticas de não-violência que, sob inspiração religiosa e equivocada
aplicação política, pretendam oferecer ao combate da criminalidade homicida o
martírio da população civil brasileira. Até porque, na própria formulação dos
seus promotores, essa ética tem se apresentado inconsistente e contraditória:
desautoriza o direito de resistência individual, mas subscreve o direito de
resistência social. Desconhece, portanto, que a sociedade é essencialmente
constituída pelas pessoas que a integram, cuja dignidade é anterior, origem e
fundamento da própria comunidade.
Além
disso, é pressuposto político de reconhecimento universal, que a concreção da
dignidade humana exige uma hierarquização de meios para se atingir as
finalidades precípuas da segurança e da paz.
Há que se tentar resolver os conflitos emergentes nessa caminhada pelo
discurso, depois pela negociação e, só quando estes recursos falharem, pelo uso
da força proporcional necessária.
Até mesmo os mais empolgados militantes da
não-violência reconhecem essa hierarquia contingente de meios a serem manejados
para a consecução da paz. Assim, na obra intitulada “A Firmeza Permanente”,
editada sob os auspícios do então ecumênico Secretariado Justiça e Não
Violência, que inspirou o atual Secretariado de Justiça e Paz da CNBB, e com
apresentação de Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns, entre os 17 “princípios da
não violência”, formalmente enunciados, reza o de número 16: “Se você não puder ser um “não-violento”, seja violento. O
que você não pode ser é omisso.”[35]
A política do desarmamento compulsório
contraria essa hierarquia de meios, e o princípio de realidade e respeito à
dignidade humana que ela consagra. Decreta a impossibilidade da opção
contingencial pela violência, impõe à cidadania a inevitabilidade do próprio
martírio. Retira, por isso, aos que se disporiam a tanto, a dignidade do
próprio sacrifício; e impede a liberdade de opção de outros, pelo uso dos meios
eficientes que, o poderiam tornar desnecessário. Não se concebe violação mais
essencial da dignidade da pessoa humana.
4.4.
Da violação do princípio da livre iniciativa
A proibição da comercialização de armas de fogo no
Brasil discrimina, também, a livre iniciativa (CF art. 1, inciso IV) dos
produtores e comerciantes brasileiros, e por aí os valores do trabalho, como
atividade econômica nacional.
O referendo não proíbe a compra, no exterior, de
armas e munições. Cabe aqui uma interrogação. Trata-se de uma lacuna que será
preenchida por regulamentação posterior? E neste caso, haveria que se denunciar
o aprofundamento ainda maior da violação de direitos individuais, já intrínseca
no patamar explícito das proibições referendárias. Ou se trata de privilégio à
indústria e à empresa estrangeira, cujos governos e instituições financiam
milionariamente a campanha pelo desarmamento no Brasil? E neste caso, haveria
que denunciar,à evidência, a conseqüência lesiva à indústria nacional e ao
mercado interno, malferindo os valores subjacentes do trabalho e da livre
iniciativa.
Desnecessário responder a essas especulações para
concluir-se da absoluta inconstitucionalidade da proibição referendária. Eis
que inviabiliza, em território nacional, o exercício de uma atividade
econômica, cuja legitimidade se reconhece na comunidade das nações. Mais do que
isso, veda a comercialização em território nacional de artefatos, cuja
aquisição não se proíbe imediatamente aos cidadãos e às empresas brasileiras,
condicionando-a, no entanto, à realização mediante entrepostos no exterior.
Regredimos nisso, em termos de política econômica,
aos termos do decreto real no Brasil colônia que, sob o pretexto da abertura
dos portos às nações amigas, assegurou à Inglaterra o efetivo privilégio da
comercialização de produtos estrangeiros ao povo deste além mar.[36]
4.5.
Da violação de outros direitos e deveres individuais
e coletivos
A proibição
posta à ratificação pelo referendo de outubro de 2005 viola direta e
literalmente o caput e os incisos I, XXII, XXIII, e a inteligência do inciso XVI, do
art. 5º da Constituição Federal, os quais foram elevados à condição de
“cláusulas pétreas”, por força do que dispõe o seu art. 60, § 4º, inciso IV
4.5.1. Da violação do princípio da igualdade
Pelo disposto no art. 35 in fine do
Estatuto do Desarmamento, objeto da consulta referendária, as entidades
previstas no seu art. 6º poderão continuar comercializando armas e munições.
Nestas entidades se incluem os aparelhos do Estado policial, mas também as
pessoas que os integram, além de empresas de segurança e clubes de tiro.
Em síntese, a norma a ser ratificada, restringe o
direito de legítima defesa, pelo uso da arma de fogo, privilegiadamente, aos
agentes estatais, aos detentores de
poder econômico que lhes permita a contratação de empresas de segurança e aos
desportistas.
Nada contra estes últimos, mas sua presença no rol
dos legitimados detentores do instrumento letal é sintomática da completa
desfiguração, material e formal da igualdade constitucionalmente assegurada em
face do bem comum da segurança pública. A partir de agora, se pretende colocar
acima e além do objetivo primacial da incolumidade pessoal e patrimonial da
cidadania, ou seja, acima e além do uso instrumental à legítima defesa da vida,
o uso desportivo das armas de fogo... É patético!
Tal disposição é evidentemente discriminatória,
incidindo em violação do inciso I, do art. 5º da Constituição Federal: “I – Homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”
Com efeito, a proibição contida no texto
da consulta popular estabelece uma diferença essencial entre categorias de
indivíduos nacionais, discriminando-as em razão de um reconhecimento diferenciado
do que não admite discrimes, a sua necessidade essencial de autodefesa.
Tratando-se do bem público da segurança, é inaceitável limitar-se o exercício
do direito de defesa armada aos indivíduos civis, pelo seu status funcional, disponibilidade de recursos para comprar pacotes
de segurança privada ou pertença a associações desportivas. Até porque isso
viola, também, o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil,
enunciado no art. 3º, inciso 4º, da Constituição Federal: “– promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Já no art. 144, caput, da Carta de 1988, o
Legislador constituinte elevou a segurança pública à condição de direito de
todos e dever do Estado. Integram, portanto, os objetivos da consecução
do bem comum, como “preservação da ordem pública e da
incolumidade da pessoa e do patrimônio”.
Guardando a origem, deste conceito, na
noção aristotélica da justiça legal, essa igualdade de todos no direito e na
responsabilidade da segurança pública, não é, abstratamente, um bem do todo,
passível de ser idealmente formulado, em sede de estatísticas genéricas e às
custas da renúncia e da vitimização de muitos. Não, trata-se, concretamente, de
um bem todos e cada um, capaz de ser, em absoluto, individualmente
reivindicado.
Nesse sentido, a
melhor doutrina:
“Se todos
possuem a mesma dignidade, a igualdade fundamental entre os membros da
comunidade não é proporcional, mas absoluta.
As
conseqüências extraídas deste conceito são radicais: para a justiça social, os
seres humanos, considerados como pessoas, são iguais e, portanto, toda
desigualdade em aspectos constitutivos da pessoa, como é o caso de suas
necessidades materiais básicas, deve ser afastada.
A justiça social pois, suprime toda sorte de privilégios, no
sentido de uma desigualdade de direitos. Cada um só possui os direitos que
aceita para os outros, ou seja, cada um é sujeito de direito na mesma medida em
que reconhece o outro como sujeito de direito. A recusa no reconhecimento
destrói a comunidade dos sujeitos de direito. Aquele que não é reconhecido como
sujeito de direitos no interior da comunidade, também não é sujeito de deveres.
Na medida em que os demais membros não reconhecem os direitos de alguém, este fica
desobrigado de reconhecer os direitos dos demais.” (BARZOTTO, Luis Fernando,
Justiça Social: Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. Mimeo, Faculdade
de Direito, UFRGS, 2004.)
Ao proibir a compra e o
municiamento de uma arma de defesa, o
referendo de outubro viola o direito à vida, primeiro e mais fundamental,
enunciado no caput do art. 5º da
Constituição Federal. Por essa via, também, malfere a dignidade das pessoas
civis, proibindo em absoluto, o seu acesso aos meios necessários à efetiva participação
nesta tarefa coletiva, da construção de um ambiente de segurança pública, que a
Constituição lhes assegura e determina. Pior do que isso, traveste esse
princípio reconhecido de justiça social, numa condição de justiça particular,
tornada acessível a poucos e, exclusivamente, pelos privilégios de status e
poder econômico.
4.5.2. Da violação do princípio da propriedade e do direito
adquirido
Embora o conteúdo normativo da consulta
referendária não proscreva a propriedade privada de armas de fogo, pela inviabilização
do seu uso social, a par do confisco tributário instituído pelo Estatuto do
Desarmamento, acabará justificando a respectiva expropriação. Há implicações principiológicas nessa linha de
conseqüência, que não podem ser desconhecidas. Elas remetem à conhecida
sentença de Benjamin Franklin: “Quando todas as armas forem de propriedade do governo, este
decidirá de quem serão as outras propriedades!”
Bem
sabido que, pelo inciso XXIII do art. 5º da Constituição: verbis - “a propriedade atenderá a sua função social”. Não existe função social mais intrínseca e legitimada de uma arma que
o seu uso para defesa pessoal e patrimonial, individual e comunitária. Mas para
isso, depende o proprietário da reposição da munição, cuja validade e
efetividade é limitada no tempo. Impedido de adquiri-la,o detentor do justo
título, perde a propriedade da arma a sua função social.
Por essa via, a pretensão normativa da
consulta referendária compromete essencialmente o próprio direito de
propriedade (constitucionalmente reconhecido, nos termos do inciso XXII do art.
5º da Constituição) malferindo-se, igualmente, o direito adquirido ao seu uso
social (porque não é uma via de mão única o que dispõe o inciso XXIII do art.
5, CF). Flagrante a violação, por outro lado, no caso dos atuais proprietários
de armas de fogo, ao preceito fundamental instituído pelo inciso XXXVI do art.
5º da Constituição: verbis - “a
lei não prejudicará o direito adquirido...”
3.5.3
Da
violação do direito à liberdade
Suscita, o debate sobre o referendo das
armas, discussão sobre o alcance do direito à liberdade. Em que medida
abrangeria este, o direito das pessoas de se defenderem das agressões da
criminalidade mediante uso de armas de fogo?
Desde logo, quer nos parecer, essa é uma
discussão vencida. A Constituição brasileira e sua legislação
infraconstitucional reconhecem o direito à legítima defesa (CF art. 5º, LV,
Código Penal art. 25). Ademais, a Constituição Federal dispõe, ainda que
indiretamente, sobre o direito ao cidadão brasileiro de possuir e portar armas.
É uma conclusão que se impõe da hermenêutica rigorosa do inciso XVI do art. 5º
da Constituição Federal: verbis – “todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público...”
Trata-se aqui, de uma regra de exceção.
Excetuam-se das reuniões pacíficas em locais abertos, os cidadãos armados. Por
lógica conseqüência, fora destas reuniões pacíficas prevalece, como regra
geral, a legitimidade do porte de armas pela cidadania. Pode a lei regulamentar
esse direito, mas jamais poderá nulificá-lo como dispõe, na prática, o art. 35
do Estatuto do Desarmamento.
4.5.3. Da violação do princípio da subsidiariedade, que
regula a atuação do Estado no campo da segurança pública
Malfere, igualmente, o conteúdo normativo
que se pretende ratificar no referendo de outubro, o princípio da
subsidiariedade, o qual, desde logo, assegura
a todos da cidadania, o direito e a responsabilidade e, por
decorrência, o dever de ação e os meios
hábeis para concretizar a própria vida e a segurança pública, seja como
preservação da ordem pública, seja como preservação da incolumidade das
pessoas.
Trata-se aqui, de um dever de todos e
cada um, ao qual se acrescenta o dever o Estado. Condição geral da intervenção
estatal em nosso regime constitucional, o princípio da subsidiariedade serve,
não apenas para socorrer os particulares onde eles não podem realizar, de per
si, o interesse geral como bem comum, mas, também, para, na mesma medida,
desobrigar o Estado da eventual falência dos particulares na esfera específica
da sua capacidade de ação.
Descabido seria, no regime constitucional
da responsabilidade subsidiária do Estado, exigir-se deste, por exemplo,
indenização pela falência de uma empresa privada, ou pelas conseqüências da
criminalidade que atinge o cidadão comum. Quando muito, haveria de responder
solidariamente, pela sua parte omissiva ou comissiva na produção desses
efeitos.
Não obstante, quando o Estado,
intencionalmente, obstaculiza a atividade comercial de uma empresa ou o acesso
da cidadania à legítima defesa, viola o princípio da subsidiariedade e se torna
direta e exclusivamente responsável pelo dano.
Em sede deste axioma jurídico, a
proibição intentada pela consulta referendária expõe as já combalidas finanças
estatais à legítima reivindicação indenizatória das vítimas, sejam empresas que
atuam no setor, seja a cidadania objeto de agressão criminosa. Não haverá
recurso para tanta demanda. E o resultado, mais uma vez, e por mais essa razão,
será o descrédito do bom direito.
4.6.
Da desconstrução do ordenamento
jurídico-constitucional
Malferindo-se os princípios da soberania, da
cidadania e da dignidade da pessoa humana, desconstruído resta todo o
ordenamento constitucional, que deles se nutre, nos seus fundamentos
essenciais, e deles retira a sua consistência moral, legitimidade política e
possibilidade jurídica.
Não há sofista capaz de provar o contrário, a menos
que se tenham por consumadas as três traições históricas, que a jornalista
membro do Parlamento Europeu, Pilar Rahola, em conferência pronunciada no
Plenário da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em janeiro de 2005,
atribuiu ao movimento de esquerda européia, cega, surda e muda em face do
genocídio comunista, mesmo no após II Guerra, e indisfarçadamente anti-semita:
[a] a
morte da inteligência; [b] a morte da informação; e, [c] a
morte da liberdade.
São
imputáveis da mesma patologia social, os segmentos da esquerda brasileira, que
se articulam no esquema de poder, cujos tentáculos conhecidos envolvem a
corrupção da democracia, nisso que se tornou conhecido como a “farra do
mensalão”, e mais aquele, que aqui nos preocupa diagnosticar: a desconstrução
da cidadania, cujo carro chefe é o referendo do desarmamento compulsório.
Por
primeiro, tripudiam da nossa
inteligência. Querem nos fazer acreditar que, gastando seiscentos
milhões de reais, para impedir que se agregue 0,05% de armas ao estoque
existente no País, se estará fazendo mais pela segurança pública e a dignidade
humana, do que aplicando essa verba, por exemplo, na melhoria das condições do
nosso sistema prisional, e assim na recuperação dos apenados, ou em pessoal,
equipamento e logística das forças policiais.
Por
segundo, manipulam informações, até o
ponto de, pela repetição, pretenderem dar credibilidade ao que verdade não é.
Sabe-se que o sistema estatístico nacional, ao tratar de matéria criminal, é
ainda rudimentar, os estudos técnicos, em que se baseia a política de segurança
pública em execução neste País, são toscos e inconclusivos. Não existem
informações confiáveis e idôneas, que permitam dizer quantas vidas foram salvas
no Brasil pelo fato das pessoas agredidas terem reagido à agressão. Tal é o
descrédito da segurança pública neste país, que a maioria das pessoas que
conseguem safar-se, com sucesso, de uma agressão criminosa, não registram essa
ocorrência. Não obstante, o Senador Renan Calheiros, sente-se autorizado a
afirmar que "de cada 16 reações
armadas, 15 terminam com a morte da vítima". Obviamente, o Senador não
revela a “fonte” dessa informação, porque esta não existe. E se existisse,
haveria de refletir, quase tão somente a contagem das reações mal sucedidas.
Por terceiro, o que é mais
grave e insidioso. Sob o pretexto de combater a criminalidade, nos exigem renúncia de direitos e tolhem,
efetivamente, a nossa liberdade.
Já nesse último aspecto, e
trazendo o debate para o caso concreto em realce, a lavra do eminente jurista
Celso Bandeira de Mello, é por definitivo esclarecedora:
“8. Trata-se de saber,
então, se, ao lume dos valores constitucionais, cabe considerar preferível que
os marginais andem armados (como o fazem ao arrepio da lei), oferecendo toda
espécie de riscos para os cidadãos de bem ou se é preferível que estes últimos
andem desarmados, condenados à indefensão perante os bandidos, sob o argumento
de que assim prevenir-se-ão os riscos de vida a que podem se assujeitar no
confronto com os marginais, bem como os malefícios resultantes da eventual
captura de sua arma e consequentemente abastecimento dos criminosos por esta
via.
9. Parece óbvio que o
preferível, em vista dos valores constitucionais, é a opção que prestigia a
liberdade de autodefesa se a defesa estatal não lhe é satisfatoriamente
outorgada.
Nada colhe juridicamente
o argumento de que a ausência de arma de fogo em mãos do cidadão o expõe a
menor risco de vida, pois esta escolha deve caber a ele próprio, em nome de sua
dignidade pessoal, e não aquele que o ameaça, o qual, como muitas vezes tem
acontecido, pode agredi-lo, torturá-lo, matá-lo e vilipendiar sua família,
mesmo não encontrando qualquer reação armada.
Também não impressiona a
alegação de que o bandido pode despojá-lo da arma e assim se abastecer dela.
Desde logo, o assaltante já comparece abastecido e é graças a isto que rende
sua vitima. Acresce que ninguém, por mais ingênuo que seja, imaginará ser a
esta a fonte significativa de abastecimento de armas de fogo dos marginais. É
sabido e ressabido que o contrabando é que traz e tem trazido abundante
armamento para a criminalidade e não só de armas leves, as únicas que se encontram
em mãos dos cidadãos ordeiros, mas até mesmo, esporadicamente, de armas
proibidas, privativas das forças armadas. Além do contrabando, até mesmo maus
policiais são responsáveis pela comercialização de armas com criminosos.
Portanto, não é relevante a menção à obtenção de armas em assaltos a cidadãos
comuns.
Sem
embargo, ainda que tal alegação tivesse o peso que não tem, descabe ria
atribuir-lhe valor jurídico suficiente para, sobre tal fundamento, desarmar o
cidadão. É que para facilitar sua tarefa de desarmar os criminosos o Estado não
pode submergir direitos básicos do cidadão, nem expô-lo aos riscos da
indefensão ou simplesmente à dolorosa sensação psicológica de total
desguamecimento ante as acometidas dos marginais. À toda evidência valores constitucionais
básicos não cedem passo a considerações pragmáticas.” (BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio. PARECER, sobre o projeto de lei do Estatuto do Desarmamento. São
Paulo, 07 de outubro de 2003, cfr. colacionado em ADIN 3535, fls. 12).
É inviável, à luz dos
preceitos fundamentais que amparam a construção histórica do Estado Democrático
de Direito, agasalharem-se as razões pragmáticas com que se pretende justificar
a política do desarmamento compulsório da cidadania. Mais ainda, quando se
trata de considerações pragmáticas totalmente destituídas daquilo que lhes
poderia dar alguma credibilidade enquanto tal, pois não respeitam qualquer
medida de necessidade ou ponderação de custos e resultados.
Como já se viu, o caso do referendo de outubro de
2005, é paradigmático de uma absoluta irrazoabilidade. Caracteriza-se pela
total desproporção de meios e fins, entre o dispêndio com a sua realização
antecipada às eleições nacionais e o resultado prático da eventual ratificação
do seu conteúdo normativo. Contabiliza um impacto próximo de zero na diminuição
das armas existentes e do seu impacto sobre os índices de criminalidade, contra
seiscentos milhões de reais que poderiam ter uso muito mais eficaz para a mesma
finalidade. E, nisso, se denuncia uma outra lógica, que faz uso a qualquer
preço do aparelho e da finança pública, mas para a consecução de objetivos que
não lhes concernem e muito menos à ordem institucional vigente.
Importa, assim, na percepção
clara do desvio de finalidade, que a política do desarmamento compulsório
maneja na esteira da sua própria ilegalidade, concluir essas razões de mérito.
E o fazemos em consonância com o douto parecer de Celso Bandeira de Mello:
“Como resulta do exposto
até agora, não há nem de fato e muito menos de direito a razoabilidade, a
plausibilidade necessária para a imposição das limitações residentes no projeto
de lei “sub examine”, visto que com elas se submergem liberdades e garantias
fundamentais, numa tentativa de atacar males sociais que o Estado teria de
atalhar por outros meios, ao invés de buscar a via supostamente fácil — e de
resto ineficiente para atingir os fins propostos — de desarmar os particulares,
com o que, na prática terminará, mesmo não sendo esta sua intenção, por eximir
a marginalidade dos azares de um confronto com quem pretendesse vender caro sua
vida, sua honra, seu patrimônio e a integridade de seus familiares.
Sem embargo, por tudo
quanto se expôs e considerou, dito projeto é manifestamente incompatível com a
Constituição FederaL De sorte que, ao indagado na Consulta, cabe responder:
É desenganadamente inconstitucional o projeto de
lei n° 1.555, de 2003 (Do Senado Federal), que dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas —
SINARM, define crimes e dá outras providências, tanto no que respeita à
proibição de comercialização de armas de fogo quanto no que se refere aos
mencionados excessos restritivos em relação ao porte de arma...” (BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio. PARECER citado, fls. 16).
ISSO POSTO,
Ø Quando se está prestes a
investir a significativa importância de seiscentos milhões de reais – mais do
que o governo federal investe durante um ano nos fundos de aparelhamento da
segurança pública – na batalha desigual de uma consulta referendária emulada
pela propaganda oficial, e redundante ao poder de fazer as leis de quem a
convocou;
Ø Quando esse monumental
desperdício de recursos escassos, extraídos ao enfrentamento efetivo da
criminalidade que, supostamente, se visa coibir, denuncia, tão somente, o
envolvimento direto da cidadania na violação dos seus próprios direitos
inalienáveis, pela imposição do desarmamento compulsório, às próprias vítimas
atuais e potenciais, do crime organizado e da criminalidade espontânea e
anárquica que viceja na esteira da sua impunidade;
Então nos defronta uma
situação-limite, que nos impõe, e haverá de nos cobrar, no presente ou no
futuro, a todos os brasileiros em sã consciência e às instituições nacionais no
exercício das suas prerrogativas, o cumprimento do dever acima e além do
exigível...
E aqui, se evidencia,
objetivamente, por parte de um governo que promove e articula essa insensatez
política, travestida de aberração jurídica, a violação máxima da autoridade
investida ao juramento da Constituição Federal, configurando crime de
lesa-pátria, por traição essencial à cidadania do povo brasileiro.
É nosso parecer, que o caminho ainda aberto para se opor
limite a essa lesividade é a argüição de descumprimento de preceito
fundamental, perante o Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar de
suspensão do processo referendário em curso até decisão no mérito.
Com a palavra e a iniciativa os legitimados sujeitos dessa
prerrogativa processual-constitucional, em especial:
· O Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado do Rio Grande do Sul, que tem mais de 80% da sua população
contrária e será economicamente prejudicado pela proibição referendária;
· Os partidos políticos
nacionais, que tem a missão de assegurar o pluralismo político e a vigência das
instituições democráticas;
· As entidades nacionais das
classes produtoras, cujas bases empresariais – em especial os pequenos e médios
empresários – serão diretamente afetados na competitividade global dos seus
esforços produtivos pelo imposto adicional da segurança privada;
· As entidades associativas nacionais que já
demonstraram sensibilidade a essa questão (Associação Nacional dos
Proprietários e Comerciantes de Armas – ANPCA – e a Associação dos Delegados de
Polícia do Brasil – ADEPOL) e que poderão encontrar, na via do que aqui está
proposto, uma alternativa para o sucesso das suas demandas perante o Supremo
Tribunal Federal.
É o nosso Parecer, em Porto Alegre, aos 14 de setembro de 2005.
Dr. Eduardo Dutra Aydos
Advogado: OAB-RS nº 9.133
Doutor em Ciência Política pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Coordenador-Executivo do Curso de
Especialização em Direito, Economia e Democracia Constitucional – PPGD-UFRGS
[1] “Desde 15 de julho de
2004, quando começou, a campanha já recolheu 443 mil armas de fogo, mais de cinco vezes a meta inicial (80 mil armas)”.
Zero Hora, Porto Alegre, 03/09/2005.
[2] Nas vertentes
contemporâneas do pensamento de esquerda, uma das contextualizações mais
rigorosas e conseqüentes de Justiça e Paz pode ser encontrada no pensamento da
mais reconhecida discípula de LUKACS: ”Kant
disse uma vez que a paz é o supremo bem
político. Eu diria que a paz é o supremo bem inferido. Paz, é o supremo bem
político porque é inferida da igual liberdade e iguais oportunidades de vida
para todos, onde “todos” tanto quer dizer “cada Estado soberano” quanto “cada
cidadão”. Tomando o mundo como ele é, a idéia de guerra justa precisa ter
prioridade temporal sobre a idéia de
“paz eterna”, mesmo se a idéia de “paz eterna”, ao nível dos valores, precisa
ter prioridade absoluta sobre a idéia de “guerra justa”. Assim, os princípios
de guerra justa precisam ter idéias constitutivas – mas idéias consideradas temporais. Lutar apenas guerras justas
é o primeiro, e o passo necessário na direção de um mundo de paz baseado na
igualdade de liberdade e igualdade de oportunidade de vida”. (HELLER,
Agnes: Além da Justiça. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, p. 286/287.)
[3] É também irrelevante,
como justificativa para a antecipação da consulta referendária, a proibição que
incide sobre a comercialização de munições. Se o efeito pretendido pelo
referendo é exaurir o seu estoque em mãos da população civil, bem se vê que não
será atingido no período de um ano. Dado que o respectivo consumo é de mera
reposição, tal esgotamento projeta-se ao longo do tempo na dependência de
fatores variáveis, e que pouco serão afetados pelo adiamento de um ano na
respectiva proibição.
[4] DINAMARCO, Cândido
Rangel: Nova Era do Processo Civil, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 60.
[5] DINAMARCO, op. cit. P.
61.
[6] CRIMINALIDADE NO BRASIL,
DIAGNÓSTICO E CUSTOS. Ministério da
Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Departamento de Pesquisa,
Análise da Informação e Formação de Pessoal em Segurança Pública.
Disponibilizado em http://www.mj.gov.br/noticias/2003/junho/Criminalidade%20Dados
%20Senasp.ppt.
[7] Ministério da Saúde – MS.
Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS. IMPACTO DA CAMPANHA DO DESARMAMENTO NO
ÍNDICE NACIONAL DE MORTALIDADE POR ARMA DE FOGO. Brasília – Agosto de 2005.
[8] Desnecessário aprofundar
essa polêmica, mas é importante registrar que estudos de séries temporais e
análises multivariadas de alta sofisticação, comparativos dos efeitos da
política de liberação do porte de armas nos Estados Unidos, realizados desde 1997
pelos professores John Lott e David Mustard, encontraram correlações positivas
com a diminuição da criminalidade e das mortes por arma de fogo. A posição
destes autores é contestada em livro publicado recentemente pela Brookings
Corporation: Evaluating Gun Policy, em capítulo escrito por JOHN J. DONOHUE, intitulado The
Impact of Concealed-Carry
Laws, mas a contradita de David
Mustard e os comentários de um tertius,
Willard Manning, igualmente reproduzidos na obra, não permitem o puro e simples
descarte das conclusões de Lott e Mustard. Note-se que Lott e Miustard não
somente demonstram que lares armados defendem a população de assaltos, mas que
o maior índice de portes e circulação de armas é inibidor da criminalidade
armada.
[10] Os casos do Canadá e da Austrália
foram recentemente citados, ao lado da cidade de Bogotá e da África do Sul,
como exemplos bem sucedidos das políticas desarmamentistas: verbis – “Isso guarda estreita
relação com experiências de outros países ou cidades do mundo, como Bogotá, Canadá, África do Sul, Austrália, etc. que implementaram
estratégias de desarmamento e conseqüentemente tiveram níveis de violência
reduzidos ou controlados.” (UNESCO, Ministério da Justiça, Ministério da
Saúde: Vidas poupadas. Relatório de pesquisa publicado no site oficial do
Ministério da Justiça, setembro de 2005.)
[12] MAUSER,
Gary A: op. cit. p. 12
[14] MAUSER, Gary A: The Failed Experiment. Gun Control and
Public Safety in Canada , Australia , England and Wales . PUBLIC POLICY SOURCES. A FRASER INSTITUTE OCCASIONAL PAPER. Number 71 /
November 2003.
[15] Informações coletadas no
site que integra a página da Fundação Viva Rio: www.desarmamento.org
[16] DREYFUS, Pablo e
NASCIMENTO, Marcelo de Sousa: Posse de armas de fogo no Brasil: mapeamento das
armas e seus proprietários. Relatório de pesquisa: Projeto controle de armas de
fogo do Viva Rio/ISER, publicado em “Brasil: as armas e as vítimas”, disponível
em www.desarmamento.org.,
p. 160.
[17] As informações aceitas
pela ANPCA – Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas, que
lidera a campanha contra o desarmamento, contesta esses números: verbis – Sabendo-se que existem menos de 2
milhões de proprietários de armas legais no país, teremos a média de 5% dos
lares armados. O Brasil é um dos países
menos armados do mundo e o mais desarmado da América Latina. Mesmo
supondo-se a existência de 4 milhões de armas ilegais, essa percentagem sobe
para 15%, o que coloca o Brasil abaixo da média dos países europeus que
apresentam muito menor taxa de criminalidade. Desses números concluímos que o Brasil não tem um problema de armas,
mas sim de BANDITISMO” Confira-se: “Percentagem dos lares com armas em diversos
países: (Fonte: Pacific Research Institute - 1991)
1) EUA -
48% dos lares
|
5)
Finlândia - 25,5% dos lares
|
2) Suíça -
32,6% dos lares
|
6) França
- 24,7% dos lares
|
3) Noruega
- 31,2 dos lares
|
7)
Austrália - 20,1% dos lares
|
4) Canadá
- 30,8% dos lares
|
8) Bélgica
- 16,8% dos lares
|
Texto e dados citados de:
ANPCA, Notícias, Fatos e Dados I, apud: www.anpca.org.br.
[18] DREYFUS, Pablo e
NASCIMENTO, Marcelo de Sousa: op. cit., p.186.
[19] Proporção das 9.146 armas
vendidas a civis em 2003, que teriam sua venda proibida pelo referendo de
outubro de 2005, sobre o estoque de 8.518.084 armas legais, calculado pelo
projeto do VivaRIo/ISER.
[21] Proporção das 9.146 armas
vendidas em 2003, que teriam sua venda proibida pelo referendo de outubro de
2005, sobre o estoque de 17.010.941 armas existentes no Brasil, calculado pelo
projeto do VivaRIo/ISER.
[22] Deve ser, aqui,
desconsiderado o impacto da proibição sobre a venda de munições, eis que os
respectivos estoques, já em mãos desta categoria de cidadãos, que deles
necessita para a sua exclusiva e legítima defesa, possuem duração estendida.
Eventualmente, se deterioram pelo tempo, mais do que pelo uso nas necessidades
precípuas da auto-defesa.
[23] "Hoje é um momento de grande alegria. Estamos
vendo o sucesso de uma política pública bem pensada, bem estruturada, que
contou com a mobilização de toda a sociedade brasileira para poupar milhares de
vidas", afirmou Thomaz Bastos. "As maiores quedas nos índices de
homicídios de 2003 para 2004 ocorreram nos estados que mais recolheram armas,
nos estados onde a nossa Campanha foi mais bem sucedida. (...) A SVS realizou a
pesquisa cruzando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do
Sistema Único de Saúde (SUS), com o número de armas recolhidas durante a
Campanha do Desarmamento - registrado no Ministério da Justiça.” Fonte:
site oficial do Ministério da Justiça – www.mj.gov.br/
noticias/2005/setembro/rls0e0905desarme.htm
[25] O relatório técnico
divulgado pela Secretaria da Vigilância em Saúde, não contempla o alegado
cruzamento de dados – técnica estatística elementar - entre as quedas na
mortalidade e o número de armas recolhidos por Estado. Se foram consistidas
essas informações, seu resultado não foi divulgado e nem as próprias conclusões
técnicas do relatório, de tosca elaboração estatística, autorizam a inferência
ministerial: verbis – “O número de óbitos
caiu em 18 estados. Mesmo nos que ocorreram crescimento da taxa de mortalidade,
foi em menor escala do que nos anos anteriores. Isso indica um possível impacto
do Estatuto do Desarmamento e do recolhimento de armas na mortalidade por arma
de fogo no Brasil.” (Ministério da Saúde – MS. Secretaria de Vigilância em
Saúde – SVS. IMPACTO DA CAMPANHA DO DESARMAMENTO NO ÍNDICE NACIONAL DE
MORTALIDADE POR ARMA DE FOGO. Brasília – Agosto de 2005)
[26] Dados oficiais, SSP-SP,
fonte: www.seguranca.sp.gov/estatisticas.
[27] Mais contaminado pelo
“bias” desarmamentista, ainda, é o estudo conjunto da UNESCO, Ministério da
Justiça e Ministério da Saúde, onde o cálculo das “vidas poupadas” pelos
supostos acertos da política oficial, é “amplificado” como resultado da redução
das ocorrências registradas nas estatísticas oficiais em relação a um número
projetado sobre o comportamento esperado da curva ascensional da taxa de mortes
por arma de fogo. Como resultado disso, o ponto de flexão na curva ascensional
da taxa de mortalidade é, convenientemente jogado, desde o primeiro semestre de
2003, para o segundo quando começa a “Campanha do Desarmamento Voluntário” e se
torna bem mais acentuada. Até por isso, os autores deste relatório, não
escondem a intencionalidade subjacente à produção enviesada de pesquisa
meramente confirmatória do resultado que pretenderam alcançar: verbis – “Pela Tabela 1, é possível
verificar que em 2004 aconteceu, em território brasileiro, um total de 36.119
mortes causadas por armas de fogo. Esse número já é significativamente inferior
ao registrado no ano de 2003, quando foram relacionadas 39.325 mortes pelas
mesmas causas, isto é, um número 8,2% menor. O único fato significativo que permite explicar essa queda, depois
de anos a fio de incrementos constantes, é o Estatuto do Desarmamento e a
posterior coleta gratificada de um grande número de armas em circulação.”
Com efeito, simplesmente, não poderiam chegar a conclusão diversa, eis que não
levaram em conta no referido estudo, nenhum outro fator possível de causar, no
período sob análise, o fenômeno observado. (UNESCO, Ministério da Justiça,
Ministério da Saúde: Vidas poupadas. Relatório de pesquisa publicado no site
oficial do Ministério da Justiça, setembro de 2005.)
[28] Não significa isso,
entretanto, que as próprias classes economicamente mais abastadas possam
descansar sobre os prospectos dessa concessão discriminatória. São argutas e
incisivas, neste particular, as observações do filósofo Olavo de Carvalho em
artigo publicado à época em que tramitava o projeto de lei do Estatuto do
Desarmamento: “Essa mudança pode-se enunciar da maneira mais simples: aprovada
a nova lei, haverá uma nova sociedade no Brasil, com novos dominadores e novos
dominados. O mais rico dos
brasileiros poderá contratar um segurança, mas não se defender dele se ele
decidir, de repente, passar para o lado dos seqüestradores. O dinheiro
será impotente, o prestígio será indefeso, a autoridade moral se tornará o
discurso risivelmente inofensivo dos profetas desarmados: o único meio de
acesso ao poder será ingressar na polícia, nas Forças Armadas ou numa quadrilha
de traficantes. E a nova classe
dominante não terá somente o monopólio dos meios de matar, mas também o da
seleção de seus próprios membros: quem aceita ou rejeita um candidato a
policial é a polícia; um candidato a quadrilheiro, a quadrilha. Por sua
constituição mesma como monopolista (e monopolista da única força decisiva), a
classe dos novos senhores será mais fechada, mais exclusivista e mais
corporativista do que todas as suas antecessoras. E, o que é infinitamente mais
grave, não haverá entre quem tem e
quem não tem poder os graus intermediários que hoje matizam as diferenças
hierárquicas: ao contrário do que acontece com o dinheiro, o poder
político e a fama, que podem vir em quantidades maiores ou menores, entre o
armado e o desarmado nenhum meio-termo é concebível.”
[29] Vide nota 1. Agregue-se
aqui a estimativa, segundo a qual,
apenas 1% dos crimes de lavagem de dinheiro, que realimentam o síndrome
dessa criminalidade/impunidade, são elucidados, conforme publicado em Zero
Hora, Porto Alegre, 08/092005: “APENAS 1%
DOS CRIMES É ELUCIDADO”. Por Alexandre Elmi.
[30] É o caso do líder máximo
da revolução comunista em Rússia:
“Imagine que o automóvel em que você está viajando é detido por bandidos
armados. Você lhes dá o dinheiro, a carteira de identidade, o revolver e o
automóvel; mas em troca disso escapa da agradável companhia dos bandidos.
Trata-se, evidentemente, de um compromisso. Do ut des ( meu dinheiro, minhas armas e meu automóvel,
apossibilidade de seguir em paz). Dificilmente, porém,
se encontraria um homem sensato capaz de declarar que esse compromisso é
, ou de denunciar quem o
assumiu como cúmplice dos bandidos (ainda que esses, possuindo o automóvel e as
armas, possam utiliza-los para novas pilhagens). LÊNIN, V.I. . A doença
infantil do esquerdismo no comunismo. Rio de Janeiro, Editorial Vitória Ltda.
1960, p.31.) – Pois o leninismo tardio é capaz de assumir esse ponto de vista e
construir política pública sobre esse denuncismo. É quando, parafraseando o
mesmo LENIN precisamos aprender, e
rapidamente, a distinguir, entre os que pregam a entrega das nossa bolsa e
armas aos bandidos, na ingênua expectativa que, assim, genericamente procedendo
vamos diminuir o impacto fatal da sua violência, daqueles que nos pregam esse
comportamento para participar da divisão do saque. Dadas as
circunstâncias em que essa proposta vem sendo veiculada, não parece difícil
distinguir o que está em jogo no referendo do desarmamento.
[31] ARQUIVO: FOLHA DE SÃO PAULO. Agosto 2005. Edição 27.885
Domingo, 07/08/2005 Tiragem 427,441. BRASIL “Votações coincidem com dias de
saques. 07/08/2005. Autor: MARCELO SALINAS. Origem do texto: DA REDAÇÃO.
Editoria: BRASIL Página: A12. Edição: São Paulo Aug 7, 2005. Cruzamento aponta
que maiores retiradas das contas do publicitário em 2003 ocorreram em época de
aprovação de reformas. Votações coincidem com dias de saques. MARCELO SALINAS.
DA REDAÇÃO
O cruzamento entre os maiores saques das contas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza divulgados até agora e as principais vitórias do governo Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso revela uma coincidência que pode indicar a existência do "mensalão", o pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio em votações na Câmara. A aprovação das reformas tributária e da Previdência, que interessavam diretamente ao governo, ocorreram nos meses com o maior volume de saques das contas das empresas das quais Marcos Valério é sócio em 2003. O levantamento foi feito pela Folha com base na lista de retiradas identificadas até agora pela CPI dos Correios e na conexão partidária dos sacadores. Os dados foram cruzados com os principais fatos políticos que aconteceram no governo Lula de 14 de janeiro de 2003, dia da primeira retirada, até a data da última, em 1º de outubro de2004.”
O cruzamento entre os maiores saques das contas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza divulgados até agora e as principais vitórias do governo Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso revela uma coincidência que pode indicar a existência do "mensalão", o pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio em votações na Câmara. A aprovação das reformas tributária e da Previdência, que interessavam diretamente ao governo, ocorreram nos meses com o maior volume de saques das contas das empresas das quais Marcos Valério é sócio em 2003. O levantamento foi feito pela Folha com base na lista de retiradas identificadas até agora pela CPI dos Correios e na conexão partidária dos sacadores. Os dados foram cruzados com os principais fatos políticos que aconteceram no governo Lula de 14 de janeiro de 2003, dia da primeira retirada, até a data da última, em 1º de outubro de
[32] “Uma pista para a
resposta desta pergunta pode ser encontrada na afirmação do ex-ministro Miguel Reale Júnior em artigo na
Folha de São Paulo: "O Brasil
exporta aos EUA considerável número de revólveres, e o nosso produto ocupa
parcela significativa do mercado. Os EUA exportam numero bem reduzido de armas
para o Brasil. No entanto, se for proibida a comercialização e, logo, a
importação, em face da reciprocidade, podem as fábricas americanas exigir que
seja proibida também a importação pelos EUA, voltando as empresas americanas a
ocupar o mercado perdido”. Talvez essa disputa de mercado
explique porque algumas ONGs brasileiras, sabidamente subsidiadas por organizações
internacionais, insistam tanto em proibir a fabricação e comercialização de
armas no Brasil. É sabido que, impondo restrições à venda de armas no Brasil, a
escala das indústrias é afetada, deixando-as sem competividade no mercado
externo, além da provável exigência da reciprocidade admitida acima pelo
ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior.” (Falsa Relação entre Armas Legais
e Crime. Taurusnews, 19/07/2003. http://www.acordacidadao.hpg.ig.com.br/falsa_relacao_0001.htm.
)
[33] O Estatuto do Desarmamento enfrentou seu momento mais crítico de
votação, na Câmara Federal, em data de
23/10/2003, e teve sua redação final aprovada no Senado Federal, em 09/12/2003: “A movimentação financeira foi revelada
por relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do
Ministério da Fazenda), que apurou saques, em espécie, de R$ 20,9 milhões das
contas das duas agências entre 2003 e 2005. Em 18 meses, foram feitos 103
saques. (05/07/2005. Origem do texto: DA SUCURSAL DE BRASÍLIA. Editoria: BRASIL
Página: A9. Edição: São Paulo Jul. 5, 2005. Vinheta/Chapéu: ESCÂNDALO DO
"MENSALÃO"/NOVAS LIGAÇÕES. PFL quer apurar o elo entre saques e
votações.)
[34] Importante sinalizar que
a concreção destes princípios gerais está contida nos incisos do art. 5º CF, cuja
enumeração o entendimento dominante no STF considera não-exaustiva.
[35] Antônio Fragoso, Domingos
Barbé, Helder Câmara, Mário C. de Jesus, João Breno,. Lepargneur, A. Kunz e
Cardeal Arns (apresentador): A Força da Não-Violência. A FIRMEZA PERMANENTE.
São Paulo, Coedição Loyola-Veja, 1977, p.31.
[36] Circunstancialmente, e
sem pretender disso inferir uma relação de causa e efeito, no espaço e no
tempo, é de registrar-se que o Governo inglês é um dos principais financiadores
do projeto de desarmamento da Fundação Viva Rio.