O silêncio sobre o genocídio armênio e o dever dos humanistas:
Em um mês, o resto do mundo relembrará os 100 anos do primeiro genocídio do século XX em 24/4/2015 quando um milhão e meio de armênios foram assassinados. A pergunta que não quer calar é “quem ouviu falar sobre o genocídio armênio?”. No Brasil, a maioria das respostas será negativa devido aos padrões de "normalidade" da acultura da superficialidade: aqui, é muito difícil encontrar quem tenha ouvido falar sobre o massacre de dois em cada três armênios no Império Turco Otomano. O assunto está omitido nas grades curriculares do ensino básico e superior e, nos meios de comunicação, há um silêncio.
O plano de extermínio armênio, a minoria cristã do Império Turco Otomano, originou-se na crise e tentativa de reestruturação no século XIX quando surgiu um código de conduta, com direitos e deveres avalizado pelo Patriarcado da Igreja Apostólica Armênia de Constantinopla (representativa de 80% dos armênios do Império), um arranjo jurídico-político sustentado por uma Assembléia Nacional Armênia, um órgão representativo sem poder algum instalado em 1863 como interface nos diálogos com o Sultanato. Sucederam-se pressões sobre os armênios: sobretaxação da produção agrícola; opressão cultural proibindo o idioma armênio em muitas regiões; incitação de grupos curdos a atacarem as vilas armênias. Nas regiões orientais do Império Otomano e nas proximidades da área de influência da Rússia czarista, províncias armênias rebelaram-se contra os governadores turcos. Boato, ardilosamente espalhado entre a população turca e curda, acusava os armênios-cristãos de serem aliados dos russos e estarem mancomunados com o exército czarista para destruir o Império Otomano. Provocou uma escalada da violência culminando com os massacres hamidianos, alusão ao Sultão Abdul Hamid II: de 1894 a 1896, foram mortos trezentos mil armênios como relata Taner Akçam no livro “Do império a república: o nacionalismo turco e o genocídio armênio, fundamentam a comprovação dessa barbárie".
As pressões internacionais por reformas profundas abalavam a estrutura do Império Otomano. Internamente, a oposição ao sultão crescia, especialmente entre o oficialato e o funcionalismo público perdendo privilégios e cargos devido ao encolhimento do território pelas derrotas nos Bálcãs e nas cercanias do mundo árabe. Esses grupos, descontentes e declaradamente contra o sultão, formaram o movimento chamado de Jovens Turcos agrupando também liberais e militantes nacionalistas. Em 1906, fundiram-se no Partido de União e Progresso (até então uma sociedade revolucionária secreta) rapidamente capitalizando o descontentamento generalizado. Propondo mudanças culturais e políticas, os Jovens Turcos, maioria dentro do Partido de União e Progresso, conseguiu a convocação de um parlamento para realizar uma reforma constitucional diminuindo sensivelmente o poder do Sultão. Muitos grupos políticos armênios aceitaram participar dessa tentativa de mudanças porque, há tempos, suplicavam por melhores condições de vida e eram ignorados por quem estava no poder. Contudo, desenhava-se um perverso plano. Os líderes dos Jovens Turcos decidiram eliminar a população armênia do território. A lógica genocida era acabar de vez com o que chamavam de “Questão Armênia”, uma lógica criminosa, pelo qual afastariam o risco de um avanço russo pela Anatólia onde, supostamente, contariam com apoio dos armênios. Queriam, na verdade, a riqueza: saquearam todas as propriedades armênias.
A execução foi planejada para o domingo de Páscoa de 1915, dia 24 de abril, feriado religioso cristão, quando os intelectuais armênios foram presos sob pretexto de "averiguação". Lideranças políticas e religiosas da comunidade foram, pouco a pouco, sendo encarceradas em Constantinopla e outras cidades. Nas vilas armênias isoladas, a população masculina foi convocada para cavar trincheiras para suposta proteção contra uma invasão e, a seguir, mortos e soterrados nas valas que eles próprios abriram.
A população armênia remanescente foi deportada para o Deserto de Der El Zor, inóspita região hoje dentro do território sírio, para os afastar das vistas de observadores internacionais. Mesmo assim, relatos dramáticos de torturas, violência e perversidade chegaram ao ocidente graças a humanos comprometidos com a verdade e a justiça como destaca o livro “A história do Embaixador Morgenthau”, Editora Paz e Terra. A vida dos poucos sobreviventes relato fielmente o que aconteceu. Em poucos meses, quase a totalidade dos armênios do Império Otomano, um milhão e quinhentos mil inocentes, foi assassinada: um crime contra a humanidade! Famílias destruídas ou separadas, crianças sobreviventes desesperadas e traumatizadas e um milenar patrimônio cultural destruído.
Muitos organismos internacionais já reconheceram o genocídio. Do Tribunal Permanente dos Povos ao Parlamento Europeu, incluindo a Assembleia Geral da ONU onde até há uma Resolução. A lista é enorme, confira: http://www.genocide- museum.am/eng/international_ organisations.php
Dezenas de países já reconheceram o genocídio como Alemanha, Canadá, França, Grécia, Holanda, Rússia e, inclusive, nossos vizinhos do Mercosul: Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Venezuela. Contudo, Brasil ainda não, ignorando um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.
James Onnig Tamdjian, professor de Relações Internacionais da FACAMP, pesquisador do Grupo de análise de Conflitos Contemporâneos, Massacres e Genocídios da UNIFESP, e Philipe Arapian, assistente jurídico da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo, são descendentes dos poucos sobreviventes que chegaram ao Brasil nos anos de 1920 e 1930. Embora adotando a nacionalidade brasileira, as vítimas legaram aos seus descendentes a obrigação de continuarem a luta pelo reconhecimento internacional do genocídio. Acusam as autoridades brasileiras e, por tabela, os falsos humanistas e centenas de ONGs sediadas no país, de cumplicidade com o crime hediondo. Noticiam um lobby forte usando como pretexto os laços da economia que poderiam ser abalados. O argumento é falso: não há notícia de qualquer represália aos país que já reconheceram o crime. Ademais, com todo o respeito, um milhão e meio de vidas assassinadas não podem ter menos importância do que um receio (infundado!) de estremecimento nas relações diplomáticas.
O Brasil tem estado desconectado das diversidades nacionais e culturais do mundo exterior. O conhecimento de História Geral é paupérrimo e a do próprio país sofre manipulações. Além do enino omitir informações, reforça falsas crenças como a de autossuficiência pela "vastidão" territorial e 200 milhões de habitantes dos quais, contudo, a maioria foram transformados em analfabetos funcionais pela apologia à idiotização. Além do analfabetismo funcional, parcela expressiva da população não domina sequer a língua portuguesa, um obstáculo ao conhecimento sobre o mundo exterior é a escassez de bons e confiáveis tradutores, mesmo para os idiomas mais falados do globo, por estarmos "sitiados" pelos países de língua espanhola, e dificilmente sai-se da zona de conforto do portunhol.
Por isso, nossos museus e bibliotecas estão a perigo!
Inaceitável manter esse massacre no vale das sombras. A verdade deve ser dita e todos saberem o que aconteceu em 1915.
Cabe, portanto, a cada um de nós que realmente lutamos pela dignidade humana bradar para o Brasil reconhecer o genocídio armênio e divulgarmos esse fato.
Editado nas informações publicadas por James Onnig Tamdjian e Philipe Arapian em http://www.conjur. com.br/2015-mar-25/genocidio- armenio-silencio-conivente- brasil Revista Consultor Jurídico, 25/03/2015.
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