Usucapião Prescrição Comparada

Mais de uma década após a sua elaboração, a perspectiva persiste inovadora apresentando uma Teoria Geral da Prescrição. 


As chamadas prescrições “negativa” e “positiva” no direito civil brasileiro  e português, semelhanças e diferenças:
                                

Revista de Informação Legislativa, Senado Federal, Brasília, outubro a dezembro de 1990, a .27, v. 108, p. 285-295
  
Luiz Roberto Nuñes Padilla



  
Sumário
1.     Introdução. 2. Origem e fundamento das prescrições.
Esboçando uma teoria geral das prescrições. 4. Do direito luso-brasileiro, a comparação. 5. O problema decorrente da antigüidade do texto nacional. 6. Conclusão. 7. Bibliografia

Dormientibus non sucurritius
“A comparação entre sistemas jurídicos não deve ser feita com a finalidade de examinar apenas suas proposições em face do de outros povos, mas de estudá-las em conjunto com a realidade social e o direito imediatamente anterior.” CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA (n.º 19, p. 135)

Introdução
Comparando os direitos brasileiro e português na área da prescrição e da usucapião, afigurou-nos possível esboçar uma teoria geral das prescrições unindo ambos os institutos; por outro lado, dentre as semelhanças e diferenças entre os dois direitos, descobriu-se que embora o direito nacional estivesse mais atrasado ao regular as relações entre particulares e comerciantes, a doutrina e a jurisprudência brasileiras cuidavam de produzir efeitos como os da legislação portuguesa. Antes de resolver tais temas, teceremos algumas considerações sobre a origem e os fundamentos da prescrição. Daí tentaremos estabelecer uma teoria geral das prescrições, abrangendo também a usucapião. Em seguida, a comparação propriamente dita entre os dois ordenamentos, seguida de um aprofundamento no ponto de divergência entre os textos legais, no trato das relações entre particulares e comerciantes, concluindo-se pela necessidade de aprimoramento do texto legal nacional. NOTA: o número indica a obra na relação bibliográfica.





Da prescrição

Origens

A prescrição vincula-se à própria natureza humana, remontando a mais alta antigüidade. Foi conhecida por todos os povos que se regeram por leis, tanto na Europa quanto no Oriente (Platão refere a Usucapião na sua República, n.º 46, p. 8), embora somente os romanos lhe tivessem imprimido a forma que hoje se conhece (CUNHA GONÇALVES, n.º 29, p. 628).
O termo vem do latim praescriptio, o mesmo que exceptio exceção; qualquer exceção, oposta antes (prae) da forma (scriptio). Dentre elas havia a temporalis praescriptio, exceção de tempo, sendo que a usucapio  (ou seja, captar, adquirir pelo uso) remonta à Lei das Doze Tábuas, quando por posse de apenas dois anos se adquiria imóvel (um ano para os móveis); a realidade, importava à República que as terras fossem sempre cultivadas; era instituição do ius civile, e, portanto, só podia ser invocada pelos cidadãos; mais tarde, o direito pretoriano facultou aos peregrinos a praescriptio longi temporis, que se distinguia no prazo, bastante dilatado se comparado à primeira: 10 ou 20 anos, conforme residentes na mesma província ou em diversas.
Através de Justiniano, o instituto deixa de ser apenas uma exceção, passando à forma de aquisição e extinção de direitos, unificando as figuras da usucapio e a praescriptio longi temporis com os prazos da primeira, e com novo prazo de três anos para os móveis.


Fundamento

A prescrição, a princípio, revela-se instituto pouco carismático. Afinal, despoja o proprietário da coisa ou crédito, única e exclusivamente pela negligência no exercício dos direitos, muito embora durante todo o decurso do lapso prescricional, o beneficiário da prescrição estivesse sujeito ao dever não só moral, mas jurídico, de respeitar aqueles mesmos direitos que terminaram por prescrever.
Entretanto, revela-se necessária à estabilidade social, excluindo a ameaça representada pela demanda (SÍLVIO RODRIGUES, n.º 13).


Esboçando uma teoria geral das prescrições

Seria possível estabelecer uma teoria geral abrangendo ambas as prescrições? Pensamos que sim e, para tanto, iniciemos pelo conceito de prescrição.
Não se registra qualquer divergência digna de nota: o conceito é praticamente universal; os códigos sequer dela se ocupam (o C. SEABRA – de 1867 -, ainda conceituava o instituto no art. 505, caput).
Embora tecendo críticas a uma teoria geral da prescrição (Tratado, § 662, 1.7 e ss.) o Embaixador Pontes de Miranda define o instituto como exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante um certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação (§ 662, n.º 2). Como se verá, esse conceito permite tipificar tanto a prescrição extintiva, quanto à usucapião. Daí a sagacidade do mestre, dizendo que tal conceito foi extraído do C.C.B., ou seja, atribuindo o conceito a legislador, quando, na verdade o C.C.B. não chega a emitir conceito de prescrição; prosseguindo na leitura do Tratado, adiante, nota-se a prudência do grande Mestre, no trato da Usucapião (Tratado, §§ 1.192-8), cuidando em não omitir conceito da usucapio, evitando, assim, repetir aquela forma utilizada ao conceituar a prescrição extintiva.
Já o Código Civil francês, art. 2.219, adota a definição unitária: um modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições determinadas pela lei (n.º 46, p. 9), definição incorporada aos códigos da Áustria, Itália, Chile, Argentina e Espanha, que se sujeitaram às mesmas críticas opostas a JUSTINIANO, segundo as quais a prescrição seria uma força extintiva da ação e de todos os recursos de defesa, enquanto a usucapião, transformando-se em posse de propriedade seria fonte de direitos reais.


Do direito luso-brasileiro, a comparação

Assinala Guilherme Braga da Cruz um paradoxo no distanciamento, que a codificação lusa toma de suas fontes tradicionais, enquanto o C.C.B. vai abeberar-se nestas fontes por obra de Teixeira de Freitas; desta forma, o direito romano, não somente inspirador da legislação portuguesa, mas sua fonte subsidiária (n.º 24), incorpora-se em 1.445 dos 1.807 que compõem o C.C.B. (n.º 3 , pp. 29 e 42).
Dentre os legados do Direito Romano, a prescrição era dos mais elaborados, pouco se modificando desde então, essa razão por que, embora o hiato verificado no desenvolvimento histórico dos ordenamentos jurídicos dos países estudados, no que respeita às “disposições gerais”, ambas as leis, brasileira e portuguesa, apresentam disposições de idêntico efeito.
O C. SEABRA dividia o instituto em Prescrição Positiva e Negativa; o C.C.B. aborda a prescrição subtítulo O tempo e suas repercussões na relação jurídica retomando a usucapião como forma de aquisição da propriedade (art. 1.316); nosso código discorre separadamente da prescrição e da (sic) usucapião.


Da prescrição extintiva ou negativa

O art. 166 do C.C.B., bem como o art. 219, § 5º, c/c art. 128 in fine, do nosso C.P.C., assemelham-se ao art. 303 do C.C.P., que amplia o art. 515 do C. SEABRA, pelos quais a prescrição tem de ser invocada por quem dela se aproveita (C.C.P., art. 303, c/c 301, e 305,1; C.C.B., art.162); nosso direito, talvez, por ser antigo, expressamente submete a pessoa jurídica a tais regras (C.C.B., art. 163).
Em ambas legislações a renúncia pode ser tácita, mas só se a admite após o lapso prescricional (C.C.B., art. 161; C.C.P., art. 302, 1. E 2.; e art. 508 do C. SEABRA); entretanto, o legislador pátrio, ao contrário do português, cuida de definir a renúncia tácita (art. 161, par. Único), enquanto o C.C.P. cuida de excluir a necessidade de aceitação da renúncia (art. 302, 2., in fine). Nota-se , contudo, a preocupação em salvaguardar direitos de terceiro (C.C.B., art. 161, caputin fine; C.C.P., art. 302, 3., c/c art. 305, 1., 2. E 3.; C. SEABRA, art. 509 e 2.040).
E em ambos a prescrição não pode ser alegada como motivo para repetição de indébito (C.C.B., art. 970; C.C.P., art. 304, 2) e continua a correr contra os sucessores (C.C.B., art. 165; C.C.P., art. 308, 1). O C. SEABRA não dispunha a respeito, o prazo ordinário lá e sempre de 20 anos (C.C.P., art. 309), mas já foi de até 30 anos (C. SEABRA, art. 535), enquanto aqui se estabelecem distinções entre ações pessoais (20 anos) e reais (10 a 15 anos – C.C.B., art. 177).
Mas há, no C.C.P., dissemelhança, como as prescrições presuntivas, ou presunção de cumprimento (C.C.P., art. 312), que só podem ser elididas se o devedor, por escrito ou em juízo, confessar que não pagou (C. SEABRA, art. 542), presumindo-se esta pela recusa em depor (à semelhança do art. 343, § 2º, de nosso C.P.C.). O instituto é de extrema importância.[1][1]
Outra distinção importante diz respeito à compra e venda com reserva de domínio, instituto sequer previsto no nosso C.C.B. Na lei portuguesa, mesmo prescrito o crédito, inobstante a prescrição pode o vendedor exigir a restituição da coisa (C.C.P., art. 304,  3.).
No que respeita ao início do curso de prescrição, e causas de suspensão e interrupção, ambos os direitos são bastante semelhantes, divergindo apenas no direito português, que:
a) mais moderno, prevê como causa de suspensão da prescrição a existência de relação de emprego doméstico entre as partes (C.C.P., art. 318, e);
b) admite a suspensão mesmo entre cônjuges separados (C.C.P., art. 318, a, contrário ao C.C.B., art. 168, 1);
c) considera interrompida a prescrição mesmo sendo anulada a citação ou notificação (C.C.P., art. 323, 3; que se choca com o C.C.B., art. 175; bem como com o C.P.C., art. 219 caput) – aceita a interrupção a partir do quinto dia após o requerimento de citação que não tiver sido atendido por motivo alheio à vontade da parte (C.C.P., art. 323, 2);
d) equipara à citação qualquer meio judicial que dê conhecimento ao devedor (C.C.P., art. 323, 4); no Brasil, entretanto, vistoria não interrompe a prescrição (Súmula 154, do STF).

Outra diferença está na existência de regras específicas sobre a caducidade (C.C.P., arts. 328 a 333), não existentes no C. SEABRA, estabelecendo o C.C.P., no art. 298, n.º 2, que, não mencionando a lei tratar-se de prescrição, as regras a serem aplicadas são as da caducidade.

Da usucapião

Nosso Código Civil é muito criticado, e com razão, por Lenine Nequete (n. 46, p. 7), pois fala da usucapião, equívoco reproduzido até pela mais alta Corte do país na edição da Súmula 237 (o usucapião pode ser argüido em defesa); afinal, o vocábulo é feminino (cf. ANTÔNIO GERALDO DA CUNHA, Dicionário Etimológico Nova Fronteira, p. 807) e o próprio legislador cuidou de corrigir o equívoco quando da edição da Lei n.º 6.969, em 10-12-81, regulando a usucapião especial (cf. arts. 2º, 3º e 7º).
O moderno legislador português foi mais cuidadoso, empregando corretamente o vocábulo no feminino (C.C.P., arts. 1.288, 1.289, 1.291, 1.292, 1.296, 1.297, 1.299, 1.300, n.1), abandonando a idéia do Código de Seabra, de uma “prescrição positiva”, mesmo porque tal seria incompatível com o novo art. 298, n. 3, pelo qual os direitos de propriedade não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso, ou seja, não se trataria de prescrição, mas de caducidade (decadência).
Mas será correto dizer Prescrição Aquisitiva (ou Positiva)? Haverá uma prescrição “aquisitiva” ou “positiva” em justaposição a uma “negativa” ou “extintiva”?
Para responder se faz necessário retomar o conceito de prescrição, e perquirir da existência, ou não, modernamente, de uma Teoria geral da Prescrição.


Da teoria geral da prescrição

Como se viu, historicamente, os conceitos nasceram separados. Prescrição surge como exceção de tempo para exonerar do cumprimento, usucapião como apreensão pelo uso, parecendo ser o uso muito mais significativo que o tempo, notadamente quando se tem em conta que os cidadãos adquiriam os móveis, por usucapião, em 2 anos.
Críticas que se fazem à unificação feita por JUSTINIANO podem ser resumidas em que a prescrição seria a força extinguindo a ação e recurso de defesa, ao passo que a usucapião traria direitos reais de propriedade. São críticas razoáveis.
Mas seria só isto, efetivamente, o que acontece? A usucapião somente cria direito real? A prescrição somente extingue direitos? Nos parece que não. Vejamos os dois institutos do ponto de vista dos patrimônios de ambas as partes.
Usucapião: antes dela, o bem já existia e o direito real idem (não há bens indefinidamente sem dono; pode haver o desinteresse, o abandono pelo titular, mas o bem é de alguém e se não for de ninguém, é do Estado). Quando ocorre a usucapião, opera-se uma transferência patrimonial, isto é, o bem deixa de ser propriedade do antigo dono, passando ao domínio do que até então era mero possuidor. Após um determinado tempo de ocupação, o possuidor não poderá ser molestado pelo antigo dono: aconteceu a usucapião (transferência da propriedade pelo uso), e a sentença que julga a ação é declaratória (n. 46, p. 7).
Prescrição extintiva: o ex-titular de um crédito (decorrente da venda de um bem ou serviço) perde o direito de reivindicar este crédito; o patrimônio do até então credor diminui no exato valor do crédito, enquanto que o patrimônio do até então devedor aumenta na mesma proporção; em outras palavras, observa-se uma transferência patrimonial do credor para o devedor, da mesma forma que acontece na usucapião; nesta, o bem passa ao domínio do possuidor; naquela ocorre o mesmo fenômeno, porém de forma dissimulada, pois no surgimento do crédito, ocorreu uma permuta: um bem ou serviço é prestado para o devedor, e o credor recebe um crédito de valor equivalente, de forma que o patrimônio de ambos mantém-se equilibrado; da mesma forma, quando o devedor resgata o título, pagando ao credor, não há alteração nos patrimônios, pois o devedor, até o pagamento, quando entregou valores ao credor, possuía em seu passivo aquele débito. O mesmo acontece com o credor que ao receber o pagamento, continua com o mesmo ativo, eis que o crédito também figurava como tal em seu patrimônio. Ocorrendo prescrição, entretanto, o devedor não mais tem de pagar o crédito que desaparece do patrimônio do credor; assim como na usucapião, onde um bem passa do patrimônio de uma para o de outra pessoa, na prescrição opera-se uma transferência patrimonial. Assim, o equívoco está em não vislumbrar na prescrição extintiva a transferência patrimonial que de fato ocorre, pois os bens do comércio, os créditos, não desaparecem, não se extinguem, nem nascem do nada; apenas são transferidos, de um patrimônio para outro: aplica-se aqui, também, a Lei de Lavoisier, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Concluindo essa tese, tanto usucapião quanto prescrição extintiva são um reconhecimento jurídico, posto que a sentença é declaratória da transferência patrimonial, decorrente do decurso do prazo em condições assinaladas na lei (compare com a definição do Código Civil Francês art. 2.219: um modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições determinadas pela lei  -  n. 46, p. 10).
  Assim, não se justifica qualificar a usucapião e a prescrição como positivas ou negativas, aquisitivas ou extintivas, já que ambas, na verdade, operam transferências patrimoniais, e os adjetivos somente servem para estabelecer o caos. A transferência será sempre, ao mesmo tempo, positiva e negativa, dependendo do ponto de vista: para os credores e os antigos proprietários do bem transferido, a prescrição será sempre negativa. Chamar a usucapião de prescrição aquisitiva seria errado por ignorar um dos pólos da relação: o antigo proprietário que perde o domínio.
Ademais, quando mais não fosse, zelando pela origem dos institutos, deve-se preservar a nomenclatura usucapio & praescriptio.


O problema decorrente da antigüidade do texto nacional

Como destacamos, no Direito Português há uma prescrição dita presuntiva, presunção de pagamento, quando decorridos dois anos do crédito derivado de prestação de serviço ou venda de bens a particulares (prazo inferior ao da própria lei uniforme) quando basta que o devedor diga que pagou, não se admitindo prova em contrário.
Não há nada semelhante no direito positivo pátrio, existindo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais bastante divergentes, pois coexiste a possibilidade do credor mover ação de locupletamento após a prescrição do título, e ao mesmo tempo o devedor pedir o cancelamento do protesto, apenas com base na prescrição do título, e sem sequer ouvir o credor.
Uns afirmam que a prescrição do título permite ação por locupletamento, que seria uma ação de natureza cambiária (PONTES DE MIRANDA, apud ANTONIO CHAVES, n.º 11, p. 18-19, S.I. ARAGÃO, n.º 9.4, e T.P.P. SILVA, n.º 54, p. 440) porque a posse do título indica o não recebimento do seu correspondente valor e faz presumir o prejuízo sofrido, incumbindo ao devedor provar o pagamento (PAULO RESTIFE NETO, in Anotações à Lei Uniforme de Genebra Vigente no Brasil – Lei do Cheque – RJ, RT,1973, p. 200) entendimento acolhido  pela 2ª C.C. do T.J. do Mato Grosso na Apelação Cível n.º 10.996 ( adv/coad 25399).
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná (RT 362/420), o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (JULGADOS 60/320, AC. 186003273), a Corte co-irmã de São Paulo  (RT 230/440 & ADV/COAD, n.º 23662, esta, por sua 4ª C. C., Apelação n.º340.269, invocando lição de FRAN MARTINS, “Títulos de Crédito”, RJ, Forense, 1983, v. II, 3ª ed., p. 149), o STF – Supremo Tribunal Federal, no R.E. 74.241-RS (n. 2), a 2ª C.C. do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível n.º32.308/84 (adv/coad 23661), invocando JOSÉ MARIA WHITAKER ( “Letra de Câmbio”, p. 287, n.º 206) a prova do prejuízo é feita pelo portador com a simples exibição do título não pago, cumprindo ao devedor a prova do pagamento; e, em Embargos Infringentes n.º32.199 (adv/coad 22449), o mesmo Tribunal, pelo 4º Grupo de Câmaras Cíveis, manifesta idêntico entendimento, somente divergindo no que respeita à correção monetária que, segundo a minoria, deveria incidir desde o vencimento do título, por se constituir em ato ilícito.
Também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos Embargos Infringentes n.º 63.923 (adv/coad 24771), publicado no D.J., MG 31/08/85, manifesta divergência relativa ao termo inicial da correção monetária: além de respeitável doutrina, o voto vencido refere jurisprudência daquela Corte e do STF (RE 83950, RTJ 88/603), concedendo a correção monetária desde o vencimento da cambial prescrita.
A mesma Corte mineira, por sua C.C., na A.C. 70601(em acórdão unânime de 17/3/87, publicado na adv/coad n.º 35593, e no Diário de Minas Gerais, n.º 182 de 23-9-87, capa e fl.2) assim com o Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª C. Civ, A.C.91.934-1, (adv/coad 38723) bem como as Cortes gaúchas, Tribunal de Justiça do RS  (AC 585042211, 5ª C.C., Rel. Des. Ruy Rosado, j. em 15-10-85) e Tribunal de Alçada do RS em Embargos Infringentes n.º 186052767 (Julgados do TARGS 64/374) concedem a correção monetária desde o vencimento das cambiais prescritas. Tais acórdãos, unânimes, praticamente igualam os processos de conhecimento, embasados em cambiais prescritas, em processos de execução onde, por força de embargos do devedor, houvesse ocorrido dilação probatória.
Desta forma, não resta dúvida ser plenamente cabível a ação de locupletamento, durante os vinte anos que se seguirem do vencimento da duplicata ou promissória. Como, então, permitir ao devedor pedir o cancelamento do protesto alegando tão só a prescrição do título, antes do prazo de prescrição ordinária, sem que fosse citado o credor? Tal direito foi negado pela 9ª C.C. T.J. R.J., Apelação Cível n.º 1.657/87 (adv/coad 37203) e T.J. R.S., Apelação Cível n.º 585048127, REL. des. Adroaldo Furtado Fabrício .
Surgiram, entretanto, respeitáveis entendimentos contrários: o Des. Paulo Boeckel Veloso, na Apelação Cível n.º 585048242 (RJTJRGS 115/383), deferiu cancelamento de protesto por força da prescrição porque entendeu não aproveitar ao credor a manutenção do registro após o lapso prescricional do título, numa forma de repúdio ao abuso de direito, pois, de fato, se o credor protestou o título por falta de pagamento, assistia-lhe o direito de ver mantido o protesto até o pagamento (o art. 160, 1, in fine e contrario sensu do Código Civil, serviria como suporte legal contra o abuso de direito). Também o Dr. Ivo Gabriel da Cunha Apelações Cíveis n.ºs 186026969 e 186063681 (Julgados do TARGS 59/252, 63/367), manifestam a ociosidade do registro perpétuo, deferindo o cancelamento após a prescrição do título de crédito e inaudita altera parte.
 Após obterem cancelamento dos protestos, alguns devedores voltaram-se contra o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito, pedindo o cancelamento dos registros após o lapso de 3 anos.
Entendendo que a prescrição do título não afastava a possibilidade da cobrança do crédito em ação ordinária, a 4ªC.C. T.J. R.S. negou o pedido da Apelação Cível n.º 587031808 (adv/coab 35984) em jul/87.
Mais recentemente, a 3ª C.C., Des, Rel. Flávio Pâncaro da Silva, A.C. 587061482, manifestou idêntico entendimento, de que o prazo para obtenção do cancelamento no SPC seria de 20 anos.
Entretanto, tanto a 5ª C.C., Rel. Des. Ruy Rosado, quanto à 4ª C.C., Rel. Des. Vanir Perin, na falta de critério legal, fixaram como parâmetro o prazo da pretensão executiva (3 anos). Pouco antes da concretização escrita deste trabalho, era editada a Súmula n.º 11, das Câmaras Cíveis Reunidas do T.J.R.G.S. com o seguinte teor: “ a inscrição do nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC pode ser cancelada após o decurso do prazo de três anos”. A decisão parece inclinar-se no sentido do antigo entendimento doutrinário, minoritário, onde Magarinos Torres, Pugliese e o professor. ERNANI ESTRELA, dentre outros, sustentavam que a prescrição da cambial implicava a perda de todo o direito, vedando a actio in rem verso; afinal, se durante o prazo de prescrição da ação executiva o credor não demandou o devedor por desconhecer-lhe o paradeiro ou bens penhoráveis, nada lhe impediria que amanhã viesse a descobrir os bens do devedor e, prescrita a via executiva, promova ação ordinária? E haverá melhor forma de descobrir o devedor do que manter-lhe o nome no cadastro do SPC, compelindo-o a procurar o credor?
A situação se agravou pelo ajuizamento de milhares de ações objetivando cancelar os registros no SPC, onde, em muitas delas, a nível de Tribunal, contrárias à aludida Súmula n.º 11, de forma que a controvérsia permanece na falta de melhor regulamentação especial a respeito.



Conclusão

As prescrições têm, como se viu, seu fundamento na segurança e  estabilidade social decorrentes da eliminação do perigo de demandas após um certo tempo. Observa-se, contudo, ao lado da deficiente compreensão quanto à natureza translativa do instituto, que provoca transferências patrimoniais, uma deficiência na legislação pátria, confirmada pela existência de decisões divergentes não só entre Tribunais diversos, como no mesmo Tribunal. Com o advento da Lei do Cheque (Lei n.º7.357, de 2-9-85) que em seu art. 61 estabelece a prescrição da actio in rem verso dois anos depois da perda da ação executiva, a questão fica solucionada com respeito a esse título de crédito de célere circulação. Contudo, ainda resta a necessidade de regular, de forma semelhante à ocorrida em Portugal, com o advento do Código de 66, art. 312, a prescrição da própria ação causal nos pequenos negócios, entre o comerciante ou prestadores de serviços e os particulares, com vistas a alcançar uma maior segurança nas relações jurídicas e afastar a possibilidade de decisões divergentes como as ora observadas.


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Esboçando uma teoria geral das prescrições. 4. Do direito luso-brasileiro, a comparação. 5. O problema decorrente da antigüidade do texto nacional. 6. Conclusão. 7. Bibliografia


Dormientibus non sucurritius
“A comparação entre sistemas jurídicos não deve ser feita com a finalidade de examinar apenas suas proposições em face do de outros povos, mas de estudá-las em conjunto com a realidade social e o direito imediatamente anterior.” CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA (n.º 19, p. 135)

Introdução
Comparando os direitos brasileiro e português na área da prescrição e da usucapião, afigurou-nos possível esboçar uma teoria geral das prescrições unindo ambos os institutos; por outro lado, dentre as semelhanças e diferenças entre os dois direitos, descobriu-se que embora o direito nacional estivesse mais atrasado ao regular as relações entre particulares e comerciantes, a doutrina e a jurisprudência brasileiras cuidavam de produzir efeitos como os da legislação portuguesa. Antes de resolver tais temas, teceremos algumas considerações sobre a origem e os fundamentos da prescrição. Daí tentaremos estabelecer uma teoria geral das prescrições, abrangendo também a usucapião. Em seguida, a comparação propriamente dita entre os dois ordenamentos, seguida de um aprofundamento no ponto de divergência entre os textos legais, no trato das relações entre particulares e comerciantes, concluindo-se pela necessidade de aprimoramento do texto legal nacional.




Da prescrição

Origens

A prescrição vincula-se à própria natureza humana, remontando a mais alta antigüidade. Foi conhecida por todos os povos que se regeram por leis, tanto na Europa quanto no Oriente (Platão refere a Usucapião na sua República, n.º 46, p. 8), embora somente os romanos lhe tivessem imprimido a forma que hoje se conhece (CUNHA GONÇALVES, n.º 29, p. 628).
O termo vem do latim praescriptio, o mesmo que exceptio exceção; qualquer exceção, oposta antes (prae) da forma (scriptio). Dentre elas havia a temporalis praescriptio, exceção de tempo, sendo que a usucapio  (ou seja, captar, adquirir pelo uso) remonta à Lei das Doze Tábuas, quando por posse de apenas dois anos se adquiria imóvel (um ano para os móveis); a realidade, importava à República que as terras fossem sempre cultivadas; era instituição do ius civile, e, portanto, só podia ser invocada pelos cidadãos; mais tarde, o direito pretoriano facultou aos peregrinos a praescriptio longi temporis, que se distinguia no prazo, bastante dilatado se comparado à primeira: 10 ou 20 anos, conforme residentes na mesma província ou em diversas.
Através de Justiniano, o instituto deixa de ser apenas uma exceção, passando à forma de aquisição e extinção de direitos, unificando as figuras da usucapio e a praescriptio longi temporis com os prazos da primeira, e com novo prazo de três anos para os móveis.


Fundamento

A prescrição, a princípio, revela-se instituto pouco carismático. Afinal, despoja o proprietário da coisa ou crédito, única e exclusivamente pela negligência no exercício dos direitos, muito embora durante todo o decurso do lapso prescricional, o beneficiário da prescrição estivesse sujeito ao dever não só moral, mas jurídico, de respeitar aqueles mesmos direitos que terminaram por prescrever.
Entretanto, revela-se necessária à estabilidade social, excluindo a ameaça representada pela demanda (SÍLVIO RODRIGUES, n.º 13).


Esboçando uma teoria geral das prescrições

Seria possível estabelecer uma teoria geral abrangendo ambas as prescrições? Pensamos que sim e, para tanto, iniciemos pelo conceito de prescrição.
Não se registra qualquer divergência digna de nota: o conceito é praticamente universal; os códigos sequer dela se ocupam (o C. SEABRA – de 1867 -, ainda conceituava o instituto no art. 505, caput).
Embora tecendo críticas a uma teoria geral da prescrição (Tratado, § 662, 1.7 e ss.) o Embaixador Pontes de Miranda define o instituto como exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante um certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação (§ 662, n.º 2). Como se verá, esse conceito permite tipificar tanto a prescrição extintiva, quanto à usucapião. Daí a sagacidade do mestre, dizendo que tal conceito foi extraído do C.C.B., ou seja, atribuindo o conceito a legislador, quando, na verdade o C.C.B. não chega a emitir conceito de prescrição; prosseguindo na leitura do Tratado, adiante, nota-se a prudência do grande Mestre, no trato da Usucapião (Tratado, §§ 1.192-8), cuidando em não omitir conceito da usucapio, evitando, assim, repetir aquela forma utilizada ao conceituar a prescrição extintiva.
Já o Código Civil francês, art. 2.219, adota a definição unitária: um modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições determinadas pela lei (n.º 46, p. 9), definição incorporada aos códigos da Áustria, Itália, Chile, Argentina e Espanha, que se sujeitaram às mesmas críticas opostas a JUSTINIANO, segundo as quais a prescrição seria uma força extintiva da ação e de todos os recursos de defesa, enquanto a usucapião, transformando-se em posse de propriedade seria fonte de direitos reais.


Do direito luso-brasileiro, a comparação

Assinala Guilherme Braga da Cruz um paradoxo no distanciamento, que a codificação lusa toma de suas fontes tradicionais, enquanto o C.C.B. vai abeberar-se nestas fontes por obra de Teixeira de Freitas; desta forma, o direito romano, não somente inspirador da legislação portuguesa, mas sua fonte subsidiária (n.º 24), incorpora-se em 1.445 dos 1.807 que compõem o C.C.B. (n.º 3 , pp. 29 e 42).
Dentre os legados do Direito Romano, a prescrição era dos mais elaborados, pouco se modificando desde então, essa razão por que, embora o hiato verificado no desenvolvimento histórico dos ordenamentos jurídicos dos países estudados, no que respeita às “disposições gerais”, ambas as leis, brasileira e portuguesa, apresentam disposições de idêntico efeito.
O C. SEABRA dividia o instituto em Prescrição Positiva e Negativa; o C.C.B. aborda a prescrição subtítulo O tempo e suas repercussões na relação jurídica retomando a usucapião como forma de aquisição da propriedade (art. 1.316); nosso código discorre separadamente da prescrição e da (sic) usucapião.


Da prescrição extintiva ou negativa

O art. 166 do C.C.B., bem como o art. 219, § 5º, c/c art. 128 in fine, do nosso C.P.C., assemelham-se ao art. 303 do C.C.P., que amplia o art. 515 do C. SEABRA, pelos quais a prescrição tem de ser invocada por quem dela se aproveita (C.C.P., art. 303, c/c 301, e 305,1; C.C.B., art.162); nosso direito, talvez, por ser antigo, expressamente submete a pessoa jurídica a tais regras (C.C.B., art. 163).
Em ambas legislações a renúncia pode ser tácita, mas só se a admite após o lapso prescricional (C.C.B., art. 161; C.C.P., art. 302, 1. E 2.; e art. 508 do C. SEABRA); entretanto, o legislador pátrio, ao contrário do português, cuida de definir a renúncia tácita (art. 161, par. Único), enquanto o C.C.P. cuida de excluir a necessidade de aceitação da renúncia (art. 302, 2., in fine). Nota-se , contudo, a preocupação em salvaguardar direitos de terceiro (C.C.B., art. 161, caputin fine; C.C.P., art. 302, 3., c/c art. 305, 1., 2. E 3.; C. SEABRA, art. 509 e 2.040).
E em ambos a prescrição não pode ser alegada como motivo para repetição de indébito (C.C.B., art. 970; C.C.P., art. 304, 2) e continua a correr contra os sucessores (C.C.B., art. 165; C.C.P., art. 308, 1). O C. SEABRA não dispunha a respeito, o prazo ordinário lá e sempre de 20 anos (C.C.P., art. 309), mas já foi de até 30 anos (C. SEABRA, art. 535), enquanto aqui se estabelecem distinções entre ações pessoais (20 anos) e reais (10 a 15 anos – C.C.B., art. 177).
Mas há, no C.C.P., dissemelhança, como as prescrições presuntivas, ou presunção de cumprimento (C.C.P., art. 312), que só podem ser elididas se o devedor, por escrito ou em juízo, confessar que não pagou (C. SEABRA, art. 542), presumindo-se esta pela recusa em depor (à semelhança do art. 343, § 2º, de nosso C.P.C.). O instituto é de extrema importância.[2][1]
Outra distinção importante diz respeito à compra e venda com reserva de domínio, instituto sequer previsto no nosso C.C.B. Na lei portuguesa, mesmo prescrito o crédito, inobstante a prescrição pode o vendedor exigir a restituição da coisa (C.C.P., art. 304,  3.).
No que respeita ao início do curso de prescrição, e causas de suspensão e interrupção, ambos os direitos são bastante semelhantes, divergindo apenas no direito português, que:
a) mais moderno, prevê como causa de suspensão da prescrição a existência de relação de emprego doméstico entre as partes (C.C.P., art. 318, e);
b) admite a suspensão mesmo entre cônjuges separados (C.C.P., art. 318, a, contrário ao C.C.B., art. 168, 1);
c) considera interrompida a prescrição mesmo sendo anulada a citação ou notificação (C.C.P., art. 323, 3; que se choca com o C.C.B., art. 175; bem como com o C.P.C., art. 219 caput) – aceita a interrupção a partir do quinto dia após o requerimento de citação que não tiver sido atendido por motivo alheio à vontade da parte (C.C.P., art. 323, 2);
d) equipara à citação qualquer meio judicial que dê conhecimento ao devedor (C.C.P., art. 323, 4); no Brasil, entretanto, vistoria não interrompe a prescrição (Súmula 154, do STF).

Outra diferença está na existência de regras específicas sobre a caducidade (C.C.P., arts. 328 a 333), não existentes no C. SEABRA, estabelecendo o C.C.P., no art. 298, n.º 2, que, não mencionando a lei tratar-se de prescrição, as regras a serem aplicadas são as da caducidade.

Da usucapião

Nosso Código Civil é muito criticado, e com razão, por Lenine Nequete (n. 46, p. 7), pois fala da usucapião, equívoco reproduzido até pela mais alta Corte do país na edição da Súmula 237 (o usucapião pode ser argüido em defesa); afinal, o vocábulo é feminino (cf. ANTÔNIO GERALDO DA CUNHA, Dicionário Etimológico Nova Fronteira, p. 807) e o próprio legislador cuidou de corrigir o equívoco quando da edição da Lei n.º 6.969, em 10-12-81, regulando a usucapião especial (cf. arts. 2º, 3º e 7º).
O moderno legislador português foi mais cuidadoso, empregando corretamente o vocábulo no feminino (C.C.P., arts. 1.288, 1.289, 1.291, 1.292, 1.296, 1.297, 1.299, 1.300, n.1), abandonando a idéia do Código de Seabra, de uma “prescrição positiva”, mesmo porque tal seria incompatível com o novo art. 298, n. 3, pelo qual os direitos de propriedade não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso, ou seja, não se trataria de prescrição, mas de caducidade (decadência).
Mas será correto dizer Prescrição Aquisitiva (ou Positiva)? Haverá uma prescrição “aquisitiva” ou “positiva” em justaposição a uma “negativa” ou “extintiva”?
Para responder se faz necessário retomar o conceito de prescrição, e perquirir da existência, ou não, modernamente, de uma Teoria geral da Prescrição.


Da teoria geral da prescrição

Como se viu, historicamente, os conceitos nasceram separados. Prescrição surge como exceção de tempo para exonerar do cumprimento, usucapião como apreensão pelo uso, parecendo ser o uso muito mais significativo que o tempo, notadamente quando se tem em conta que os cidadãos adquiriam os móveis, por usucapião, em 2 anos.
Críticas que se fazem à unificação feita por JUSTINIANO podem ser resumidas em que a prescrição seria a força extinguindo a ação e recurso de defesa, ao passo que a usucapião traria direitos reais de propriedade. São críticas razoáveis.
Mas seria só isto, efetivamente, o que acontece? A usucapião somente cria direito real? A prescrição somente extingue direitos? Nos parece que não. Vejamos os dois institutos do ponto de vista dos patrimônios de ambas as partes.
Usucapião: antes dela, o bem já existia e o direito real idem (não há bens indefinidamente sem dono; pode haver o desinteresse, o abandono pelo titular, mas o bem é de alguém e se não for de ninguém, é do Estado). Quando ocorre a usucapião, opera-se uma transferência patrimonial, isto é, o bem deixa de ser propriedade do antigo dono, passando ao domínio do que até então era mero possuidor. Após um determinado tempo de ocupação, o possuidor não poderá ser molestado pelo antigo dono: aconteceu a usucapião (transferência da propriedade pelo uso), e a sentença que julga a ação é declaratória (n. 46, p. 7).
Prescrição extintiva: o ex-titular de um crédito (decorrente da venda de um bem ou serviço) perde o direito de reivindicar este crédito; o patrimônio do até então credor diminui no exato valor do crédito, enquanto que o patrimônio do até então devedor aumenta na mesma proporção; em outras palavras, observa-se uma transferência patrimonial do credor para o devedor, da mesma forma que acontece na usucapião; nesta, o bem passa ao domínio do possuidor; naquela ocorre o mesmo fenômeno, porém de forma dissimulada, pois no surgimento do crédito, ocorreu uma permuta: um bem ou serviço é prestado para o devedor, e o credor recebe um crédito de valor equivalente, de forma que o patrimônio de ambos mantém-se equilibrado; da mesma forma, quando o devedor resgata o título, pagando ao credor, não há alteração nos patrimônios, pois o devedor, até o pagamento, quando entregou valores ao credor, possuía em seu passivo aquele débito. O mesmo acontece com o credor que ao receber o pagamento, continua com o mesmo ativo, eis que o crédito também figurava como tal em seu patrimônio. Ocorrendo prescrição, entretanto, o devedor não mais tem de pagar o crédito que desaparece do patrimônio do credor; assim como na usucapião, onde um bem passa do patrimônio de uma para o de outra pessoa, na prescrição opera-se uma transferência patrimonial. Assim, o equívoco está em não vislumbrar na prescrição extintiva a transferência patrimonial que de fato ocorre, pois os bens do comércio, os créditos, não desaparecem, não se extinguem, nem nascem do nada; apenas são transferidos, de um patrimônio para outro: aplica-se aqui, também, a Lei de Lavoisier, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Concluindo essa tese, tanto usucapião quanto prescrição extintiva são um reconhecimento jurídico, posto que a sentença é declaratória da transferência patrimonial, decorrente do decurso do prazo em condições assinaladas na lei (compare com a definição do Código Civil Francês art. 2.219: um modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições determinadas pela lei  -  n. 46, p. 10).
  Assim, não se justifica qualificar a usucapião e a prescrição como positivas ou negativas, aquisitivas ou extintivas, já que ambas, na verdade, operam transferências patrimoniais, e os adjetivos somente servem para estabelecer o caos. A transferência será sempre, ao mesmo tempo, positiva e negativa, dependendo do ponto de vista: para os credores e os antigos proprietários do bem transferido, a prescrição será sempre negativa. Chamar a usucapião de prescrição aquisitiva seria errado por ignorar um dos pólos da relação: o antigo proprietário que perde o domínio.
Ademais, quando mais não fosse, zelando pela origem dos institutos, deve-se preservar a nomenclatura usucapio & praescriptio.


O problema decorrente da antigüidade do texto nacional

Como destacamos, no Direito Português há uma prescrição dita presuntiva, presunção de pagamento, quando decorridos dois anos do crédito derivado de prestação de serviço ou venda de bens a particulares (prazo inferior ao da própria lei uniforme) quando basta que o devedor diga que pagou, não se admitindo prova em contrário.
Não há nada semelhante no direito positivo pátrio, existindo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais bastante divergentes, pois coexiste a possibilidade do credor mover ação de locupletamento após a prescrição do título, e ao mesmo tempo o devedor pedir o cancelamento do protesto, apenas com base na prescrição do título, e sem sequer ouvir o credor.
Uns afirmam que a prescrição do título permite ação por locupletamento, que seria uma ação de natureza cambiária (PONTES DE MIRANDA, apud ANTONIO CHAVES, n.º 11, p. 18-19, S.I. ARAGÃO, n.º 9.4, e T.P.P. SILVA, n.º 54, p. 440) porque a posse do título indica o não recebimento do seu correspondente valor e faz presumir o prejuízo sofrido, incumbindo ao devedor provar o pagamento (PAULO RESTIFE NETO, in Anotações à Lei Uniforme de Genebra Vigente no Brasil – Lei do Cheque – RJ, RT,1973, p. 200) entendimento acolhido  pela 2ª C.C. do T.J. do Mato Grosso na Apelação Cível n.º 10.996 ( adv/coad 25399).
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná (RT 362/420), o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (JULGADOS 60/320, AC. 186003273), a Corte co-irmã de São Paulo  (RT 230/440 & ADV/COAD, n.º 23662, esta, por sua 4ª C. C., Apelação n.º340.269, invocando lição de FRAN MARTINS, “Títulos de Crédito”, RJ, Forense, 1983, v. II, 3ª ed., p. 149), o STF – Supremo Tribunal Federal, no R.E. 74.241-RS (n. 2), a 2ª C.C. do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível n.º32.308/84 (adv/coad 23661), invocando JOSÉ MARIA WHITAKER ( “Letra de Câmbio”, p. 287, n.º 206) a prova do prejuízo é feita pelo portador com a simples exibição do título não pago, cumprindo ao devedor a prova do pagamento; e, em Embargos Infringentes n.º32.199 (adv/coad 22449), o mesmo Tribunal, pelo 4º Grupo de Câmaras Cíveis, manifesta idêntico entendimento, somente divergindo no que respeita à correção monetária que, segundo a minoria, deveria incidir desde o vencimento do título, por se constituir em ato ilícito.
Também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos Embargos Infringentes n.º 63.923 (adv/coad 24771), publicado no D.J., MG 31/08/85, manifesta divergência relativa ao termo inicial da correção monetária: além de respeitável doutrina, o voto vencido refere jurisprudência daquela Corte e do STF (RE 83950, RTJ 88/603), concedendo a correção monetária desde o vencimento da cambial prescrita.
A mesma Corte mineira, por sua C.C., na A.C. 70601(em acórdão unânime de 17/3/87, publicado na adv/coad n.º 35593, e no Diário de Minas Gerais, n.º 182 de 23-9-87, capa e fl.2) assim com o Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª C. Civ, A.C.91.934-1, (adv/coad 38723) bem como as Cortes gaúchas, Tribunal de Justiça do RS  (AC 585042211, 5ª C.C., Rel. Des. Ruy Rosado, j. em 15-10-85) e Tribunal de Alçada do RS em Embargos Infringentes n.º 186052767 (Julgados do TARGS 64/374) concedem a correção monetária desde o vencimento das cambiais prescritas. Tais acórdãos, unânimes, praticamente igualam os processos de conhecimento, embasados em cambiais prescritas, em processos de execução onde, por força de embargos do devedor, houvesse ocorrido dilação probatória.
Desta forma, não resta dúvida ser plenamente cabível a ação de locupletamento, durante os vinte anos que se seguirem do vencimento da duplicata ou promissória. Como, então, permitir ao devedor pedir o cancelamento do protesto alegando tão só a prescrição do título, antes do prazo de prescrição ordinária, sem que fosse citado o credor? Tal direito foi negado pela 9ª C.C. T.J. R.J., Apelação Cível n.º 1.657/87 (adv/coad 37203) e T.J. R.S., Apelação Cível n.º 585048127, REL. des. Adroaldo Furtado Fabrício .
Surgiram, entretanto, respeitáveis entendimentos contrários: o Des. Paulo Boeckel Veloso, na Apelação Cível n.º 585048242 (RJTJRGS 115/383), deferiu cancelamento de protesto por força da prescrição porque entendeu não aproveitar ao credor a manutenção do registro após o lapso prescricional do título, numa forma de repúdio ao abuso de direito, pois, de fato, se o credor protestou o título por falta de pagamento, assistia-lhe o direito de ver mantido o protesto até o pagamento (o art. 160, 1, in fine e contrario sensu do Código Civil, serviria como suporte legal contra o abuso de direito). Também o Dr. Ivo Gabriel da Cunha Apelações Cíveis n.ºs 186026969 e 186063681 (Julgados do TARGS 59/252, 63/367), manifestam a ociosidade do registro perpétuo, deferindo o cancelamento após a prescrição do título de crédito e inaudita altera parte.
 Após obterem cancelamento dos protestos, alguns devedores voltaram-se contra o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito, pedindo o cancelamento dos registros após o lapso de 3 anos.
Entendendo que a prescrição do título não afastava a possibilidade da cobrança do crédito em ação ordinária, a 4ªC.C. T.J. R.S. negou o pedido da Apelação Cível n.º 587031808 (adv/coab 35984) em jul/87.
Mais recentemente, a 3ª C.C., Des, Rel. Flávio Pâncaro da Silva, A.C. 587061482, manifestou idêntico entendimento, de que o prazo para obtenção do cancelamento no SPC seria de 20 anos.
Entretanto, tanto a 5ª C.C., Rel. Des. Ruy Rosado, quanto à 4ª C.C., Rel. Des. Vanir Perin, na falta de critério legal, fixaram como parâmetro o prazo da pretensão executiva (3 anos). Pouco antes da concretização escrita deste trabalho, era editada a Súmula n.º 11, das Câmaras Cíveis Reunidas do T.J.R.G.S. com o seguinte teor: “ a inscrição do nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC pode ser cancelada após o decurso do prazo de três anos”. A decisão parece inclinar-se no sentido do antigo entendimento doutrinário, minoritário, onde Magarinos Torres, Pugliese e o professor. ERNANI ESTRELA, dentre outros, sustentavam que a prescrição da cambial implicava a perda de todo o direito, vedando a actio in rem verso; afinal, se durante o prazo de prescrição da ação executiva o credor não demandou o devedor por desconhecer-lhe o paradeiro ou bens penhoráveis, nada lhe impediria que amanhã viesse a descobrir os bens do devedor e, prescrita a via executiva, promova ação ordinária? E haverá melhor forma de descobrir o devedor do que manter-lhe o nome no cadastro do SPC, compelindo-o a procurar o credor?
A situação se agravou pelo ajuizamento de milhares de ações objetivando cancelar os registros no SPC, onde, em muitas delas, a nível de Tribunal, contrárias à aludida Súmula n.º 11, de forma que a controvérsia permanece na falta de melhor regulamentação especial a respeito.



Conclusão

As prescrições têm, como se viu, seu fundamento na segurança e  estabilidade social decorrentes da eliminação do perigo de demandas após um certo tempo. Observa-se, contudo, ao lado da deficiente compreensão quanto à natureza translativa do instituto, que provoca transferências patrimoniais, uma deficiência na legislação pátria, confirmada pela existência de decisões divergentes não só entre Tribunais diversos, como no mesmo Tribunal. Com o advento da Lei do Cheque (Lei n.º7.357, de 2-9-85) que em seu art. 61 estabelece a prescrição da actio in rem verso dois anos depois da perda da ação executiva, a questão fica solucionada com respeito a esse título de crédito de célere circulação. Contudo, ainda resta a necessidade de regular, de forma semelhante à ocorrida em Portugal, com o advento do Código de 66, art. 312, a prescrição da própria ação causal nos pequenos negócios, entre o comerciante ou prestadores de serviços e os particulares, com vistas a alcançar uma maior segurança nas relações jurídicas e afastar a possibilidade de decisões divergentes como as ora observadas.


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[1][1] A importância deste instituto está em que atinge, em dois anos, todos os créditos dos comerciantes e prestadores de serviços em geral, inclusive hotéis e restaurantes, excetuando-se da regra créditos decorrentes do comércio de bens para revenda. Os particulares não necessitam guardar comprovantes de pagamento por mais de dois anos porque, se demandados, basta dizer que pagaram e a demanda será arquivada. Aqui no Brasil, além de vigorar o prazo de três anos para a ação cambial, após estes 3 anos inicia o prazo de 20 anos (ordinário) da prescrição da ação in rem verso (n.º 54). Adiante, ao tratar dos cancelamentos de SPC e PROTESTOS, bem como na conclusão, o tema será novamente abordado.
[2][1] A importância deste instituto está em que atinge, em dois anos, todos os créditos dos comerciantes e prestadores de serviços em geral, inclusive hotéis e restaurantes, excetuando-se da regra créditos decorrentes do comércio de bens para revenda. Os particulares não necessitam guardar comprovantes de pagamento por mais de dois anos porque, se demandados, basta dizer que pagaram e a demanda será arquivada. Aqui no Brasil, além de vigorar o prazo de três anos para a ação cambial, após estes 3 anos inicia o prazo de 20 anos (ordinário) da prescrição da ação in rem verso (n.º 54). Adiante, ao tratar dos cancelamentos de SPC e PROTESTOS, bem como na conclusão, o tema será novamente abordado.