Mais de uma década após a sua elaboração, a perspectiva persiste inovadora apresentando uma Teoria Geral da Prescrição.
As chamadas prescrições
“negativa” e “positiva” no direito civil brasileiro e português, semelhanças e diferenças:
Revista de
Informação Legislativa, Senado Federal, Brasília, outubro a dezembro de 1990, a
.27, v. 108, p. 285-295
Luiz
Roberto Nuñes Padilla
Sumário
1.
Introdução. 2. Origem e
fundamento das prescrições.
Esboçando uma
teoria geral das prescrições. 4. Do direito luso-brasileiro, a comparação. 5. O
problema decorrente da antigüidade do texto nacional. 6. Conclusão. 7.
Bibliografia
Dormientibus non sucurritius
“A comparação entre sistemas
jurídicos não deve ser feita com a finalidade de examinar apenas suas
proposições em face do de outros povos, mas de estudá-las em conjunto com a
realidade social e o direito imediatamente anterior.” CLÓVIS V. DO COUTO E
SILVA (n.º 19, p. 135)
Introdução
Comparando os direitos brasileiro e português na área da
prescrição e da usucapião, afigurou-nos possível esboçar uma teoria geral das
prescrições unindo ambos os institutos; por outro lado, dentre as semelhanças e
diferenças entre os dois direitos, descobriu-se que embora o direito nacional
estivesse mais atrasado ao regular as relações entre particulares e
comerciantes, a doutrina e a jurisprudência brasileiras cuidavam de produzir
efeitos como os da legislação portuguesa. Antes de resolver tais temas,
teceremos algumas considerações sobre a origem e os fundamentos da prescrição.
Daí tentaremos estabelecer uma teoria geral das prescrições, abrangendo também
a usucapião. Em seguida, a comparação propriamente dita entre os dois
ordenamentos, seguida de um aprofundamento no ponto de divergência entre os
textos legais, no trato das relações entre particulares e comerciantes,
concluindo-se pela necessidade de aprimoramento do texto legal nacional. NOTA:
o número indica a obra na relação bibliográfica.
Da prescrição
Origens
A prescrição vincula-se à própria
natureza humana, remontando a mais alta antigüidade. Foi conhecida por todos os
povos que se regeram por leis, tanto na Europa quanto no Oriente (Platão refere
a Usucapião na sua República, n.º 46, p. 8), embora somente os romanos lhe
tivessem imprimido a forma que hoje se conhece (CUNHA GONÇALVES, n.º 29, p.
628).
O termo vem do latim praescriptio, o mesmo que exceptio exceção; qualquer exceção,
oposta antes (prae) da forma (scriptio). Dentre elas havia a temporalis praescriptio, exceção de tempo, sendo que a usucapio (ou seja, captar,
adquirir pelo uso) remonta à Lei das Doze
Tábuas, quando por posse de apenas dois anos se adquiria imóvel (um ano
para os móveis); a realidade, importava à República que as terras fossem sempre
cultivadas; era instituição do ius civile,
e, portanto, só podia ser invocada pelos cidadãos; mais tarde, o direito
pretoriano facultou aos peregrinos a praescriptio
longi temporis, que se distinguia no prazo, bastante dilatado se
comparado à primeira: 10 ou 20 anos, conforme residentes na mesma província ou
em diversas.
Através de Justiniano, o instituto deixa de ser
apenas uma exceção, passando à forma de aquisição e extinção de direitos,
unificando as figuras da usucapio e a
praescriptio longi temporis com os
prazos da primeira, e com novo prazo de três anos para os móveis.
Fundamento
A prescrição, a princípio,
revela-se instituto pouco carismático. Afinal, despoja o proprietário da coisa
ou crédito, única e exclusivamente pela negligência no exercício dos direitos,
muito embora durante todo o decurso do lapso prescricional, o beneficiário da
prescrição estivesse sujeito ao dever não só moral, mas jurídico, de respeitar
aqueles mesmos direitos que terminaram por prescrever.
Entretanto, revela-se necessária
à estabilidade social, excluindo a ameaça representada pela demanda (SÍLVIO
RODRIGUES, n.º 13).
Esboçando uma teoria geral das
prescrições
Seria possível estabelecer uma
teoria geral abrangendo ambas as prescrições? Pensamos que sim e, para tanto,
iniciemos pelo conceito de
prescrição.
Não se registra qualquer
divergência digna de nota: o conceito é praticamente universal; os códigos
sequer dela se ocupam (o C. SEABRA – de 1867 -, ainda conceituava o instituto
no art. 505, caput).
Embora tecendo críticas a uma teoria geral da prescrição (Tratado, §
662, 1.7 e ss.) o Embaixador Pontes de
Miranda define o instituto como exceção,
que alguém tem, contra o que não exerceu, durante um certo tempo, que alguma
regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação (§ 662, n.º 2). Como se verá,
esse conceito permite tipificar tanto a prescrição extintiva, quanto à
usucapião. Daí a sagacidade do mestre, dizendo que tal conceito foi extraído do
C.C.B., ou seja, atribuindo o conceito a legislador, quando, na verdade o
C.C.B. não chega a emitir conceito de prescrição; prosseguindo na leitura do
Tratado, adiante, nota-se a prudência do grande Mestre, no trato da Usucapião
(Tratado, §§ 1.192-8), cuidando em não omitir conceito da usucapio, evitando, assim, repetir aquela forma utilizada ao
conceituar a prescrição extintiva.
Já o Código Civil francês, art.
2.219, adota a definição unitária: um
modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as
condições determinadas pela lei (n.º 46, p. 9), definição incorporada aos
códigos da Áustria, Itália, Chile, Argentina e Espanha, que se sujeitaram às
mesmas críticas opostas a JUSTINIANO, segundo as quais a prescrição seria uma força extintiva da ação e de todos os
recursos de defesa, enquanto a usucapião, transformando-se em posse de
propriedade seria fonte de direitos
reais.
Do direito luso-brasileiro, a
comparação
Assinala Guilherme Braga da Cruz
um paradoxo no distanciamento, que a codificação lusa toma de suas fontes
tradicionais, enquanto o C.C.B. vai abeberar-se nestas fontes por obra de
Teixeira de Freitas; desta forma, o direito romano, não somente inspirador da
legislação portuguesa, mas sua fonte subsidiária (n.º 24), incorpora-se em
1.445 dos 1.807 que compõem o C.C.B. (n.º 3 , pp. 29 e 42).
Dentre os legados do Direito
Romano, a prescrição era dos mais elaborados, pouco se modificando desde então,
essa razão por que, embora o hiato verificado no desenvolvimento histórico dos
ordenamentos jurídicos dos países estudados, no que respeita às “disposições
gerais”, ambas as leis, brasileira e portuguesa, apresentam disposições de
idêntico efeito.
O C. SEABRA dividia o instituto
em Prescrição Positiva e Negativa; o C.C.B. aborda a prescrição subtítulo O tempo e suas repercussões na relação
jurídica retomando a usucapião como forma de aquisição da propriedade (art.
1.316); nosso código discorre separadamente da prescrição e da (sic) usucapião.
Da prescrição extintiva ou
negativa
O art. 166 do C.C.B., bem como o
art. 219, § 5º, c/c art. 128 in fine,
do nosso C.P.C., assemelham-se ao art. 303 do C.C.P., que amplia o art. 515 do
C. SEABRA, pelos quais a prescrição tem de ser invocada por quem dela se
aproveita (C.C.P., art. 303, c/c 301, e 305,1; C.C.B., art.162); nosso direito,
talvez, por ser antigo, expressamente submete a pessoa jurídica a tais regras
(C.C.B., art. 163).
Em ambas legislações a renúncia
pode ser tácita, mas só se a admite após o lapso prescricional (C.C.B., art.
161; C.C.P., art. 302, 1. E 2.; e art. 508 do C. SEABRA); entretanto, o
legislador pátrio, ao contrário do português, cuida de definir a renúncia tácita (art. 161, par. Único), enquanto o C.C.P. cuida de excluir a
necessidade de aceitação da renúncia (art. 302, 2., in fine). Nota-se ,
contudo, a preocupação em salvaguardar direitos de terceiro (C.C.B., art. 161, caput – in fine; C.C.P., art. 302, 3., c/c art. 305, 1., 2. E 3.; C.
SEABRA, art. 509 e 2.040).
E em ambos a prescrição não pode
ser alegada como motivo para repetição
de indébito (C.C.B., art. 970; C.C.P., art. 304, 2) e continua a correr contra
os sucessores (C.C.B., art. 165; C.C.P., art. 308, 1). O C. SEABRA não dispunha
a respeito, o prazo ordinário lá e sempre de 20 anos (C.C.P., art. 309), mas já
foi de até 30 anos (C. SEABRA, art. 535), enquanto aqui se estabelecem
distinções entre ações pessoais (20 anos) e reais (10 a 15 anos – C.C.B., art.
177).
Mas há, no C.C.P., dissemelhança, como as prescrições presuntivas, ou presunção de cumprimento (C.C.P., art. 312), que só
podem ser elididas se o devedor, por escrito ou em juízo, confessar que não
pagou (C. SEABRA, art. 542), presumindo-se esta pela recusa em depor (à
semelhança do art. 343, § 2º, de nosso C.P.C.). O instituto é de extrema
importância.[1][1]
Outra distinção importante diz
respeito à compra e venda com reserva de domínio, instituto sequer previsto no
nosso C.C.B. Na lei portuguesa, mesmo prescrito o crédito, inobstante a
prescrição pode o vendedor exigir a restituição da coisa (C.C.P., art.
304, 3.).
No que respeita ao início do curso
de prescrição, e causas de suspensão e interrupção, ambos os direitos são
bastante semelhantes, divergindo apenas no direito português, que:
a) mais moderno, prevê como causa
de suspensão da prescrição a existência de relação de emprego doméstico entre as
partes (C.C.P., art. 318, e);
b) admite a suspensão mesmo entre
cônjuges separados (C.C.P., art. 318, a, contrário ao C.C.B., art. 168, 1);
c) considera interrompida a
prescrição mesmo sendo anulada a citação ou notificação (C.C.P., art. 323, 3;
que se choca com o C.C.B., art. 175; bem como com o C.P.C., art. 219 caput) – aceita a interrupção a partir
do quinto dia após o requerimento de citação que não tiver sido atendido por
motivo alheio à vontade da parte (C.C.P., art. 323, 2);
d) equipara à citação qualquer
meio judicial que dê conhecimento ao devedor (C.C.P., art. 323, 4); no Brasil,
entretanto, vistoria não interrompe a
prescrição (Súmula 154, do STF).
Outra diferença está na
existência de regras específicas sobre a caducidade (C.C.P., arts. 328 a 333),
não existentes no C. SEABRA, estabelecendo o C.C.P., no art. 298, n.º 2, que,
não mencionando a lei tratar-se de prescrição, as regras a serem aplicadas são
as da caducidade.
Da usucapião
Nosso Código Civil é muito
criticado, e com razão, por Lenine Nequete (n. 46, p. 7), pois fala da
usucapião, equívoco reproduzido até pela mais alta Corte do país na edição da
Súmula 237 (o usucapião pode ser argüido
em defesa); afinal, o vocábulo é feminino (cf. ANTÔNIO GERALDO DA CUNHA, Dicionário
Etimológico Nova Fronteira, p. 807) e o próprio legislador cuidou de
corrigir o equívoco quando da edição da Lei n.º 6.969, em 10-12-81, regulando a
usucapião especial (cf. arts. 2º, 3º
e 7º).
O moderno legislador português
foi mais cuidadoso, empregando corretamente o vocábulo no feminino (C.C.P.,
arts. 1.288, 1.289, 1.291, 1.292, 1.296, 1.297, 1.299, 1.300, n.1), abandonando
a idéia do Código de Seabra, de uma “prescrição positiva”, mesmo porque tal
seria incompatível com o novo art. 298, n. 3, pelo qual os direitos de
propriedade não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso, ou seja, não
se trataria de prescrição, mas de caducidade (decadência).
Mas será correto dizer Prescrição
Aquisitiva (ou Positiva)? Haverá uma prescrição “aquisitiva” ou “positiva” em
justaposição a uma “negativa” ou “extintiva”?
Para responder se faz necessário
retomar o conceito de prescrição, e perquirir da existência, ou não,
modernamente, de uma Teoria geral da
Prescrição.
Da teoria geral da prescrição
Como se viu, historicamente, os
conceitos nasceram separados. Prescrição surge como exceção de tempo para
exonerar do cumprimento, usucapião como apreensão pelo uso, parecendo ser o uso
muito mais significativo que o tempo, notadamente quando se tem em conta que os
cidadãos adquiriam os móveis, por usucapião, em 2 anos.
Críticas que se fazem à
unificação feita por JUSTINIANO podem ser resumidas em que a prescrição seria a
força extinguindo a ação e recurso de defesa, ao passo que a usucapião traria
direitos reais de propriedade. São críticas razoáveis.
Mas seria só isto, efetivamente,
o que acontece? A usucapião somente cria direito real? A prescrição somente
extingue direitos? Nos parece que não. Vejamos os dois institutos do ponto de
vista dos patrimônios de ambas as partes.
Usucapião: antes dela, o bem já
existia e o direito real idem (não há bens indefinidamente sem dono; pode haver
o desinteresse, o abandono pelo titular, mas o bem é de alguém e se não for de
ninguém, é do Estado). Quando ocorre a usucapião, opera-se uma transferência
patrimonial, isto é, o bem deixa de ser propriedade do antigo dono, passando ao
domínio do que até então era mero possuidor. Após um determinado tempo de
ocupação, o possuidor não poderá ser molestado pelo antigo dono: aconteceu a
usucapião (transferência da propriedade pelo uso), e a sentença que julga a
ação é declaratória (n. 46, p. 7).
Prescrição extintiva: o
ex-titular de um crédito (decorrente da venda de um bem ou serviço) perde o
direito de reivindicar este crédito; o patrimônio do até então credor diminui
no exato valor do crédito, enquanto que o patrimônio do até então devedor
aumenta na mesma proporção; em outras palavras, observa-se uma transferência
patrimonial do credor para o devedor, da mesma forma que acontece na usucapião;
nesta, o bem passa ao domínio do possuidor; naquela ocorre o mesmo fenômeno,
porém de forma dissimulada, pois no surgimento do crédito, ocorreu uma permuta:
um bem ou serviço é prestado para o devedor, e o credor recebe um crédito de
valor equivalente, de forma que o patrimônio de ambos mantém-se equilibrado; da
mesma forma, quando o devedor resgata o título, pagando ao credor, não há
alteração nos patrimônios, pois o devedor, até o pagamento, quando entregou
valores ao credor, possuía em seu passivo aquele débito. O mesmo acontece com o
credor que ao receber o pagamento, continua com o mesmo ativo, eis que o
crédito também figurava como tal em seu patrimônio. Ocorrendo prescrição,
entretanto, o devedor não mais tem de pagar o crédito que desaparece do
patrimônio do credor; assim como na usucapião, onde um bem passa do patrimônio
de uma para o de outra pessoa, na prescrição opera-se uma transferência
patrimonial. Assim, o equívoco está em não vislumbrar na prescrição extintiva a
transferência patrimonial que de fato ocorre, pois os bens do comércio, os
créditos, não desaparecem, não se extinguem, nem nascem do nada; apenas são
transferidos, de um patrimônio para outro: aplica-se aqui, também, a Lei de
Lavoisier, nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma.
Concluindo essa tese, tanto
usucapião quanto prescrição extintiva são um reconhecimento jurídico, posto que
a sentença é declaratória da transferência patrimonial, decorrente do decurso
do prazo em condições assinaladas na lei (compare com a definição do Código
Civil Francês art. 2.219: um modo de
adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições
determinadas pela lei - n. 46, p. 10).
Assim, não se justifica qualificar a usucapião e a prescrição como
positivas ou negativas, aquisitivas ou extintivas, já que ambas, na verdade,
operam transferências patrimoniais, e os adjetivos somente servem para
estabelecer o caos. A transferência será sempre, ao mesmo tempo, positiva e
negativa, dependendo do ponto de vista: para os credores e os antigos proprietários
do bem transferido, a prescrição será sempre negativa. Chamar a usucapião de
prescrição aquisitiva seria errado por ignorar um dos pólos da relação: o
antigo proprietário que perde o domínio.
Ademais, quando mais não fosse,
zelando pela origem dos institutos, deve-se preservar a nomenclatura usucapio & praescriptio.
O problema decorrente da
antigüidade do texto nacional
Como destacamos, no Direito
Português há uma prescrição dita presuntiva, presunção de pagamento, quando
decorridos dois anos do crédito derivado de prestação de serviço ou venda de
bens a particulares (prazo inferior ao da própria lei uniforme) quando basta
que o devedor diga que pagou, não se admitindo prova em contrário.
Não há nada semelhante no direito
positivo pátrio, existindo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
bastante divergentes, pois coexiste a possibilidade do credor mover ação de
locupletamento após a prescrição do título, e ao mesmo tempo o devedor pedir o
cancelamento do protesto, apenas com base na prescrição do título, e sem sequer
ouvir o credor.
Uns afirmam que a prescrição do
título permite ação por locupletamento, que seria uma ação de natureza
cambiária (PONTES DE MIRANDA, apud
ANTONIO CHAVES, n.º 11, p. 18-19, S.I. ARAGÃO, n.º 9.4, e T.P.P. SILVA, n.º 54,
p. 440) porque a posse do título indica o não recebimento do seu correspondente
valor e faz presumir o prejuízo sofrido, incumbindo ao devedor provar o
pagamento (PAULO RESTIFE NETO, in
Anotações à Lei Uniforme de Genebra Vigente no Brasil – Lei do Cheque – RJ,
RT,1973, p. 200) entendimento acolhido
pela 2ª C.C. do T.J. do Mato Grosso na Apelação Cível n.º 10.996 (
adv/coad 25399).
No mesmo sentido, o Tribunal de
Justiça do Paraná (RT 362/420), o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul
(JULGADOS 60/320, AC. 186003273), a Corte co-irmã de São Paulo (RT
230/440 & ADV/COAD, n.º 23662, esta, por sua 4ª C. C., Apelação n.º340.269,
invocando lição de FRAN MARTINS, “Títulos de Crédito”, RJ, Forense, 1983, v.
II, 3ª ed., p. 149), o STF – Supremo Tribunal Federal, no R.E. 74.241-RS (n.
2), a 2ª C.C. do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível
n.º32.308/84 (adv/coad 23661), invocando JOSÉ MARIA WHITAKER ( “Letra de
Câmbio”, p. 287, n.º 206) a prova do prejuízo é feita pelo portador com a simples
exibição do título não pago, cumprindo ao devedor a prova do pagamento; e, em
Embargos Infringentes n.º32.199 (adv/coad 22449), o mesmo Tribunal, pelo 4º
Grupo de Câmaras Cíveis, manifesta idêntico entendimento, somente divergindo no
que respeita à correção monetária que, segundo a minoria, deveria incidir desde
o vencimento do título, por se constituir em ato ilícito.
Também o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, nos Embargos Infringentes n.º 63.923 (adv/coad 24771), publicado
no D.J., MG 31/08/85, manifesta divergência relativa ao termo inicial da
correção monetária: além de respeitável doutrina, o voto vencido refere
jurisprudência daquela Corte e do STF (RE 83950, RTJ 88/603), concedendo a
correção monetária desde o vencimento da cambial prescrita.
A mesma Corte mineira, por sua
C.C., na A.C. 70601(em acórdão unânime de 17/3/87, publicado na adv/coad n.º
35593, e no Diário de Minas Gerais,
n.º 182 de 23-9-87, capa e fl.2) assim com o Tribunal de Justiça de São Paulo,
4ª C. Civ, A.C.91.934-1, (adv/coad 38723) bem como as Cortes gaúchas, Tribunal
de Justiça do RS (AC 585042211, 5ª C.C.,
Rel. Des. Ruy Rosado, j. em 15-10-85) e Tribunal de Alçada do RS em Embargos
Infringentes n.º 186052767 (Julgados do TARGS 64/374) concedem a correção
monetária desde o vencimento das cambiais prescritas. Tais acórdãos, unânimes, praticamente igualam os processos de
conhecimento, embasados em cambiais prescritas, em processos de execução onde,
por força de embargos do devedor, houvesse ocorrido dilação probatória.
Desta forma, não resta dúvida ser
plenamente cabível a ação de locupletamento, durante os vinte anos que se
seguirem do vencimento da duplicata ou promissória. Como, então, permitir ao
devedor pedir o cancelamento do protesto alegando tão só a prescrição do título,
antes do prazo de prescrição ordinária, sem que fosse citado o credor? Tal
direito foi negado pela 9ª C.C. T.J. R.J., Apelação Cível n.º 1.657/87
(adv/coad 37203) e T.J. R.S., Apelação Cível n.º 585048127, REL. des. Adroaldo
Furtado Fabrício .
Surgiram, entretanto,
respeitáveis entendimentos contrários: o Des. Paulo Boeckel Veloso, na Apelação
Cível n.º 585048242 (RJTJRGS 115/383), deferiu cancelamento de protesto por
força da prescrição porque entendeu não aproveitar ao credor a manutenção do
registro após o lapso prescricional do título, numa forma de repúdio ao abuso
de direito, pois, de fato, se o credor protestou o título por falta de
pagamento, assistia-lhe o direito de ver mantido o protesto até o pagamento (o
art. 160, 1, in fine e contrario sensu do Código Civil,
serviria como suporte legal contra o abuso de direito). Também o Dr. Ivo
Gabriel da Cunha Apelações Cíveis n.ºs 186026969 e 186063681 (Julgados do TARGS
59/252, 63/367), manifestam a ociosidade do registro perpétuo, deferindo o
cancelamento após a prescrição do título de crédito e inaudita altera parte.
Após obterem cancelamento dos protestos,
alguns devedores voltaram-se contra o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito,
pedindo o cancelamento dos registros após o lapso de 3 anos.
Entendendo que a prescrição do
título não afastava a possibilidade da cobrança do crédito em ação ordinária, a
4ªC.C. T.J. R.S. negou o pedido da Apelação Cível n.º 587031808 (adv/coab
35984) em jul/87.
Mais recentemente, a 3ª C.C.,
Des, Rel. Flávio Pâncaro da Silva, A.C. 587061482, manifestou idêntico
entendimento, de que o prazo para obtenção do cancelamento no SPC seria de 20
anos.
Entretanto, tanto a 5ª C.C., Rel.
Des. Ruy Rosado, quanto à 4ª C.C., Rel. Des. Vanir Perin, na falta de critério
legal, fixaram como parâmetro o prazo da pretensão executiva (3 anos). Pouco
antes da concretização escrita deste trabalho, era editada a Súmula n.º 11, das
Câmaras Cíveis Reunidas do T.J.R.G.S. com o seguinte teor: “ a inscrição do
nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC pode ser cancelada após
o decurso do prazo de três anos”. A decisão parece inclinar-se no sentido do
antigo entendimento doutrinário, minoritário, onde Magarinos Torres, Pugliese e
o professor. ERNANI ESTRELA, dentre outros, sustentavam que a prescrição da
cambial implicava a perda de todo o direito, vedando a actio in rem verso; afinal, se durante o prazo de prescrição da
ação executiva o credor não demandou o devedor por desconhecer-lhe o paradeiro
ou bens penhoráveis, nada lhe impediria que amanhã viesse a descobrir os bens
do devedor e, prescrita a via executiva, promova ação ordinária? E haverá
melhor forma de descobrir o devedor do que manter-lhe o nome no cadastro do
SPC, compelindo-o a procurar o credor?
A situação se agravou pelo ajuizamento
de milhares de ações objetivando cancelar os registros no SPC, onde, em muitas
delas, a nível de Tribunal, contrárias à aludida Súmula n.º 11, de forma que a
controvérsia permanece na falta de melhor regulamentação especial a respeito.
Conclusão
As prescrições têm, como se viu,
seu fundamento na segurança e
estabilidade social decorrentes da eliminação do perigo de demandas após
um certo tempo. Observa-se, contudo, ao lado da deficiente compreensão quanto à natureza translativa do instituto, que
provoca transferências patrimoniais, uma deficiência na legislação pátria,
confirmada pela existência de decisões divergentes não só entre Tribunais
diversos, como no mesmo Tribunal. Com o advento da Lei do Cheque (Lei n.º7.357,
de 2-9-85) que em seu art. 61 estabelece a prescrição da actio in rem verso dois anos depois da perda da ação executiva, a
questão fica solucionada com respeito a esse título de crédito de célere
circulação. Contudo, ainda resta a necessidade de regular, de forma semelhante
à ocorrida em Portugal, com o advento do Código de 66, art. 312, a prescrição
da própria ação causal nos pequenos negócios, entre o comerciante ou
prestadores de serviços e os particulares, com vistas a alcançar uma maior
segurança nas relações jurídicas e afastar a possibilidade de decisões
divergentes como as ora observadas.
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24.471, 24.938, 25.399, 31.550, 34.593, 35.137, 35.368, 35.593, 35.593, 35.885,
35.984, 36.328, 36.619, 37.203, 38.723, 38.824, 39.148, 39.030, 40.172, 40.541,
40.772, 41.335. (mar./85 a ago./88)
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Esboçando uma teoria geral das prescrições. 4. Do direito
luso-brasileiro, a comparação. 5. O problema decorrente da antigüidade do texto
nacional. 6. Conclusão. 7. Bibliografia
Dormientibus non sucurritius
“A
comparação entre sistemas jurídicos não deve ser feita com a finalidade de
examinar apenas suas proposições em face do de outros povos, mas de estudá-las em
conjunto com a realidade social e o direito imediatamente anterior.” CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA (n.º 19, p. 135)
Introdução
Comparando os direitos brasileiro
e português na área da prescrição e da usucapião, afigurou-nos possível esboçar
uma teoria geral das prescrições unindo ambos os institutos; por outro lado,
dentre as semelhanças e diferenças entre os dois direitos, descobriu-se que
embora o direito nacional estivesse mais atrasado ao regular as relações entre
particulares e comerciantes, a doutrina e a jurisprudência brasileiras cuidavam
de produzir efeitos como os da legislação portuguesa. Antes de resolver tais
temas, teceremos algumas considerações sobre a origem e os fundamentos da
prescrição. Daí tentaremos estabelecer uma teoria geral das prescrições,
abrangendo também a usucapião. Em seguida, a comparação propriamente dita entre
os dois ordenamentos, seguida de um aprofundamento no ponto de divergência
entre os textos legais, no trato das relações entre particulares e
comerciantes, concluindo-se pela necessidade de aprimoramento do texto legal
nacional.
Da prescrição
Origens
A prescrição vincula-se à própria
natureza humana, remontando a mais alta antigüidade. Foi conhecida por todos os
povos que se regeram por leis, tanto na Europa quanto no Oriente (Platão refere
a Usucapião na sua República, n.º 46, p. 8), embora somente os romanos lhe
tivessem imprimido a forma que hoje se conhece (CUNHA GONÇALVES, n.º 29, p.
628).
O termo vem do latim praescriptio, o mesmo que exceptio exceção; qualquer exceção,
oposta antes (prae) da forma (scriptio). Dentre elas havia a temporalis praescriptio, exceção de tempo, sendo que a usucapio (ou seja, captar,
adquirir pelo uso) remonta à Lei das Doze
Tábuas, quando por posse de apenas dois anos se adquiria imóvel (um ano
para os móveis); a realidade, importava à República que as terras fossem sempre
cultivadas; era instituição do ius civile,
e, portanto, só podia ser invocada pelos cidadãos; mais tarde, o direito
pretoriano facultou aos peregrinos a praescriptio
longi temporis, que se distinguia no prazo, bastante dilatado se
comparado à primeira: 10 ou 20 anos, conforme residentes na mesma província ou
em diversas.
Através de Justiniano, o instituto deixa de ser
apenas uma exceção, passando à forma de aquisição e extinção de direitos,
unificando as figuras da usucapio e a
praescriptio longi temporis com os
prazos da primeira, e com novo prazo de três anos para os móveis.
Fundamento
A prescrição, a princípio,
revela-se instituto pouco carismático. Afinal, despoja o proprietário da coisa
ou crédito, única e exclusivamente pela negligência no exercício dos direitos,
muito embora durante todo o decurso do lapso prescricional, o beneficiário da
prescrição estivesse sujeito ao dever não só moral, mas jurídico, de respeitar
aqueles mesmos direitos que terminaram por prescrever.
Entretanto, revela-se necessária
à estabilidade social, excluindo a ameaça representada pela demanda (SÍLVIO
RODRIGUES, n.º 13).
Esboçando uma teoria geral das
prescrições
Seria possível estabelecer uma
teoria geral abrangendo ambas as prescrições? Pensamos que sim e, para tanto,
iniciemos pelo conceito de
prescrição.
Não se registra qualquer
divergência digna de nota: o conceito é praticamente universal; os códigos
sequer dela se ocupam (o C. SEABRA – de 1867 -, ainda conceituava o instituto
no art. 505, caput).
Embora tecendo críticas a uma teoria geral da prescrição (Tratado, §
662, 1.7 e ss.) o Embaixador Pontes de
Miranda define o instituto como exceção,
que alguém tem, contra o que não exerceu, durante um certo tempo, que alguma
regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação (§ 662, n.º 2). Como se verá,
esse conceito permite tipificar tanto a prescrição extintiva, quanto à
usucapião. Daí a sagacidade do mestre, dizendo que tal conceito foi extraído do
C.C.B., ou seja, atribuindo o conceito a legislador, quando, na verdade o
C.C.B. não chega a emitir conceito de prescrição; prosseguindo na leitura do
Tratado, adiante, nota-se a prudência do grande Mestre, no trato da Usucapião (Tratado,
§§ 1.192-8), cuidando em não omitir conceito da usucapio, evitando, assim, repetir aquela forma utilizada ao
conceituar a prescrição extintiva.
Já o Código Civil francês, art.
2.219, adota a definição unitária: um
modo de adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as
condições determinadas pela lei (n.º 46, p. 9), definição incorporada aos
códigos da Áustria, Itália, Chile, Argentina e Espanha, que se sujeitaram às
mesmas críticas opostas a JUSTINIANO, segundo as quais a prescrição seria uma força extintiva da ação e de todos os
recursos de defesa, enquanto a usucapião, transformando-se em posse de
propriedade seria fonte de direitos
reais.
Do direito luso-brasileiro, a
comparação
Assinala Guilherme Braga da Cruz
um paradoxo no distanciamento, que a codificação lusa toma de suas fontes
tradicionais, enquanto o C.C.B. vai abeberar-se nestas fontes por obra de
Teixeira de Freitas; desta forma, o direito romano, não somente inspirador da
legislação portuguesa, mas sua fonte subsidiária (n.º 24), incorpora-se em
1.445 dos 1.807 que compõem o C.C.B. (n.º 3 , pp. 29 e 42).
Dentre os legados do Direito
Romano, a prescrição era dos mais elaborados, pouco se modificando desde então,
essa razão por que, embora o hiato verificado no desenvolvimento histórico dos
ordenamentos jurídicos dos países estudados, no que respeita às “disposições
gerais”, ambas as leis, brasileira e portuguesa, apresentam disposições de
idêntico efeito.
O C. SEABRA dividia o instituto
em Prescrição Positiva e Negativa; o C.C.B. aborda a prescrição subtítulo O tempo e suas repercussões na relação
jurídica retomando a usucapião como forma de aquisição da propriedade (art.
1.316); nosso código discorre separadamente da prescrição e da (sic) usucapião.
Da prescrição extintiva ou
negativa
O art. 166 do C.C.B., bem como o
art. 219, § 5º, c/c art. 128 in fine,
do nosso C.P.C., assemelham-se ao art. 303 do C.C.P., que amplia o art. 515 do
C. SEABRA, pelos quais a prescrição tem de ser invocada por quem dela se
aproveita (C.C.P., art. 303, c/c 301, e 305,1; C.C.B., art.162); nosso direito,
talvez, por ser antigo, expressamente submete a pessoa jurídica a tais regras
(C.C.B., art. 163).
Em ambas legislações a renúncia
pode ser tácita, mas só se a admite após o lapso prescricional (C.C.B., art.
161; C.C.P., art. 302, 1. E 2.; e art. 508 do C. SEABRA); entretanto, o
legislador pátrio, ao contrário do português, cuida de definir a renúncia tácita (art. 161, par. Único), enquanto o C.C.P. cuida de excluir a
necessidade de aceitação da renúncia (art. 302, 2., in fine). Nota-se ,
contudo, a preocupação em salvaguardar direitos de terceiro (C.C.B., art. 161, caput – in fine; C.C.P., art. 302, 3., c/c art. 305, 1., 2. E 3.; C.
SEABRA, art. 509 e 2.040).
E em ambos a prescrição não pode ser
alegada como motivo para repetição de
indébito (C.C.B., art. 970; C.C.P., art. 304, 2) e continua a correr contra
os sucessores (C.C.B., art. 165; C.C.P., art. 308, 1). O C. SEABRA não dispunha
a respeito, o prazo ordinário lá e sempre de 20 anos (C.C.P., art. 309), mas já
foi de até 30 anos (C. SEABRA, art. 535), enquanto aqui se estabelecem
distinções entre ações pessoais (20 anos) e reais (10 a 15 anos – C.C.B., art.
177).
Mas há, no C.C.P., dissemelhança, como as prescrições presuntivas, ou presunção de cumprimento (C.C.P., art. 312), que só
podem ser elididas se o devedor, por escrito ou em juízo, confessar que não
pagou (C. SEABRA, art. 542), presumindo-se esta pela recusa em depor (à
semelhança do art. 343, § 2º, de nosso C.P.C.). O instituto é de extrema
importância.[2][1]
Outra distinção importante diz
respeito à compra e venda com reserva de domínio, instituto sequer previsto no
nosso C.C.B. Na lei portuguesa, mesmo prescrito o crédito, inobstante a
prescrição pode o vendedor exigir a restituição da coisa (C.C.P., art.
304, 3.).
No que respeita ao início do
curso de prescrição, e causas de suspensão e interrupção, ambos os direitos são
bastante semelhantes, divergindo apenas no direito português, que:
a) mais moderno, prevê como causa
de suspensão da prescrição a existência de relação de emprego doméstico entre
as partes (C.C.P., art. 318, e);
b) admite a suspensão mesmo entre
cônjuges separados (C.C.P., art. 318, a, contrário ao C.C.B., art. 168, 1);
c) considera interrompida a
prescrição mesmo sendo anulada a citação ou notificação (C.C.P., art. 323, 3;
que se choca com o C.C.B., art. 175; bem como com o C.P.C., art. 219 caput) – aceita a interrupção a partir
do quinto dia após o requerimento de citação que não tiver sido atendido por
motivo alheio à vontade da parte (C.C.P., art. 323, 2);
d) equipara à citação qualquer
meio judicial que dê conhecimento ao devedor (C.C.P., art. 323, 4); no Brasil,
entretanto, vistoria não interrompe a
prescrição (Súmula 154, do STF).
Outra diferença está na
existência de regras específicas sobre a caducidade (C.C.P., arts. 328 a 333),
não existentes no C. SEABRA, estabelecendo o C.C.P., no art. 298, n.º 2, que,
não mencionando a lei tratar-se de prescrição, as regras a serem aplicadas são
as da caducidade.
Da usucapião
Nosso Código Civil é muito
criticado, e com razão, por Lenine Nequete (n. 46, p. 7), pois fala da
usucapião, equívoco reproduzido até pela mais alta Corte do país na edição da
Súmula 237 (o usucapião pode ser argüido
em defesa); afinal, o vocábulo é feminino (cf. ANTÔNIO GERALDO DA CUNHA, Dicionário
Etimológico Nova Fronteira, p. 807) e o próprio legislador cuidou de
corrigir o equívoco quando da edição da Lei n.º 6.969, em 10-12-81, regulando a
usucapião especial (cf. arts. 2º, 3º
e 7º).
O moderno legislador português
foi mais cuidadoso, empregando corretamente o vocábulo no feminino (C.C.P.,
arts. 1.288, 1.289, 1.291, 1.292, 1.296, 1.297, 1.299, 1.300, n.1), abandonando
a idéia do Código de Seabra, de uma “prescrição positiva”, mesmo porque tal
seria incompatível com o novo art. 298, n. 3, pelo qual os direitos de
propriedade não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso, ou seja, não
se trataria de prescrição, mas de caducidade (decadência).
Mas será correto dizer Prescrição
Aquisitiva (ou Positiva)? Haverá uma prescrição “aquisitiva” ou “positiva” em
justaposição a uma “negativa” ou “extintiva”?
Para responder se faz necessário
retomar o conceito de prescrição, e perquirir da existência, ou não, modernamente,
de uma Teoria geral da Prescrição.
Da teoria geral da prescrição
Como se viu, historicamente, os
conceitos nasceram separados. Prescrição surge como exceção de tempo para
exonerar do cumprimento, usucapião como apreensão pelo uso, parecendo ser o uso
muito mais significativo que o tempo, notadamente quando se tem em conta que os
cidadãos adquiriam os móveis, por usucapião, em 2 anos.
Críticas que se fazem à
unificação feita por JUSTINIANO podem ser resumidas em que a prescrição seria a
força extinguindo a ação e recurso de defesa, ao passo que a usucapião traria
direitos reais de propriedade. São críticas razoáveis.
Mas seria só isto, efetivamente,
o que acontece? A usucapião somente cria direito real? A prescrição somente
extingue direitos? Nos parece que não. Vejamos os dois institutos do ponto de
vista dos patrimônios de ambas as partes.
Usucapião: antes dela, o bem já
existia e o direito real idem (não há bens indefinidamente sem dono; pode haver
o desinteresse, o abandono pelo titular, mas o bem é de alguém e se não for de
ninguém, é do Estado). Quando ocorre a usucapião, opera-se uma transferência
patrimonial, isto é, o bem deixa de ser propriedade do antigo dono, passando ao
domínio do que até então era mero possuidor. Após um determinado tempo de
ocupação, o possuidor não poderá ser molestado pelo antigo dono: aconteceu a
usucapião (transferência da propriedade pelo uso), e a sentença que julga a
ação é declaratória (n. 46, p. 7).
Prescrição extintiva: o
ex-titular de um crédito (decorrente da venda de um bem ou serviço) perde o
direito de reivindicar este crédito; o patrimônio do até então credor diminui
no exato valor do crédito, enquanto que o patrimônio do até então devedor
aumenta na mesma proporção; em outras palavras, observa-se uma transferência
patrimonial do credor para o devedor, da mesma forma que acontece na usucapião;
nesta, o bem passa ao domínio do possuidor; naquela ocorre o mesmo fenômeno,
porém de forma dissimulada, pois no surgimento do crédito, ocorreu uma permuta:
um bem ou serviço é prestado para o devedor, e o credor recebe um crédito de
valor equivalente, de forma que o patrimônio de ambos mantém-se equilibrado; da
mesma forma, quando o devedor resgata o título, pagando ao credor, não há
alteração nos patrimônios, pois o devedor, até o pagamento, quando entregou
valores ao credor, possuía em seu passivo aquele débito. O mesmo acontece com o
credor que ao receber o pagamento, continua com o mesmo ativo, eis que o
crédito também figurava como tal em seu patrimônio. Ocorrendo prescrição,
entretanto, o devedor não mais tem de pagar o crédito que desaparece do
patrimônio do credor; assim como na usucapião, onde um bem passa do patrimônio
de uma para o de outra pessoa, na prescrição opera-se uma transferência
patrimonial. Assim, o equívoco está em não vislumbrar na prescrição extintiva a
transferência patrimonial que de fato ocorre, pois os bens do comércio, os
créditos, não desaparecem, não se extinguem, nem nascem do nada; apenas são
transferidos, de um patrimônio para outro: aplica-se aqui, também, a Lei de
Lavoisier, nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma.
Concluindo essa tese, tanto
usucapião quanto prescrição extintiva são um reconhecimento jurídico, posto que
a sentença é declaratória da transferência patrimonial, decorrente do decurso
do prazo em condições assinaladas na lei (compare com a definição do Código
Civil Francês art. 2.219: um modo de
adquirir ou de se libertar por um certo lapso de tempo, e sob as condições
determinadas pela lei - n. 46, p. 10).
Assim, não se justifica qualificar a usucapião e a prescrição como
positivas ou negativas, aquisitivas ou extintivas, já que ambas, na verdade,
operam transferências patrimoniais, e os adjetivos somente servem para
estabelecer o caos. A transferência será sempre, ao mesmo tempo, positiva e
negativa, dependendo do ponto de vista: para os credores e os antigos
proprietários do bem transferido, a prescrição será sempre negativa. Chamar a
usucapião de prescrição aquisitiva seria errado por ignorar um dos pólos da
relação: o antigo proprietário que perde o domínio.
Ademais, quando mais não fosse,
zelando pela origem dos institutos, deve-se preservar a nomenclatura usucapio & praescriptio.
O problema decorrente da
antigüidade do texto nacional
Como destacamos, no Direito
Português há uma prescrição dita presuntiva, presunção de pagamento, quando
decorridos dois anos do crédito derivado de prestação de serviço ou venda de
bens a particulares (prazo inferior ao da própria lei uniforme) quando basta que
o devedor diga que pagou, não se admitindo prova em contrário.
Não há nada semelhante no direito
positivo pátrio, existindo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
bastante divergentes, pois coexiste a possibilidade do credor mover ação de
locupletamento após a prescrição do título, e ao mesmo tempo o devedor pedir o
cancelamento do protesto, apenas com base na prescrição do título, e sem sequer
ouvir o credor.
Uns afirmam que a prescrição do
título permite ação por locupletamento, que seria uma ação de natureza
cambiária (PONTES DE MIRANDA, apud
ANTONIO CHAVES, n.º 11, p. 18-19, S.I. ARAGÃO, n.º 9.4, e T.P.P. SILVA, n.º 54,
p. 440) porque a posse do título indica o não recebimento do seu correspondente
valor e faz presumir o prejuízo sofrido, incumbindo ao devedor provar o
pagamento (PAULO RESTIFE NETO, in
Anotações à Lei Uniforme de Genebra Vigente no Brasil – Lei do Cheque – RJ,
RT,1973, p. 200) entendimento acolhido
pela 2ª C.C. do T.J. do Mato Grosso na Apelação Cível n.º 10.996 (
adv/coad 25399).
No mesmo sentido, o Tribunal de
Justiça do Paraná (RT 362/420), o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul
(JULGADOS 60/320, AC. 186003273), a Corte co-irmã de São Paulo (RT
230/440 & ADV/COAD, n.º 23662, esta, por sua 4ª C. C., Apelação n.º340.269,
invocando lição de FRAN MARTINS, “Títulos de Crédito”, RJ, Forense, 1983, v.
II, 3ª ed., p. 149), o STF – Supremo Tribunal Federal, no R.E. 74.241-RS (n.
2), a 2ª C.C. do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível
n.º32.308/84 (adv/coad 23661), invocando JOSÉ MARIA WHITAKER ( “Letra de
Câmbio”, p. 287, n.º 206) a prova do prejuízo é feita pelo portador com a
simples exibição do título não pago, cumprindo ao devedor a prova do pagamento;
e, em Embargos Infringentes n.º32.199 (adv/coad 22449), o mesmo Tribunal, pelo
4º Grupo de Câmaras Cíveis, manifesta idêntico entendimento, somente divergindo
no que respeita à correção monetária que, segundo a minoria, deveria incidir
desde o vencimento do título, por se constituir em ato ilícito.
Também o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, nos Embargos Infringentes n.º 63.923 (adv/coad 24771), publicado
no D.J., MG 31/08/85, manifesta divergência relativa ao termo inicial da
correção monetária: além de respeitável doutrina, o voto vencido refere
jurisprudência daquela Corte e do STF (RE 83950, RTJ 88/603), concedendo a
correção monetária desde o vencimento da cambial prescrita.
A mesma Corte mineira, por sua
C.C., na A.C. 70601(em acórdão unânime de 17/3/87, publicado na adv/coad n.º
35593, e no Diário de Minas Gerais,
n.º 182 de 23-9-87, capa e fl.2) assim com o Tribunal de Justiça de São Paulo,
4ª C. Civ, A.C.91.934-1, (adv/coad 38723) bem como as Cortes gaúchas, Tribunal
de Justiça do RS (AC 585042211, 5ª C.C.,
Rel. Des. Ruy Rosado, j. em 15-10-85) e Tribunal de Alçada do RS em Embargos
Infringentes n.º 186052767 (Julgados do TARGS 64/374) concedem a correção
monetária desde o vencimento das cambiais prescritas. Tais acórdãos, unânimes, praticamente igualam os processos de
conhecimento, embasados em cambiais prescritas, em processos de execução onde,
por força de embargos do devedor, houvesse ocorrido dilação probatória.
Desta forma, não resta dúvida ser
plenamente cabível a ação de locupletamento, durante os vinte anos que se
seguirem do vencimento da duplicata ou promissória. Como, então, permitir ao
devedor pedir o cancelamento do protesto alegando tão só a prescrição do
título, antes do prazo de prescrição ordinária, sem que fosse citado o credor?
Tal direito foi negado pela 9ª C.C. T.J. R.J., Apelação Cível n.º 1.657/87
(adv/coad 37203) e T.J. R.S., Apelação Cível n.º 585048127, REL. des. Adroaldo
Furtado Fabrício .
Surgiram, entretanto,
respeitáveis entendimentos contrários: o Des. Paulo Boeckel Veloso, na Apelação
Cível n.º 585048242 (RJTJRGS 115/383), deferiu cancelamento de protesto por
força da prescrição porque entendeu não aproveitar ao credor a manutenção do
registro após o lapso prescricional do título, numa forma de repúdio ao abuso
de direito, pois, de fato, se o credor protestou o título por falta de
pagamento, assistia-lhe o direito de ver mantido o protesto até o pagamento (o
art. 160, 1, in fine e contrario sensu do Código Civil,
serviria como suporte legal contra o abuso de direito). Também o Dr. Ivo
Gabriel da Cunha Apelações Cíveis n.ºs 186026969 e 186063681 (Julgados do TARGS
59/252, 63/367), manifestam a ociosidade do registro perpétuo, deferindo o
cancelamento após a prescrição do título de crédito e inaudita altera parte.
Após obterem cancelamento dos protestos,
alguns devedores voltaram-se contra o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito,
pedindo o cancelamento dos registros após o lapso de 3 anos.
Entendendo que a prescrição do
título não afastava a possibilidade da cobrança do crédito em ação ordinária, a
4ªC.C. T.J. R.S. negou o pedido da Apelação Cível n.º 587031808 (adv/coab
35984) em jul/87.
Mais recentemente, a 3ª C.C.,
Des, Rel. Flávio Pâncaro da Silva, A.C. 587061482, manifestou idêntico
entendimento, de que o prazo para obtenção do cancelamento no SPC seria de 20
anos.
Entretanto, tanto a 5ª C.C., Rel.
Des. Ruy Rosado, quanto à 4ª C.C., Rel. Des. Vanir Perin, na falta de critério
legal, fixaram como parâmetro o prazo da pretensão executiva (3 anos). Pouco
antes da concretização escrita deste trabalho, era editada a Súmula n.º 11, das
Câmaras Cíveis Reunidas do T.J.R.G.S. com o seguinte teor: “ a inscrição do
nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC pode ser cancelada após
o decurso do prazo de três anos”. A decisão parece inclinar-se no sentido do
antigo entendimento doutrinário, minoritário, onde Magarinos Torres, Pugliese e
o professor. ERNANI ESTRELA, dentre outros, sustentavam que a prescrição da
cambial implicava a perda de todo o direito, vedando a actio in rem verso; afinal, se durante o prazo de prescrição da ação
executiva o credor não demandou o devedor por desconhecer-lhe o paradeiro ou
bens penhoráveis, nada lhe impediria que amanhã viesse a descobrir os bens do
devedor e, prescrita a via executiva, promova ação ordinária? E haverá melhor
forma de descobrir o devedor do que manter-lhe o nome no cadastro do SPC,
compelindo-o a procurar o credor?
A situação se agravou pelo
ajuizamento de milhares de ações objetivando cancelar os registros no SPC,
onde, em muitas delas, a nível de Tribunal, contrárias à aludida Súmula n.º 11,
de forma que a controvérsia permanece na falta de melhor regulamentação
especial a respeito.
Conclusão
As prescrições têm, como se viu,
seu fundamento na segurança e
estabilidade social decorrentes da eliminação do perigo de demandas após
um certo tempo. Observa-se, contudo, ao lado da deficiente compreensão quanto à natureza translativa do instituto, que
provoca transferências patrimoniais, uma deficiência na legislação pátria,
confirmada pela existência de decisões divergentes não só entre Tribunais
diversos, como no mesmo Tribunal. Com o advento da Lei do Cheque (Lei n.º7.357,
de 2-9-85) que em seu art. 61 estabelece a prescrição da actio in rem verso dois anos depois da perda da ação executiva, a
questão fica solucionada com respeito a esse título de crédito de célere
circulação. Contudo, ainda resta a necessidade de regular, de forma semelhante
à ocorrida em Portugal, com o advento do Código de 66, art. 312, a prescrição
da própria ação causal nos pequenos negócios, entre o comerciante ou
prestadores de serviços e os particulares, com vistas a alcançar uma maior
segurança nas relações jurídicas e afastar a possibilidade de decisões
divergentes como as ora observadas.
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e ss.
[1][1] A importância deste instituto está em que
atinge, em dois anos, todos os créditos dos comerciantes e prestadores de
serviços em geral, inclusive hotéis e restaurantes, excetuando-se da regra
créditos decorrentes do comércio de bens para revenda. Os particulares não
necessitam guardar comprovantes de pagamento por mais de dois anos porque, se
demandados, basta dizer que pagaram e a demanda será arquivada. Aqui no Brasil,
além de vigorar o prazo de três anos para a ação cambial, após estes 3 anos
inicia o prazo de 20 anos (ordinário) da prescrição da ação in rem verso (n.º 54). Adiante, ao
tratar dos cancelamentos de SPC e PROTESTOS, bem como na conclusão, o tema será
novamente abordado.
[2][1] A importância deste instituto está em que
atinge, em dois anos, todos os créditos dos comerciantes e prestadores de
serviços em geral, inclusive hotéis e restaurantes, excetuando-se da regra
créditos decorrentes do comércio de bens para revenda. Os particulares não
necessitam guardar comprovantes de pagamento por mais de dois anos porque, se
demandados, basta dizer que pagaram e a demanda será arquivada. Aqui no Brasil,
além de vigorar o prazo de três anos para a ação cambial, após estes 3 anos
inicia o prazo de 20 anos (ordinário) da prescrição da ação in rem verso (n.º 54). Adiante, ao
tratar dos cancelamentos de SPC e PROTESTOS, bem como na conclusão, o tema será
novamente abordado.
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