Espetacularização artes marciais


Pata ilustrar a espetacularização das artes marciais, algumas imagens do Campeonato SulAmericano de Karate finalizando nesta data:

 
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A espetacularização das artes marciais.


O fenômeno não é novo e já se manifestou quando as artes marciais passaram a ganhar interesse do grande público no ocidente. As primeiras impressões vieram matizadas pela mística incompreensível – pelo menos para os ocidentais – colorida pela roupagem cinematográfica, nos anos 60 e 70 do século XX. E lá já vão cerca de sessenta anos.


Somente depois as artes marciais infiltraram-se na cultura ocidental como semente estrangeira semeada através de escolas voltadas para sua difusão.


Desde então, o fenômeno embrionário ganhou dimensões que não poderiam ser imaginadas ao princípio. As artes marciais orientais cariam no gosto ocidental, multiplicaram-se a partir de suas diversas origens, chinesas, coreanas, hindus e, mormente, as japonesas, que nos trouxeram o Judō, o Karatē-Do e o Kendō, somente para citar as mais conhecidas.


E as artes marciais não vieram apenas como instrumento educativo ou de formação, como se mantiveram no oriente por séculos. Mal aqui chegaram e se confundiram com os esportes, transmudaram-se em modalidade competitivas e passaram a reivindicar espaço no universo esportivo, inclusive nos Jogos Olímpios, mercê da grande divulgação que o evento recebe e das verbas, públicas e privadas, que atrai.


Contudo, ao contrário dos esportes, as artes marciais não têm vocação originalmente esportiva. Os esportes foram criados (em geral para emulação e substituição de batalhas) justamente para o embate esportivo. A prática, desde o princípio, no desenvolvido das técnicas envolvidas e no conhecimento das regras regulatórias, tem um único objetivo: a competição.


Não há qualquer demérito nessa vocação originária dos esportes, até porque são conhecidos seus benefícios em favor dos praticantes (duvidosos com relação aos assistentes, que frequentemente envolvem-se em badernas, violência, uso excessivo de álcool e outras drogas, além do fanatismo e da idolatria), na sua saúde física e mental, sem contar os atletas que ganharam notoriedade e recolheram os dividendos econômicos da celebridade.


Os esportes foram concebidos para a competição e originados junto com as “regras do jogo”. São duas faces da mesma moeda e, por isso mesmo, as técnicas e as regras foram idealizadas para o fácil entendimento de todos, do público, bem como para o deleite de quem assiste, cujo desfrute não depende de conhecimento aprofundado. O espetáculo sempre esteve na sua essência.


Ao contrário, as artes marciais respondem por origens muito mais complexas. Algumas delas se perdem na bruma dos tempos. Constituíram, originalmente, mecanismo de defesa pessoal e para utilização na guerra. Jamais, nesse tempo remoto, foram pensadas por seus idealizadores para a finalidade de se tornarem modalidades esportivas.


Passaram por um longo e penoso processo de ajuste, desde o momento em que eram utilizadas exclusivamente no campo de batalha, para logo depois, em tempos de paz, serem difundidas em escolas fundadas com esta finalidade.


Essa remissão às suas origens assegura às artes marciais um espectro de atuação muitíssimo mais amplo do que simplesmente uma modalidade esportiva. No sentido formativo ou educacional, as artes marciais, quando já transformadas e ministradas em escolas, tinham e têm por fundamento interiorizar no praticante os valores que as orientavam e estavam na sua semente. No caso das artes marciais japonesas, por exemplo, inicialmente o zen-budismo, depois a sua transformação do que conhecemos por Budō, também, e mais remotamente, o xintoísmo e o confucionismo. Há uma interpenetração entre o conceito de arte marcial com os ramos das culturas filosóficas desenvolvidas no oriente e também das religiões.


Somente nos últimos 60 anos que esse processo histórico, já contado em milênios, vai desaguar em práticas competitivas, com regras próprias às modalidades esportivas.


Inicialmente, e para a finalidade transformar as competições de artes marciais em práticas civilizadas, foram abolidas, ou pelo menos reprimidas, todas as técnicas que poderiam causar lesões graves no oponente, algo contraditório rigorosamente porque, no campo de batalha, onde as artes marciais foram inicialmente aplicadas, esse era o verdadeiro e último objetivo.


Para a finalidade do que se pode chamar de “esportivização” das artes marciais foi necessário conviver com a grave contradição: enquanto nos esportes em geral sua prática no treinamento significa exatamente a reprodução dos atos e gestos que serão utilizados na competição, as artes marciais deveriam se voltar justamente ao contrário de sua natureza para se adaptar ao ambiente esportivo. Tudo que fosse lesivo ao oponente, razão de ser das artes marciais no sentido prático de sua expressão, deveria ser coibido.


E essas limitações sempre suscitaram importantes críticas pela violação à natureza das artes marciais em si próprias. Nas múltiplas modalidades esportivas que elas criaram, com frequência seus idealizadores procuravam preservar a essência das técnicas, pelo menos em sua origem e forma, procurando desenvolver regras que às estimulassem, ainda que garantida a proteção ao oponente, bem como sistemas de arbitragem que pudesse captá-las e valorá-las através das pontuações.


E essa proposta, entretanto, sempre representou impedimento essencial, pois a captação do rigor técnico e da pureza e significado dos movimentos depende de conhecimentos aprofundados da prática, inacessíveis ao público em geral, que somente está disposto à assistência de espetáculos esportivos quando for capaz de entendê-los razoavelmente e desfrutar do que consegue ver.


Foi quando as artes marciais deram mais um passo no que se pode chamar neste processo de “espetacularização”. As regras foram novamente alteradas, com ênfase para aquelas técnicas que possam ser compreendidas pelo público em geral, e que caiam bem aos olhos do espectador. Movimentos amplos e acrobáticos foram valorizados em detrimento das técnicas minimalistas, quase invisíveis, mas de eficiência comprovada.


Em vão. As competições de artes marciais continuaram sendo opção para os iniciados. Até hoje, salvo no grotesco espetáculo nas competições de MMA – de fácil entendimento para quem vê de fora, pois o derrotado será sempre aquele que cair ensanguentado ou que desistiu da contenda – as competições de artes marciais em geral não atraem grande público, limitando-se quase sempre à plateia aos praticantes, aos conhecedores de sua essência, eventualmente alguns familiares, jamais as assistências numerosas que podem gerar dividendos com a venda de ingressos, o interesse de patrocinadores ou transmissões televisivas.


Passados mais de 60 anos de quando efetivamente tiveram início as competições nas artes marciais, transformando-as elas em modalidades esportivas, a conclusão a que se chega, sem qualquer demérito aos eventos respectivos e suas várias virtudes, é que o preço a pagar em nome da espetacularização é alto demais em relação ao benefício, correndo-se o risco da perda essencial com relação a natureza original do fenômeno, de vocação nitidamente educativa e formativa.


Dia das mães no Dojo...





















Sobre regras e competições, confira 







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