A morte
Fernando Malheiros Filho
A morte é, e
sempre haverá de ser, o maior desafio à consciência dos seres humanos. Sabedores
de que finalmente perecerão, os humanos, ao contrário dos demais mamíferos,
nascem mercê desse dilema original. Sabem que a vida contrapõe o início feliz
(nem sempre) ao final triste. Salvo por acidente ou causas graves é provável
que a cada um que me lê esteja reservado o calvário do final da vida, a perda
gradativa das funções vitais, a falência progressiva da dignidade até o desfecho
definitivo.
Esse dilema
sempre inspirou debates filosóficos, menos importantes quando a morte era
virtualmente certa e rápida à maior parte dos viventes racionais. Em termos
históricos, faz muito pouco tempo, a expectativa de vida nas cidades de todo o
mundo mal chegava aos quarenta anos, enquanto a mortalidade infantil era epidêmica.
Em muitas culturas evitava-se dar identidade ao infante antes que completasse
dois anos: melhor não o ter como primo inter pares antes que fosse
possível assegurar-lhe, com razoável certeza, a sobrevivência.
Em grandes
conglomerados urbanos a qualidade de vida era terrível se comparada com os
padrões, mesmo os mais modestos, hoje experimentados. Dentro das cidades, guetos
insalubres ofereciam futuro ainda mais sombrio. Pouco se sabia sobre as
virtudes das condições sanitárias e de higiene. Os tratamentos médicos aliavam-se
às doenças, enfraquecendo os pacientes infectados. A situação apenas melhorou
no Século XX, e ainda assim depois da descoberta, fabrico e disseminação dos
antibióticos, que passaram a tratar às infecções, causa principal das mortes
precoces.
Tão presente
sempre foi a morte na história humana que não se estranha que jamais, salvo
recentemente, o conhecimento se deteve nas especulações em torno de sua imposição.
Em um tempo em que surtos de peste dizimavam porções enormes das populações do
planeta, cabendo às guerras consumir outro naco e às precárias condições de
vida o restante, morrer, ainda mais gloriosamente, poderia ser bendição. Não
hoje.
Curioso que naqueles
tempos cinzentos do passado, estando a morte tão próxima desde o nascimento,
não fossem mais frequentes as dificuldades existenciais, hoje a principal
mercadoria do comércio mental. Existir mais não se transformou em existir
melhor, pelo menos até aqui.
Tampouco as
objeções religiosas à morte premeditada (pena de morte, eutanásia e aborto) significavam
móvel à sua evitação. As religiões, que hoje se apegam à vida, eram ávidas em
matar (algumas ainda são), quer pela execução dos infiéis, como pelas guerras
santas. Os Estados nacionais, quase todos, previam a pena de morte, e pelos
meios mais cruéis e com sofrimento: importava a expiação e o efeito dissuasório.
O tempo e a
agitação do processo civilizatório vêm criando consensos nem sempre compreensíveis.
A pena de morte, ainda mantida em muitos países, mesmo os civilizados e
democráticos (com o EUA a frente, em vários estados), vai sendo abolida, e não
se sabe exatamente as razões, enquanto também se nota tendência, nos mesmos
países, pela legalização do aborto e da eutanásia.
Em parte, compreende-se
as tendências. A pena capital é aplicada coercitivamente em indivíduos sãos,
por ordem judicial e sob a tutela do Estado, em penalidade pela prática de
crimes gravíssimos, normalmente contra a vida de um ou vários outros
indivíduos, enquanto o aborto e a eutanásia representam interrupções à vida
consentidas (salvo para o feto).
No aborto,
ao que se sabe, até a 23ª semana de gestação, o feto não sente qualquer desconforto;
não tem sistema nervoso para percebê-lo, embora o mistério da vida já se tenha
manifestado. Na outra ponta da existência, na velhice ou frente às doenças terminais,
a morte põe fim ao grave padecimento, abreviando o martírio.
Nas três hipóteses
a morte é induzida pela vontade humana, restando perguntar se a pena de morte
não poderia merecer tratamento filosófico assemelhado ao aborto e à eutanásia?
No plano da
dogmática religiosa, pela qual o que Deus dá somente Ele pode retirar, todos esses
meios de abreviar a existência são condenáveis, mas não é disso que se trata. A
extirpação de vida deve ser antecedida e sustentada por fortíssimos argumentos
morais.
No caso do
aborto talvez tenhamos o fundamento de menor relevância filosófica a justificá-lo,
ainda que sustentável: assenta-se na autonomia corporal da mulher a quem deve ser
assegurado o direito sobre o próprio corpo e futuro, aliado à inconsistência,
pelo menos científica, da vida nas primeiras semanas de gestação. Soma-se à
autonomia da vontade da gestante a inexistência da vida humana no sentido filosófico
mais definido, que requer a senciência, a identidade e a corporeidade, que
faltam ao embrião ainda em formação. Mas se objeta que não há consentimento
daquele que vai morrer, ainda que, paradoxalmente, essa anuência somente
poderia ser concedida muito depois do nascimento com vida, exatamente o que
passa na hipótese da eutanásia.
Na eutanásia,
e em qualquer de suas hipóteses, desde a morte diretamente induzida até a ortotanásia
(quando se abandona os tratamentos paliativos), a possibilidade parece estar
calcada na compaixão para com o sofrimento físico ou existencial, permitindo-se
a liberdade àquele que não aceita estar preso ao corpo que o detém nesse mundo
contra a própria vontade manifestada.
Recentemente,
na Austrália, idoso cientista (David Goodall) de 104 anos, e que trabalhou até
a provecta idade de 102 anos quando foi convidado a se retirar de suas
atividades (Universidade Edith Cowan de Perth), mesmo sem ser portador de doença
terminal, decidiu pôr fim à vida pela eutanásia em 2018. Não sendo possível
fazê-lo em sua terra natal, dirigiu-se, junto com a família, à viagem sem volta
à cidade de Basileia, Suíça, na qual o fim induzido da vida é permitido.
Serenou.
Mesmo
destino se deu à jovem Noa Pothoven, de apenas 17 anos. A holandesa também não
era portadora de doença progressiva e fatal, pelo menos em seu corpo. Mas fora
vítima de abusos sexuais aos 11 anos, e não mais suportava a existência. Por
faltarem-lhe os requisitos legais, não pôde se candidatar à eutanásia legal,
mas morreu de inanição a 2 de junho de 2019. Também encontrou a paz.
Como fruto
das especulações atuais, tanto a eutanásia como o aborto parecem confluir para
o consenso e merecer tratamento legal e regulamentação. Ambos são fruto desse
tempo: a gestação indesejada, nessa época de superpopulação e principalmente
hedonismo, pode significar grave empeço a quem já vive, enquanto a longevidade
extrema e as doenças terminais igualmente se antepõem à dignidade do enfermo ou
do ancião que, estando lúcidos, passam a cogitar pôr fim à vida para dar cobro
ao tormento interminável.
Diversa, e
mais complexa, parece ser a abordagem da pena capital que, inversamente às
outras duas modalidades de interrupção proposital da vida, capazes de merecer
cobertura legal, desperta a repugnância ainda que com origem naquelas instituições
que, no passado não tão remoto, não hesitavam em aplicá-la.
A condução à
morte de um de seus indivíduos oferece ao Estado de Direito dificuldades
importantes, além da repugnância daqueles que veem a pena de morte apenas como
forma de expiação ao grave delito cometido pelo executado. Parece
desproporcional, ainda mais quando o apenado perde a vida muitos anos após o
cometimento do crime, envelheceu e amadureceu, tornando-se n’alguém que talvez
não incorresse na mesma falta, fosse possível voltar ao passado com a consciência
do presente.
Por outro, o
doente mental, capaz de cometer desatinos contra os semelhantes, não estaria
apto a distinguir o certo do errado, e assim evitar os atos que o levariam ao cadafalso.
A maioria
que forma os consensos, ainda mais em países primeiro-mundistas, naqueles em
que nesse momento ainda se aplica a pena capital, não experimentou a agonia
posterior à perda violenta de alguém muito próximo, quiçá testemunha daquela
calamidade, com os efeitos deletérios, as cicatrizes no espírito que nenhum
procedimento haverá de remover.
Entre os que
sobrevivem ao crime violento contra alguém próximo, ainda que filosófica ou
religiosamente contrários à execução do condenado, a sensação de reposição da
integridade, com o fim do ciclo perverso, é experimentada. Sobrevém o alívio, mesmo
que à custa da dureza estatal remanescente. As pesquisas atestam.
Fosse
somente isso, a pena capital deveria ser relegada ao esquecimento. Com correção
afirma-se que a execução do condenado não repõe à vida que ele extirpou, nem
parece moralmente permissível que o Estado promova a vingança. A impessoalidade
impede-o.
Mas um
argumento pode ser decisivo: o efeito dissuasório. Gary Becker (Prêmio Nobel de
Economia de 1992), calculou que cada execução de assassinos, devidamente
documentada e divulgada, impede outros oito assassínios. É certo que o
delinquente teme morrer. Se vive tresloucadamente é porque tem apreço à vida, a
ponto de querer viver intensamente, mesmo que à custa da vida alheia. Temendo
morrer haverá de se conter em levar outro à morte. A mesma opinião, além de
outros, é compartilhada pelo outro célebre economista: Isaac Ehrlich.
Haveria,
então, razão moral essencial à manutenção da pena de morte: o respeito àqueles
que terão indesejada morte violenta, mas que pode ser evitada.
É claro que
os argumentos contrários não são nada desprezíveis. Há o risco do erro
judiciário (hoje virtualmente prevenido pelos métodos científicos de
investigação, e os largos períodos de manutenção do detento à espera da morte),
e a possibilidade da comutação da pena, convertendo-a em encarceramento
perpétuo.
A ambas as
hipóteses podem ser contestadas. O erro de julgamento é prevenível, também
sendo possível a manutenção da pena máxima apenas para a reincidências, excluídos
os crimes exclusivamente passionais, por sua momentaneidade, enquanto a
manutenção do preso encarcerado por toda a sobrevida (o que se impõe ao
psicopatas irremediáveis), pode parecer resposta ainda mais dura do que lhe retirar
a vida.
A principal
dissonância está na sensação experimentada em contraposição à crueza das
evidências. Melhor seria que não nos matássemos, sendo possível viver em paz,
mas os fatos são teimosos. A violência não cessa, mesmo após expressivas
melhorias na qualidade de vida. O vazio existencial leva à droga, e esta,
proibida, fomenta o tráfico e a corrupção. No México de hoje, do presidente
Lopez Obrador, que se elegeu prometendo pôr fim à violência epidêmica, no 1º
semestre de 2019, as estatísticas de homicídios dispararam, apesar das
providências contidas no cardápio eleitoral: mantam-se cem pessoas por dia
(para ser exato, 98). No Brasil não é muito diferente, ainda que o país
continental ofereça aos geógrafos e estatísticos várias faces em seu território,
que na média acusa o estupefaciente índice de 30 mortes violentas por cem mil
habitantes ano.
De tudo o
que se viu, aceitável ou inaceitável a pena de morte, é exato concluir que não
se conhece executado que tenha voltado a delinquir.
O Autor, fernando Antonio Malheiros, foi um dos fundadores da
Saiba mais sobre o tema do medo e paradoxos em
Saiba mais sobre o tema do medo e paradoxos neste mini e-book: http://bit.ly/5guerra ╰☆╮ Pesquisa, compilação e edição: Professor PADilla, desde 1992, docente na UFRGS onde ingressou por concurso público, sendo nomeado na vaga da aposentadoria do saudoso Athos Gusmão Carneiro. A partir de 1995, criou e desenvolveu o Direito Desportivo http://bit.ly/Ufrgs e a Teoria Transdisciplinar; Master NLP e Mestre por Salamanca, Valladolid y Leon 🇪🇸; o engajamento em causas humanitárias, a pesquisa e o trabalho em prol do desenvolvimento humano outorgaram-lhe os títulos de Comendador, Doutor Honoris Causa e Embaixador da Paz.
╰☆╮
A TT ⛩ revela o Plano das Crenças e Valores. Transcende à TGPs, Teoria Geral dos Processos, sobre o Plano do Direito e à TGDD, Teoria Geral do Direito Desportivo, sobre o Plano dos Jogos-Esporte.
🥋🏆🏵🎖 ╰☆╮
Proporciona percepção da causa de todo o mal ser a desinformação sobre:
- haver armadilhas em forma humana, os 2% mutantes.
Fingindo serem perfeitos ou melhores do que nós, os psicopatas, desprovidos das 3 principais características humanas, manipulam os indecentes-corruptos-insensíveis e usuários de drogas como paracetamol, maconha, etc. Criam uma entourage psicopateta, um tipo de esquizofrenia induzida caracterizada pela imunidade cognitiva e idolatria visceral.
Com sua entourage, compõe o que, na era dos emoji, intitulamos de 👺👿👹👽🤪🏦🌐. Eles impõe um padrão de vida paradoxal, anti-ecológico e hipócrita. São capazes de tudo e mais um pouco. Assassinam socialmente-reputação e fisicamente quem os enfrenta ou ameaça.
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